Por Leonardo Sacramento*
O assassino
que esfaqueou a professora em São Paulo brigou na semana anterior e apanhou dos
alunos porque havia chamado um deles de macaco. Algo para ser mais bem
elucidado, se a mídia e a polícia permitirem, pois sempre tratam esses ataques
como se fossem suicídio. Reina a lógica do silêncio
para enfatizar aspectos psicologizantes, deslocando o debate para um mero
casuísmo da psiquê.
Em
seu celular, foram encontrados exemplos de invasão e chacina em escolas. A
estética de suas vestimentas segue padrão dos ataques anteriores, com
referências explícitas.[i] O
twitter trouxe, minutos depois, informações valiosas, como a existência de um
subgrupo neonazista no qual fazia parte, cujo nome escolhido foi o mesmo do
terrorista de Suzano (SP). Ali, foi encorajado e sugestionado a se vingar da
sociedade que teria o retirado de seu devido e histórico lugar. Com essa
narrativa, grupos neonazistas trabalham com jovens em darkweb, deepweb, mundo
gamers e, agora e inclusive, em redes sociais, indicando a existência de uma
considerável aceitação social.
As instituições e principalmente a
esquerda não entenderam o que está acontecendo entre os jovens. Desenhemos o
processo em 10 fatos geralmente silenciados, os quais, por óbvio, não excluem
mais minudências:
1) Esses ataques têm sugestionamento
e direçãogrupos neonazistas na web,
inclusive em redes sociais abertas. Isso indica que o trabalho realizado por
anos a fios em sítios e jogos que ocultavam paradeiros e emissários deu certo;
2) Os grupos prioritários são jovens
brancos empobrecidos que pertenceriam a uma espécie de classe média baixa – há
exceções, como o terrorista de Realengo, que matou dez mulheres em um total de
doze jovens, quase todos negros.[ii]
Esses jovens se transformam em guardiões do Tradicionalismo por terem, segundo
narrativa conservadora, perdido espaços em frentes outrora monopolizados em um
mundo mais reto e tranquilo. Agora, disputariam de vaga em ensino superior a vaga
de trabalho, inclusive a própria representação estética, com negros, indígenas,
mulheres e LGBTQIA+;
3) O ataque ocorrido em Barreiras,
na Bahia, por um branco de Brasília, filho de policial (o maior salário de
polícias do Brasil), é o caso mais exemplar. Chamava os habitantes de inferiores.[iii] Matou
uma cadeirante, também negra. Ele tinha contato com o assassino de Aracruz
(ES), que matou quatro mulheres (apenas mulheres);[iv]
4) O celular do assassino de
Saudades (Santa Catarina), aquele que matou bebês e professoras (mulheres),
ligou-o a grupos neonazistas do Rio de Janeiro.[v]
Talvez tenha sido o caso tratado de forma mais absurda, pois a hipótese inicial
foi a de bullying. O que os bebês fizeram ao terrorista é um mistério;[vi]
5) Os dados desse grupo do Rio de
Janeiro ligaram-no ao assassino de Suzano (São Paulo). Logo, é uma rede sem
medo de aparecer. Quem faz questão de escondê-la é a polícia, a mídia, os
governos, a burguesia e a classe média, inclusive a autoproclamada progressista.
Em Monte Mor, a bomba falhou e o terrorista foi
preso com machadinha. Em Suzano um tinha arma de fogo, outro machadinha. Outros
ataques são a faca. Priorizam arma de fogo, mas quando não conseguem, existe um
roteiro com inspiração em certos jogos com facas e machadinhas;
6) Os grupos neonazistas procuram
jovens que já ganham ou ganharão menos que os pais, sem perspectiva de qualquer
sorte diferente. Culpam as mulheres por entrarem no mercado de trabalho e não
se resumirem ao exercício do papel de mães e esposas, imigrantes (nordestinos no
Sul e Sudeste, latinos nos EUA e africanos e árabes na Europa) e negros
(entrada no mercado de trabalho e cotas). Esses jovens são, sem exceção,
supremacistas, mesmo que não militem formalmente em uma célula neonazista;
7) No caso das mulheres, defendem,
ao lado das Igrejas Neopentecostais, a mulher tradicional e submissa. Entendem
que a nova mulher é fruto de uma espécie de confusão sexual da modernidade,
cujas sexualidades são atacadas como quebra do Tradicionalismo no qual o homem
branco é a ponta da pirâmide. Portanto, defendem um retorno ao que era seguro
aos homens brancos. Redpills e incels são expressões e objetos de interesse de
grupos neonazistas na deepweb, darkweb, gamers e plataformas e redes sociais,
como Youtube, Telegram e Twitter. Basta acompanhar subgrupos e comentários em
canais vinculados à direita e ao universo jovem;
8)
Bullying não provoca os ataques. Quem acha isso, é porque se identifica
com os autores, identificando-se socialmente e racialmente – uma espécie de
supremacismo velado. Não ocorre o mesmo com os jovens pretos em comunidades ou com
as mães que roubam comida;
9) Essa geração é mais afeita ao
neonazismo porque ela é o produto mais bem acabado do neoliberalismo. Fragmentada,
é a geração sem trabalho porque o trabalho foi destruído pelo neoliberalismo. A
garantia social que possuía para reproduzir o status quo familiar foi junto.
