quarta-feira, 26 de abril de 2023

Voyeur Político - 1ª Rodada - Ano III

 


Vamos nós para o terceiro ano do projeto Voyeur Político!

Nos anos de 2021 e 2022 nos dedicamos a acompanhar a conjuntura eleitoral de out/22. Neste 2023 teremos um refresco do tema e abriremos para uma maior variedade de questões no projeto.

Vamos iniciar este Ano III olhando para nosso quintal, a cidade de Campos dos Goytacazes. Com 188 anos recém completados Campos precisa lidar com o que pode ser um dos mais complexos desafios de sua existência: a metropolização.

Com quase meio milhão de habitantes, desigualdades diversas, uma cultura econômica que parece pouco afeita a inovações e uma vida política que gravita por décadas nos arredores da imagem de Garotinho, esta cidade do interior do Rio de Janeiro está se tornando uma metrópole? Caso esteja, quais seriam as possíveis consequências da metropolização para sua população?

Convidei para esta conversa dois colegas que tem muito a dizer sobre este tópico: William Passos e José Luis Vianna da Cruz.

William Passos é recém doutor pelo prestigiado Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Sua tese, que foi desenvolvida com momentos de formação do autor na Universidade do Porto e no IBGE, justamente discute a metropolização da bacia de Campos. Para além disso, William, que é geógrafo de formação, é um ativo colaborador da imprensa regional e se arrisca corajosamente em solos da gaita.

José Luís Vianna da Cruz é simplesmente um dos sociólogos mais importantes da região. Não é possível sequer imaginar a atual fisionomia da sociologia regional sem sua presença.  Também doutor pelo IPPUR/UFRJ, Zé é formador/pesquisador em instituições como UCAM e a UFF-Campos, onde sempre discutiu, analisou e problematizou a região. Com tudo isso é rubro-negro apaixonado, dono de uma biografia interessantíssima e também tem em seu currículo o tropeção de ter me orientado no início deste século. Sim, também sou “cria” do professor Zé Luís.

Nossa conversa irá ocorrer em 11 de maio de 2023, uma quinta-feira, 15 horas. As inscrições, para quem desejar acompanhar o papo ao vivo, podem ser feitas aqui neste link: https://forms.gle/KHzkBYvzk1B14bfV6

O projeto Voyeur Político é projeto de extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado por mim, prof. George Coutinho (georgec@id.uff.br).

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Discurso de Chico Buarque - Prêmio Camões 2019

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Discurso de Chico Buarque - Prêmio Camões 2019 **

 

Cerimônia de entrega - dia 24 de abril de 2023, Palácio Nacional de Queluz, às 16.00 horas.

 

Ao receber este prêmio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária. Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade. Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo.



O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de  tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitetura. O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.



Escrevi um primeiro romance, Estorvo, em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde - sou leitor e admirador. Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim. 



Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.

 

   

Muito obrigado


* Reproduzo aqui, na cara dura mesmo, o discurso do "clássico que anda" tal qual me chegou.


** Cartoon do querido Márcio Malta, o Nico. Tomei a arte de empréstimo de sua página pessoal no Facebook: https://www.facebook.com/marciomalta.nico 

domingo, 9 de abril de 2023

Aula Inaugural - PPGDAP - UFF - Campos

Convidamos a todos e a todas para a Aula Inaugural 2023/1 do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP), que será realizada nesta quinta-feira, dia 13/04/2023 às 16h00min, no Auditório da UFF Campos/ESR.  Teremos a satisfação de ter o conceituado Prof Dr. Jorge Natal - Professor Visitante do  PPGDAP em 2023 - como nosso palestrante. A palestra é intitulada    “Modernização Capitalista e Projeto Civilizatório Brasileiro: alguns avanços, muitos recuos".  O prof. Jorge Natal tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional atuando nos  temas de política econômica brasileira e a economia carioca e fluminense. 

Solicitamos gentileza de divulgar em suas redes sociais.

Contamos com a presença de todos e todas!!!

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Sobre o morticínio em Blumenau - Luis Felipe Miguel

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Sobre o morticínio em Blumenau**


Luis Felipe Miguel***


O morticínio na creche em Blumenau nos encheu de horror e tristeza, mas não necessariamente de espanto. 

