sexta-feira, 31 de julho de 2015

A lava jato e a sociedade

Por George Gomes Coutinho

            Tornou-se tema inevitável e praticamente onipresente na sociedade brasileira, até pelo farto incentivo da Grande Mídia, a chamada Operação Lava Jato, impetrada pelo Ministério Publico Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), desde março de 2014. De um lado, há aqueles que creem (só posso supor ser ato de fé e não mais do que isso) que se trata de uma verdadeira purificação da sociedade dos crimes, brechas e outros bichos gerados exclusivamente pela administração do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos. Nesta perspectiva, admiravelmente rudimentar, a obscena história brasileira da relação entre público e privado tem seu início com o governo Lula e prossegue na gestão Dilma. Lula, neste caso, é o Alpha e para muitos, que Dilma seja o Omega para voltarmos a um estado de coisas hipoteticamente impoluto. Só hipotético... Sem desconsiderar o caráter delirante deste tipo de interpretação.

            De outro lado, entre diversos analistas e intelectuais vinculados aos setores progressistas da sociedade, a Operação Lava Jato tem se mostrado um verdadeiro circo de horrores na manutenção do Estado Democrático de Direito. Garantias fundamentais são atropeladas, provas aparecem e desaparecem, elementos discursivos são seletivamente fornecidos e alardeados pela Grande Mídia e, neste momento, se apresenta um novo grande anti-herói nacional: o delator “premiado”. O “x9”, o “dedo-duro”, o “cagueta”, que dentre diversos setores da sociedade sempre foi tido por um sujeito abjeto e covarde ganha todas as luzes possíveis da ribalta. Sobre esta figura Wanderley Guilherme dos Santos já fez ponderações muito interessantes em seu blog.

            Até agora de concreto o efeito produzido pela Lava Jato é a colaboração com o processo de desaceleração da economia em um momento absolutamente inoportuno. A crise do sistema econômico mundial, que provavelmente os leitores dos hebdomadários creem não existir a despeito das notícias internacionais que também estão fartamente disponíveis para qualquer interessado, prossegue de forma persistente. Conforme apontam de forma assistemática, talvez a Lava Jato já tenha “engolido” 1% do PIB neste cenário enervante. A questão é se este preço já pago redunda na entrega da cálida, úmida e caliente promessa suspirada nos ouvidos dos mais ingênuos: a “purificação” da sociedade brasileira dos danos produzidos pelo inimigo público número 1, o Sr. Luis Inácio Lula da Silva.

            Além de discordar de forma veemente que o Partido dos Trabalhadores tenha inventado a corrupção nesta parte dos trópicos, e que o próprio Lula seja o “coisa ruim” personificado, o que provavelmente esta leitura produz é nada menos que a ignorância sobre a própria sociedade onde estes fatos ocorrem. Além disto, a ausência de conhecimento lúcido trafega pelas águas turvas da igualmente ausente auto-crítica do próprio mercado. Esta instância, sempre apontada como tábua de salvação por liberais de todos os calibres, é não menos partícipe dos processos de corrupção que qualquer outro setor e tampouco se apresenta como ilha de eficiência em um oceano de incompetentes. Empresários, políticos, padres, médicos, policiais, juízes, garis, são todos recrutados em uma mesma sociedade. Para entender o atual estado de coisas, o pretérito e as perspectivas futuras, sem um entendimento adequado da própria sociedade estamos fritos.

            Algo que discuti com um amigo pessoal que vive entre a rapaziada do business: as empreiteiras e congêneres não querem mais operar com contratos públicos. A razão é simples. “Não compensa”, disse ele, justamente em virtude do incremento dos processos de accountability e governança que cresceram sistematicamente nos últimos anos no Estado brasileiro. Este setor, o do empresariado que opera grandes obras, embora seja leviano afirmar que “todos os gatos são pardos”, opera com trocas de favores, preços exorbitantes e outras tantas práticas que não constam nos manuais de boas maneiras. Trata-se de uma lógica predatória que mantém uma estrutura oligopolista, sendo o “livre mercado” uma quimera, um mero jargão... Há favorecimentos diversos, em dinheiro ou ações concretas, no setor privado. Claro que neste caso não entra o dinheiro público e o leitor pode bradar que “se danem todos”. Mas, o efeito mais imediato deste cenário é redução da velocidade ou mesmo a paralisação das obras públicas em todo país. Isto implica prejuízos imediatos para a população no fornecimento de serviços e na manutenção da infra-estrutura pública só recentemente alargada e recuperada após os anos de desmonte do Estado na gestão FHC.