Como resposta, essa geração volta-se contra as famigeradas minorias, que
estariam ocupando o lugar que tradicionalmente lhe seria cativa. Ou seja, o
neoliberalismo destrói a realização da expectativa de reprodução de classe e
raça, mas fomenta o sectarismo neonazista para preservar a fragmentação na
classe por meio da reafirmação da superioridade racial. Por isso não é
possível separar fascismo de neoliberalismo. São siameses.
10) Por que apenas escolas públicas?
Porque os intrusos estão lá. Porque os escolhidos, os brancos empobrecidos de
classe média baixa também estão lá, sendo contaminados, como lembrou o
assassino de Barreiras (BA). O assassino de Suzano atacou apenas negros.
Estamos sob ataque! Trabalhadoras e trabalhadores negros precisam aprender a se
defender e reagir preventivamente a grupos neonazistas, de forma organizada e
violenta.
Parece que tanto a
institucionalidade quanto a esquerda não entenderam o fenômeno, mais ou menos quando
da ascensão do neofascismo nas Igrejas Evangélicas a partir de 2013 – não
percamos tempo com a direita. Em essência, não é problema de estrutura escolar
(embora não tenha investimento e precise ser feito), bullying e falta de
cultura de paz. É fascismo e neonazismo.
Não há relação de causa e efeito
entre estrutura escolar, bullying e ausência de cultura da paz. Não foi mero
racismo, em que o pobre jovem branco seria vítima do famigerado “racismo
estrutural”, conceito que foi transformado em pó de pirlimpimpim na mídia e
grupos voltados a oferta de uma “educação antirracista”. Foi neonazismo, com
forte, evidente e explícita atuação de grupos neonazistas. Todos os ataques em
escolas nos últimos anos têm assinatura de grupos neonazistas. Se Umberto Eco
atentava que "o fascismo eterno ainda está ao nosso redor, às vezes em
trajes civis", os ataques em escolas públicas mostram que os trajes civis
foram abandonados. Os trajes são militares. É preciso “golpear de morte a besta
fascista em seu próprio covil”.
O ataque a escolas por neonazistas,[vii]
independentemente da idade, deve ser tipificado como terrorismo. As
investigações devem ser federalizadas com a formação de um grupo de combate ao
neonazismo, incluindo Polícia Federal e Ministério Público Federal. Deixar para
as polícias estaduais, sem compreender a concatenação de todos os ataques, é
contribuir para a profusão do neonazismo e naturalizar os ataques coordenados e
planejados em escolas.
Quanto aos jovens objetos dos ataques, é
prudente se formarem para agir preventivamente, de forma violenta e organizada.
Vai ter que ter ação preventiva e reação justa de movimentos populares,
sobretudo negros e mulheres (a grandíssima maioria das vítimas é a mulher negra
e pobre). Não vai dar para terceirizar tudo para o governo. Ele tem a sua cota,
mas sem movimento popular conscientemente violento, como indica Fanon em Os
Condenados da Terra, chegará o dia em que naturalizaremos os grupos
neonazistas como fizemos com o bolsonarismo.
Fora disto, é só confete.
Assim, é inadmissível a defesa de cursinhos
antirracistas para neonazista (sic!) porque seria vítima do discurso de ódio. A
questão é: materialmente, por que o discurso neonazista tem aderência a esses
jovens brancos pertencentes a uma espécie de classe média empobrecida? A
resposta é desconfortante a quem acredita que os problemas brasileiros poderão
ser resolvidos com diálogo. O ponto é com os jovens objetos desses grupos, para
reconhecerem e se defenderem preventivamente. Perguntar
abstratamente o que aconteceu a esses jovens neonazistas e relacioná-los a meras
vítimas do “discurso do ódio” é inverter quem é a vítima. O padrão é ataque a
escolas públicas para matar negros, cadeirantes, mulheres e pobres. Matar
professoras é outra constante de todos os ataques. Eis o busílis.
*Leonardo Sacramento é
pedagogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.
Autor do livro A
Universidade mercantil: um estudo sobre a Universidade pública e o capital
privado (Appris).
[vii] Agradeço a leitura, crítica e a proposição da
inclusão de fotos ao Prof. Jefferson Nascimento (IFSP).