Infelizmente, o Brasil está se tornando um país em que esse tipo de atentado é quase corriqueiro.

Não é possível nem imaginar a dor das famílias que perderam aquelas crianças. E, sobretudo, não é possível aceitar uma situação em que um pai ou uma mãe manda seu filho para a escola sem ter certeza de que ele voltará para casa.

A direita já anuncia as "soluções" de sempre. Uns falam em aumentar as penas - como se o perpetrador de um crime desses se guiasse por um cálculo racional. 

Ou em armar os professores - perpetuando um clima de paranoia e fazendo do país um bangue-bangue, com uma escalada ainda maior de violência como resultado previsível.

Não faltou nem quem propusesse ampliar a vigilância sobre as escolas - com efeito negligenciável na segurança, mas grande sobre a autonomia dos docentes.

Nada disso é solução, é claro. Penso que são necessárias medidas urgentes, mas também de prazo mais longo.  Algumas - as de curto prazo - com caráter mais repressivo. Outras visando as origens do problema.

No curtíssimo prazo, é preciso reforçar o policiamento próximo às escolas e implantar dispositivos de alarme para situações de risco.

(O governo federal anunciou a liberação de R$ 150 milhões para reforçar a ronda escolar em todo o Brasil. O valor será repassado para estados e municípios.)

É preciso também ampliar o monitoramento da internet, onde as ações são gestadas e incentivadas.

(O governo federal também anunciou a criação de uma força tarefa emergencial com este objetivo.)

Uma vez que estes discursos têm migrado da deep web para espaços como TikTok, é importante responsabilizar as plataformas.

São negócios bilionários que se eximem de qualquer regulação pela sociedade. Mas precisamos definir o que queremos delas. E, talvez, tomar coletivamente a decisão de refrear seu domínio sobre nossa sociabilidade.

Alguns órgãos de imprensa têm tomado a decisão correta de não divulgar nome e foto do assassino - afinal, o desejo depravado por fama é um componente essencial neste tipo de ataque. Mas não é toda a imprensa. Valeria legislar sobre o tema.

(A busca de notoriedade como motivo para o crime foi turbinada pelas redes sociais, mas não surgiu com elas. Como exemplo: em 1972, Arthur Bremer deixou de balear Nixon, como queria, porque quis trocar de roupa para a ocasião e perdeu a chance; teve que se contentar em atingir George Wallace, o governador segregacionista do Alabama. Anotou em seu diário que estava decepcionado, pois não teria repercussão na Europa e na Rússia.)

Medidas de curto prazo são importantes, mas é preciso também pensar sobre as raízes mais profundas dos ataques. O que faz alguém chegar a esse ponto?

Há todo um caldo de cultura de apologia da violência - do culto às armas à ideia de que o desprezo pela vida é algo "transgressor".

(Estudos apontam que são meninos recém-chegados à adolescência os  capturados por esse tipo discurso. É preciso enfatizar o vínculo entre a construção de uma "masculinidade" hoje fragilizada e a epidemia de violência, para adotar políticas efetivas de saúde mental.)

Como se o desprezo à vida não fosse, no final das contas, definidor do sistema capitalista em que vivemos.

Esta glorificação da violência é central na extrema-direita. O que vemos nas escolas anda junto com o avanço dos  discursos de ódio, neonazismo etc. Nem é preciso dizer em quem votou o assassino de Blumenau.

Um deputado indicou um torturador notório como seu herói pessoal - e não só não foi punido como se elegeu presidente. Creio que isso resume muito da história.

Agora, todos fazem seus lamentos hipócritas nas redes sociais.

Não adianta. Cada um que contribuiu para a degradação do debate político no Brasil; cada um que aderiu, por estupidez, convicção ou oportunismo, ao avanço de um extremismo perverso; cada um que reforçou os estereótipos mais vulgares do machismo - são todos, em menor ou maior medida, culpados pela espiral de uma violência gratuita, aberrante, própria de uma sociedade muito doente.


