Como última parte do diálogo com Paul Spicker sobre Paulo Freire e sua popularidade no Google Scholar, apresento neste post a tradução livre para o português que elaborei dos comentários originalmente publicados aqui em língua inglesa. Como se trata de uma primeira versão, podem ocorrer correções que eu mesmo identificarei ou que serão sugeridas pelos(as) leitores(as). Boa leitura!
As pessoas que estudam Políticas
Sociais podem esperar encontrar uma grande quantidade de trabalhos em Ciências
Sociais. Todavia, em virtude dos pesquisadores virem para o campo de diferentes
disciplinas, o escopo inclui uma seleção bastante eclética de material proveniente
da sociologia, economia, ciência política e outros campos de conhecimento. Meu
website pessoal (www.spicker.uk) oferta uma introdução às Políticas
Sociais e, como parte do meu trabalho, sugiro por lá leituras e aponto para as fontes
bibliográficas. Em virtude disto, eu estava interessado em descobrir quais
trabalhos eram os mais freqüentemente citados em Políticas Sociais e, então,
apliquei um teste simples: qual o quantitativo de citações seriam encontradas no Google
Scholar?
Este é um indicador um tanto tosco e há algumas precauções óbvias
ao se fazer uso do mesmo. A primeira é que os trabalhos “internacionais” serão
citados em maior profusão do que textos importantes de alcance nacional – o relatório
Beveridge, o qual legitimamente pode ser visto como a inspiração para diversos
Estados de Bem Estar Social, não é tão freqüentemente citado ao ponto de ser
incluído na lista. Em segundo lugar, a contagem é tendenciosa em favor dos
países dotados das maiores indústrias acadêmicas – o material publicado nos EUA
obtém maior atenção do que os textos publicizados na Europa. Por fim, textos
que atraem as pessoas em disciplinas mais largamente difundidas tendem a ser sempre
mais citados do que a produção de campos mais especializados: há mais pessoas
estudando sociologia do que administração pública por exemplo.
No topo da lista, com mais de 51.000
citações acadêmicas, encontra-se o livro de Paulo Freire, A pedagogia do oprimido. O livro de Freire é internacional em
termos de alcance, sendo lido principalmente por traduções. É largamente citado
na educação e no trabalho comunitário. Isto posto, sua proeminência e
popularidade continuam impressionantes – seu alcance e influência deixam os
outros trabalhos comendo poeira. Já ouvi referências ao trabalho vindas de
trabalhadores comunitários, educadores e funcionários de autarquias locais na
Escócia e na Inglaterra. Em suma, o livro é parte da paisagem intelectual – um trabalho
clássico onde se espera que as pessoas tenham que se ver com ele em um dado
momento.
A obra Pedagogia do Oprimido
combina teoria e prática, e esta combinação é central para os estudos em
Políticas Sociais. Ele é aberto ao desafio em ambos aspectos (teoria e prática)[1].
Enquanto teoria, a argumentação de Freire sobre opressão e liberdade por vezes
o leva a subestimar a evidente, porém implícita, ênfase na solidariedade e na
ação coletiva. Realmente não é suficiente dizer para as pessoas que elas se
libertarão simplesmente se elas rejeitarem a opressão: “A Pedagogia do oprimido... faz da opressão e
suas causas objeto de reflexão do oprimido e, a partir desta reflexão, torna
necessário seu engajamento na luta por sua libertação”[2].
Enquanto prática, Freire parece por
vezes mais preocupado com o ambiente político do que com a obtenção de
resultados. A minha própria formação é em direitos de Bem Estar e, por vezes, eu
fico desesperado com meus colegas que estão mais preocupados com o alargamento
das experiências de aprendizagem dos pobres do que em fazer algo com a sua
pobreza propriamente dita. Nos Estados Unidos, o trabalho comunitário – tal como
implementado pelos ex-agentes comunitários Barack Obama ou Hillary Clinton – é mais
afeito a se utilizar da obra maliciosamente pragmática de Saul Alinsky do que das
posições abertas por Freire.
Eu prefiro pensar que o mundo se transformou desde Freire. Pelo mundo as técnicas
que costumavam ter um uso extra-cotidiano tornaram-se parte da rotina da
governança democrática. Organizações internacionais são profundamente engajadas
em empoderar a deliberação coletiva e a
capacidade de desenvolvimento das comunidades. Porém, precisamente por conta
destas abordagens serem agora tão difundidas, o trabalho que as apresentou é
mais citado do que nunca.
[1]
Inserção minha. Os parênteses não constam na versão original dos comentários de
Spicker.
[2]
Spicker não explicitou em seu comentário de onde foi retirada esta citação.
Talvez em uma segunda versão desta tradução eu consiga do próprio autor a
referência... Por ora esta lacuna não impede a compreensão geral do comentário
elaborado por ele.
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