            O que compreendo é que a Lava Jato, a despeito de sua pirotecnia e da constelação de interesses que atende, não modificará a sociedade. Não introduzirá “boas práticas” a fórceps. Tem servido sim, além dos efeitos danosos para a economia, para a criminalização da política partidária, o desgaste das instituições e o esvaziamento da arena pública pela transformação das grandes questões nacionais em simples “caso de polícia”. Em suma, a sociedade brasileira, que certamente modificou-se dramaticamente nas últimas décadas em um sentido positivo, manterá suas permanências seculares que antecedem, em muito,  a  fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980.


            Concluindo, não estou aqui fazendo a apologia de qualquer prática ilícita. No meu mundo ideal, todo tipo de prática corrosiva seria investigada a despeito de quem quer que tenha praticado. A questão é que em uma sociedade habituada ao “jeitinho”, em um cenário de punição democrática, talvez não fique pedra sobre pedra. No caso da Lava Jato, é este o caminho que está sendo adotado. Cabe perguntarmos o que será posto no lugar após a assepsia.... Como tem sido lembrado alhures, na Itália das “Mãos Limpas”, que decerto não destruiu a máfia, se seguiu um Berlusconi. Desejo destino melhor para todos nós.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Rock debaixo da ponte em 25 de julho e outras estórias



Prezad@s,

Desta vez venho divulgar o mini-festival batizado apropriadamente de "Resistência Goytacá".A agremiação de bandas independentes foi devidamente organizada pelo Sr. Anderson (Mais conhecido entre nós simplesmente por Kiko, bandleader da anárquica Tubarão Martelo). O festival, absolutamente irreverente e subversivo, marca uma tradição da cena de rock de Campos dos Goytacazes, RJ: a entrada, por vezes a base de pontapés, de espaços públicos. Cenários como a praça de Liceu de Humanidades, a praça XV de Novembro e, ultimamente, o medonho viaduto colocado no centro da cidade na época da Srª Rosinha Garotinho quando governadora do estado do Rio de Janeiro. Inclusive este cenário será o utilizado no próximo dia 25/07, entre 14 e 23 horas, por um público usualmente eclético e ávido por novidades. Não por acaso, o outro nome do festival é "Rock debaixo da ponte", uma alusão simbólica ao cenário independente de música local sempre desprovido de recursos. Desta edição participa um naipe de bandas que transita do blues ao reggae, do rock sulista brasileiro ao hard rock, dentre outros estilos e sub-estilos apreciados por aqueles que usualmente torcem o nariz para as programações em voga em nossa indústria cultural contemporânea e preguiçosa. Também cabe notar que teremos nos intervalos carrapetas e vinil sendo servidos em profusão para os convidados.

Uma questão fundamental: como é praxe em eventos dessa natureza, evidentemente a entrada é franca.

Nesta ocasião eu estarei presente tentando dar alguma colaboração com a produção de barulho. Para quem não sabe, para além da minha vida acadêmica, também tenho meus momentos de músico amador há pouco mais de 20 anos (o tempo passa!). Desta vez estarei com o projeto "Cães Malditos", uma aposta na sonoridade principalmente dos anos 1970.... Mas, como os Cães individuais tem passagens por diversos sub-estilos do rock, inclusive pelas vertentes mais agressivas em termos sonoros (trash, punk, hardcore e congêneres), nunca operamos um "cover" fiel . Porém, lhes asseguro que o repertório, onde são apresentados Deep Purple, Alice Cooper, Johnny Winter, permanece respeitando as raízes. 

Abaixo apresento um vídeo caseiro que conta já com quase dois anos de idade e funciona como uma amostra sobre o que estamos fazendo:
 



Enfim, divulguem, compareçam, prestigiem!

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Mal-estar cotidiano e a ausência de projetos estruturais na (semi)periferia

Mal-estar cotidiano e a ausência de projetos estruturais na (semi)periferia



            Nos dias que correm no Brasil é compartilhado um mal estar coletivo palpável. Não que este sentimento seja exatamente uma novidade na modernidade. Sigmund Freud em seu “Mal-estar da civilização”, texto datado de 1929, apontava o caráter paradoxal do progresso material, embora desigualmente distribuído pela própria estrutura inerente da sociedade, e uma sensação de fastio, melancolia, desamparo, etc.. Porém, nos cabe calibrar esta questão em termos históricos e contextuais.  Freud escrevia na Europa central, nos arredores da falência financeira desencadeada pelo colapso da Bolsa de Nova Yorque, um tanto perplexo com a convivência concreta do avanço da ciência e o que Jürgen Habermas chamaria posteriormente no final do mesmo século de “promessas não cumpridas do iluminismo”[i]. Em verdade, o que o chamado “pai da psicanálise” assinalou foi a constatação de que novos modos de viver produzem novas formas de sofrimento, dado que o objeto de análise  freudiana era nada menos que a falência da sociedade tradicional e a substituição desta por uma modernidade sempre a se construir. O sofrimento de Sísifo se atualizaria historicamente na chave menos ensolarada da interpretação da sociedade, tal como Adorno e Horkheimer procuraram igualmente demonstrar[ii].