* Van Gogh, "Prisoners round", 1889. Disponível em: https://www.mutualart.com/Article/The-Sadness-Will-Last-Forever--Van-Goghs/A713E9002A6E4245, acesso em 06 de abril de 2023.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 06 de abril de 2023. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre de 2022 o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

terça-feira, 4 de abril de 2023

CONSOLIDAÇÃO DA DIREITA E DECADÊNCIA DO BOLSONARISMO - Christian Lynch

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CONSOLIDAÇÃO DA DIREITA E DECADÊNCIA DO BOLSONARISMO**


Christian E. C. Lynch***

Bolsonarismo é uma coalizão de setores conservadores em torno de um homem que lhes serviu de catalizador para reagirem contra os avanços progressistas de uma determinada quadra histórica, em uma circunstância de desmoralização do sistema representativo.

O Bolsonarismo representou uma resposta à demanda  - desses, cíclicos - de revitalização da direita popular, num momento em que o sistema não tinha representantes conservadores, estava desmoralizado pela Lavajato. Bolsonaro foi quem estava à mão e serviu de para-raios  em 2018

Bolsonaro não era nem é homem à altura para consolidação desse movimento em um momento como o atual, de "normalização" da direita. Representa o radicalismo incompetente e lacrador, quando a maior parte da direita quer moderação  e eficiência.

Hoje o sistema já se recolocou de pé, absorveu os conservadores (até demais), e se reorienta em direção à estabilidade. O eleitorado rejeitou Bolsonaro em 2022 por seus excessos. Os "moderados" tendem a rejeitar para o governo a minoria radical, cuja hora já passou

O que Bolsonaro quer é não ser preso e aproveitar o patrimônio que amealhou com a corrupção. Prefere ficar inelegível para ter pretexto para não trabalhar. Seu desejo coincide com esse momento histórico de "normalização" da direita em um registro mais institucional

O Bolsonarismo está em vias de se tornar um fenômeno residual dentro do próprio conservadorismo, na forma de extrema-direita isolada. A direita popular, descoberta e enraizada no eleitorado, veio para ficar. Mas o tempo do Bolsonarismo como fenômeno já passou. 

O tempo é outro e a fila andou.


* Caricatura de Frank Hoppman. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/novo-em-folha/2022/06/caricatura-de-bolsonaro-feita-por-alemao-recebe-premiacao-internacional.shtml, acesso em 04 de abril de 2023.


** Texto publicado originalmente no perfil do autor no Facebook em 04 de abril de 2023. O texto é reproduzido aqui no blog com a autorização de Christian.


*** Professor da área de Ciência Política no IESP/UERJ. Publicou no segundo semestre de 2022 o Populismo Reacionário pela editora Contracorrente em coautoria com o professor Paulo Cassimiro (IESP/UERJ).

domingo, 2 de abril de 2023

É neonazismo, estúpido!

 Por Leonardo Sacramento*

        O assassino que esfaqueou a professora em São Paulo brigou na semana anterior e apanhou dos alunos porque havia chamado um deles de macaco. Algo para ser mais bem elucidado, se a mídia e a polícia permitirem, pois sempre tratam esses ataques como se fossem suicídio. Reina a lógica do silêncio para enfatizar aspectos psicologizantes, deslocando o debate para um mero casuísmo da psiquê.

            Em seu celular, foram encontrados exemplos de invasão e chacina em escolas. A estética de suas vestimentas segue padrão dos ataques anteriores, com referências explícitas.[i] O twitter trouxe, minutos depois, informações valiosas, como a existência de um subgrupo neonazista no qual fazia parte, cujo nome escolhido foi o mesmo do terrorista de Suzano (SP). Ali, foi encorajado e sugestionado a se vingar da sociedade que teria o retirado de seu devido e histórico lugar. Com essa narrativa, grupos neonazistas trabalham com jovens em darkweb, deepweb, mundo gamers e, agora e inclusive, em redes sociais, indicando a existência de uma considerável aceitação social.

