Por George Gomes Coutinho
Tornou-se tema inevitável e
praticamente onipresente na sociedade brasileira, até pelo farto incentivo da
Grande Mídia, a chamada Operação Lava Jato, impetrada pelo Ministério Publico
Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), desde março de 2014. De um lado, há
aqueles que creem (só posso supor ser ato de fé e não mais do que isso) que se
trata de uma verdadeira purificação da sociedade dos crimes, brechas e outros
bichos gerados exclusivamente pela administração do Partido dos Trabalhadores
nos últimos anos. Nesta perspectiva, admiravelmente rudimentar, a obscena
história brasileira da relação entre público e privado tem seu início com o governo
Lula e prossegue na gestão Dilma. Lula, neste caso, é o Alpha e para muitos,
que Dilma seja o Omega para voltarmos a um estado de coisas hipoteticamente
impoluto. Só hipotético... Sem desconsiderar o caráter delirante deste tipo de
interpretação.
De outro lado, entre diversos
analistas e intelectuais vinculados aos setores progressistas da sociedade, a
Operação Lava Jato tem se mostrado um verdadeiro circo de horrores na
manutenção do Estado Democrático de Direito. Garantias fundamentais são
atropeladas, provas aparecem e desaparecem, elementos discursivos são
seletivamente fornecidos e alardeados pela Grande Mídia e, neste momento, se
apresenta um novo grande anti-herói nacional: o delator “premiado”. O “x9”, o
“dedo-duro”, o “cagueta”, que dentre diversos setores da sociedade sempre foi
tido por um sujeito abjeto e covarde ganha todas as luzes possíveis da ribalta.
Sobre esta figura Wanderley Guilherme dos Santos já fez ponderações muito interessantes em seu blog.
Até agora de concreto o efeito
produzido pela Lava Jato é a colaboração com o processo de desaceleração da
economia em um momento absolutamente inoportuno. A crise do sistema econômico
mundial, que provavelmente os leitores dos hebdomadários creem não existir a
despeito das notícias internacionais que também estão fartamente disponíveis
para qualquer interessado, prossegue de forma persistente. Conforme apontam de
forma assistemática, talvez a Lava Jato já tenha “engolido” 1% do PIB neste
cenário enervante. A questão é se este preço já pago redunda na entrega da
cálida, úmida e caliente promessa
suspirada nos ouvidos dos mais ingênuos: a “purificação” da sociedade
brasileira dos danos produzidos pelo inimigo público número 1, o Sr. Luis
Inácio Lula da Silva.
Além de discordar de forma veemente
que o Partido dos Trabalhadores tenha inventado a corrupção nesta parte dos
trópicos, e que o próprio Lula seja o “coisa ruim” personificado, o que
provavelmente esta leitura produz é nada menos que a ignorância sobre a própria
sociedade onde estes fatos ocorrem. Além disto, a ausência de conhecimento
lúcido trafega pelas águas turvas da igualmente ausente auto-crítica do próprio
mercado. Esta instância, sempre apontada como tábua de salvação por liberais de
todos os calibres, é não menos partícipe dos processos de corrupção que
qualquer outro setor e tampouco se apresenta como ilha de eficiência em um
oceano de incompetentes. Empresários, políticos, padres, médicos, policiais,
juízes, garis, são todos recrutados em uma mesma sociedade. Para entender o
atual estado de coisas, o pretérito e as perspectivas futuras, sem um
entendimento adequado da própria sociedade estamos fritos.
Algo que discuti com um amigo
pessoal que vive entre a rapaziada do business:
as empreiteiras e congêneres não querem mais operar com contratos públicos. A
razão é simples. “Não compensa”, disse ele, justamente em virtude do incremento
dos processos de accountability e
governança que cresceram sistematicamente nos últimos anos no Estado brasileiro.
Este setor, o do empresariado que opera grandes obras, embora seja leviano
afirmar que “todos os gatos são pardos”, opera com trocas de favores, preços
exorbitantes e outras tantas práticas que não constam nos manuais de boas
maneiras. Trata-se de uma lógica predatória que mantém uma estrutura
oligopolista, sendo o “livre mercado” uma quimera, um mero jargão... Há
favorecimentos diversos, em dinheiro ou ações concretas, no setor privado.
Claro que neste caso não entra o dinheiro público e o leitor pode bradar que
“se danem todos”. Mas, o efeito mais imediato deste cenário é redução da
velocidade ou mesmo a paralisação das obras públicas em todo país. Isto implica
prejuízos imediatos para a população no fornecimento de serviços e na
manutenção da infra-estrutura pública só recentemente alargada e recuperada
após os anos de desmonte do Estado na gestão FHC.
O que compreendo é que a Lava Jato,
a despeito de sua pirotecnia e da constelação de interesses que atende, não
modificará a sociedade. Não introduzirá “boas práticas” a fórceps. Tem servido
sim, além dos efeitos danosos para a economia, para a criminalização da
política partidária, o desgaste das instituições e o esvaziamento da arena
pública pela transformação das grandes questões nacionais em simples “caso de
polícia”. Em suma, a sociedade brasileira, que certamente modificou-se
dramaticamente nas últimas décadas em um sentido positivo, manterá suas
permanências seculares que antecedem, em muito, a fundação do
Partido dos Trabalhadores em 1980.
Concluindo, não estou aqui fazendo a
apologia de qualquer prática ilícita. No meu mundo ideal, todo tipo de prática
corrosiva seria investigada a despeito de quem quer que tenha praticado. A
questão é que em uma sociedade habituada ao “jeitinho”, em um cenário de
punição democrática, talvez não fique pedra sobre pedra. No caso da Lava Jato,
é este o caminho que está sendo adotado. Cabe perguntarmos o que será posto no
lugar após a assepsia.... Como tem sido lembrado alhures, na Itália das “Mãos
Limpas”, que decerto não destruiu a máfia, se seguiu um Berlusconi. Desejo
destino melhor para todos nós.