            Retomando ao Brasil e particularizando este sofrimento, que não é um privilégio verde-amarelo e detém suas facetas singulares entre nossas fronteiras, é edificada a “sociedade de condomínio”, tão bem retratada por Christian Dunker[iii]. Esta sociedade de condomínio, falarei em termos bastante sumários, projeta uma forma de sociabilidade especial dotada, por um lado, na centralidade do consumo e uma (re)feudalização do espaço urbano.  O consumo como projeto de realização existencial, como se pode supor, não tem redundado em uma reflexividade mais robusta e avançada. De outro lado, a  (re)feudalização do espaço apenas torna mais aguda a separação dos desiguais envolvendo a apartação de formas de viver até fisicamente. Disto redundamos na ignorância mútua dos agentes e um empobrecimento discursivo/subjetivo importante, percepção somente amplificada pelo acompanhamento cotidiano das redes sociais.

            Nesse ínterim, tentando observar diretamente nossa conjuntura política nacional, a sensação de desconforto é persistente. Se por um lado não é injusto declarar que a esquerda não conseguiu construir um projeto interpretativo e programático suficientemente eficaz para os desafios de uma realidade (semi)periférica como a nossa[iv], por outro lado, a direita também aparentemente não tem conseguido fazê-lo. Em verdade, salvo soluções autoritárias de curtíssimo prazo, onde se produz uma sensação de segurança a partir do medo, a direita aparentemente fracassou entre nós em toda a nossa história. A esquerda, uma alternativa histórica suprimida por quase todo o século XX, falha miseravelmente em nossa conjuntura.

Neste vácuo de imaginação estrutural, até o presente momento parte dos debates que mais tem seduzido a chamada “opinião pública”, a despeito desta existir ou não[v], tem se centrado em “pautas de questão única”. Na literatura dos mecanismos de explicação dos gatilhos da ação coletiva, as chamadas “pautas de questão única”, envolvendo agentes específicos como o movimento LGBT, grupos étnicos e a “difusa agenda ambiental”, se tentam produzir avanços civilizatórios fundamentais, por outro lado, apenas de forma tangencial se defrontam com uma agenda estrutural. As vitórias neste sentido são vitórias de Pirro. Necessárias, decerto, porém insuficientes sem um projeto de sociedade que as torne sólidas e duradouras.

            Ainda, em nossa conjuntura, onde há um discurso combativo sistemático de enfrentamento das forças progressistas, seja criminalizando-as ou simplesmente tornando seu conteúdo reivindicatório objeto de ridicularização, soluções falseadas, não por acaso, tem pipocado e se alastrado mais que “chuchu na serra”. Justamente a pauta conservadora tem se construído a partir de “questões únicas”: a redução da maioridade penal como encaminhamento desejável e solução para a violência estrutural; o resfriamento dos avanços simbólicos e jurídicos que protegem agrupamentos étnicos ou LGBT; a destruição sem tréguas do Partido dos Trabalhadores como remédio para os males da política formal.

            Progressistas e conservadores, assim, armam seus grupos de forma mais similar do que pode supor nossa vã filosofia. Em paralelo, nosso projeto coletivo paradoxal  e realmente existente de “social rentismo” prossegue e preguiçosamente todos recusamos a pensar soluções complexas e estruturais para problemas que, em última instância, são da mesma natureza.  Talvez a reflexão de Marcos Nobre que nos convida a “Pensar o Brasil”[vi] faça todo sentido nos dias que correm. Ainda, intuitivamente arrisco afirmar que se não há “solução mágica”, o retorno das propostas estruturais, que envolvem modelar novos projetos de sociedade, se não elimina o mal-estar inerente, nos permite reabilitar uma esperança secularizada. Não mais e não menos.

George Gomes Coutinho




[i] HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

[ii] ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

[iii] DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

[iv] Neste sentido que interpreto o mote de Wanderley Guilherme dos Santos postado em seu blog: “CHEGA DE TRANSFORMAR O MUND0; É INDISPENSÁVEL INTERPRETÁ-LO!”. Disponível em: http://insightnet.com.br/segundaopiniao/?p=100

[v] Bourdieu em seu texto clássico “A opinião pública não existe”. O texto, ácido e implacável, encontra-se disponível em formato PDF. Eis aqui um dos possíveis links de acesso: http://pt.scribd.com/doc/72698331/A-opiniao-publica-nao-existe-Pierre-Bourdieu

[vi] http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002014000300097&script=sci_arttext