            As instituições e principalmente a esquerda não entenderam o que está acontecendo entre os jovens. Desenhemos o processo em 10 fatos geralmente silenciados, os quais, por óbvio, não excluem mais minudências:

            1) Esses ataques têm sugestionamento e direção de grupos neonazistas na web, inclusive em redes sociais abertas. Isso indica que o trabalho realizado por anos a fios em sítios e jogos que ocultavam paradeiros e emissários deu certo;

            2) Os grupos prioritários são jovens brancos empobrecidos que pertenceriam a uma espécie de classe média baixa – há exceções, como o terrorista de Realengo, que matou dez mulheres em um total de doze jovens, quase todos negros.[ii] Esses jovens se transformam em guardiões do Tradicionalismo por terem, segundo narrativa conservadora, perdido espaços em frentes outrora monopolizados em um mundo mais reto e tranquilo. Agora, disputariam de vaga em ensino superior a vaga de trabalho, inclusive a própria representação estética, com negros, indígenas, mulheres e LGBTQIA+;

            3) O ataque ocorrido em Barreiras, na Bahia, por um branco de Brasília, filho de policial (o maior salário de polícias do Brasil), é o caso mais exemplar. Chamava os habitantes de inferiores.[iii] Matou uma cadeirante, também negra. Ele tinha contato com o assassino de Aracruz (ES), que matou quatro mulheres (apenas mulheres);[iv]

            4) O celular do assassino de Saudades (Santa Catarina), aquele que matou bebês e professoras (mulheres), ligou-o a grupos neonazistas do Rio de Janeiro.[v] Talvez tenha sido o caso tratado de forma mais absurda, pois a hipótese inicial foi a de bullying. O que os bebês fizeram ao terrorista é um mistério;[vi]

            5) Os dados desse grupo do Rio de Janeiro ligaram-no ao assassino de Suzano (São Paulo). Logo, é uma rede sem medo de aparecer. Quem faz questão de escondê-la é a polícia, a mídia, os governos, a burguesia e a classe média, inclusive a autoproclamada progressista. Em Monte Mor, a bomba falhou e o terrorista foi preso com machadinha. Em Suzano um tinha arma de fogo, outro machadinha. Outros ataques são a faca. Priorizam arma de fogo, mas quando não conseguem, existe um roteiro com inspiração em certos jogos com facas e machadinhas;

            6) Os grupos neonazistas procuram jovens que já ganham ou ganharão menos que os pais, sem perspectiva de qualquer sorte diferente. Culpam as mulheres por entrarem no mercado de trabalho e não se resumirem ao exercício do papel de mães e esposas, imigrantes (nordestinos no Sul e Sudeste, latinos nos EUA e africanos e árabes na Europa) e negros (entrada no mercado de trabalho e cotas). Esses jovens são, sem exceção, supremacistas, mesmo que não militem formalmente em uma célula neonazista;

            7) No caso das mulheres, defendem, ao lado das Igrejas Neopentecostais, a mulher tradicional e submissa. Entendem que a nova mulher é fruto de uma espécie de confusão sexual da modernidade, cujas sexualidades são atacadas como quebra do Tradicionalismo no qual o homem branco é a ponta da pirâmide. Portanto, defendem um retorno ao que era seguro aos homens brancos. Redpills e incels são expressões e objetos de interesse de grupos neonazistas na deepweb, darkweb, gamers e plataformas e redes sociais, como Youtube, Telegram e Twitter. Basta acompanhar subgrupos e comentários em canais vinculados à direita e ao universo jovem;

            8)  Bullying não provoca os ataques. Quem acha isso, é porque se identifica com os autores, identificando-se socialmente e racialmente – uma espécie de supremacismo velado. Não ocorre o mesmo com os jovens pretos em comunidades ou com as mães que roubam comida;

            9) Essa geração é mais afeita ao neonazismo porque ela é o produto mais bem acabado do neoliberalismo. Fragmentada, é a geração sem trabalho porque o trabalho foi destruído pelo neoliberalismo. A garantia social que possuía para reproduzir o status quo familiar foi junto. Como resposta, essa geração volta-se contra as famigeradas minorias, que estariam ocupando o lugar que tradicionalmente lhe seria cativa. Ou seja, o neoliberalismo destrói a realização da expectativa de reprodução de classe e raça, mas fomenta o sectarismo neonazista para preservar a fragmentação na classe por meio da reafirmação da superioridade racial. Por isso não é possível separar fascismo de neoliberalismo. São siameses.

            10) Por que apenas escolas públicas? Porque os intrusos estão lá. Porque os escolhidos, os brancos empobrecidos de classe média baixa também estão lá, sendo contaminados, como lembrou o assassino de Barreiras (BA). O assassino de Suzano atacou apenas negros. Estamos sob ataque! Trabalhadoras e trabalhadores negros precisam aprender a se defender e reagir preventivamente a grupos neonazistas, de forma organizada e violenta.

            Parece que tanto a institucionalidade quanto a esquerda não entenderam o fenômeno, mais ou menos quando da ascensão do neofascismo nas Igrejas Evangélicas a partir de 2013 – não percamos tempo com a direita. Em essência, não é problema de estrutura escolar (embora não tenha investimento e precise ser feito), bullying e falta de cultura de paz. É fascismo e neonazismo.

            Não há relação de causa e efeito entre estrutura escolar, bullying e ausência de cultura da paz. Não foi mero racismo, em que o pobre jovem branco seria vítima do famigerado “racismo estrutural”, conceito que foi transformado em pó de pirlimpimpim na mídia e grupos voltados a oferta de uma “educação antirracista”. Foi neonazismo, com forte, evidente e explícita atuação de grupos neonazistas. Todos os ataques em escolas nos últimos anos têm assinatura de grupos neonazistas. Se Umberto Eco atentava que "o fascismo eterno ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis", os ataques em escolas públicas mostram que os trajes civis foram abandonados. Os trajes são militares. É preciso “golpear de morte a besta fascista em seu próprio covil”.

                                     

O ataque a escolas por neonazistas,[vii] independentemente da idade, deve ser tipificado como terrorismo. As investigações devem ser federalizadas com a formação de um grupo de combate ao neonazismo, incluindo Polícia Federal e Ministério Público Federal. Deixar para as polícias estaduais, sem compreender a concatenação de todos os ataques, é contribuir para a profusão do neonazismo e naturalizar os ataques coordenados e planejados em escolas.

Quanto aos jovens objetos dos ataques, é prudente se formarem para agir preventivamente, de forma violenta e organizada. Vai ter que ter ação preventiva e reação justa de movimentos populares, sobretudo negros e mulheres (a grandíssima maioria das vítimas é a mulher negra e pobre). Não vai dar para terceirizar tudo para o governo. Ele tem a sua cota, mas sem movimento popular conscientemente violento, como indica Fanon em Os Condenados da Terra, chegará o dia em que naturalizaremos os grupos neonazistas como fizemos com o bolsonarismo.

Fora disto, é só confete.

Assim, é inadmissível a defesa de cursinhos antirracistas para neonazista (sic!) porque seria vítima do discurso de ódio. A questão é: materialmente, por que o discurso neonazista tem aderência a esses jovens brancos pertencentes a uma espécie de classe média empobrecida? A resposta é desconfortante a quem acredita que os problemas brasileiros poderão ser resolvidos com diálogo. O ponto é com os jovens objetos desses grupos, para reconhecerem e se defenderem preventivamente. Perguntar abstratamente o que aconteceu a esses jovens neonazistas e relacioná-los a meras vítimas do “discurso do ódio” é inverter quem é a vítima. O padrão é ataque a escolas públicas para matar negros, cadeirantes, mulheres e pobres. Matar professoras é outra constante de todos os ataques. Eis o busílis.


*Leonardo Sacramento é pedagogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Autor do livro A Universidade mercantil: um estudo sobre a Universidade pública e o capital privado (Appris). 


[i] Em seguida ao assassinato, o terrorista publicou carta aos familiares, com evidente objetivo vitimizante. Disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/03/29/autor-de-ataque-a-escola-ameacou-adolescente-por-mensagem.htm. Desconhece-se casos de assassinatos em que o assassino se autopsicologiza logo em seguida, salvo para intenções penais, o que demonstra um planejamento que englobou, inclusive, uma justificativa para a sociedade com um discurso pronto, notadamente para grupos sociais no qual esse discurso psicologizante tem forte apelo.

[vi] Para uma análise da vinculação entre o ataque à creche e o neonazismo, ver https://aterraeredonda.com.br/as-motivacoes-do-ataque/.

[vii] Agradeço a leitura, crítica e a proposição da inclusão de fotos ao Prof. Jefferson Nascimento (IFSP).