31
de agosto de 2016: o dia que não terminou*
George
Gomes Coutinho **
Há datações que se tornam
paradigmáticas na história humana. Elas não indicam que há um congelamento da
dinâmica da sociedade, algo que qualquer observador poderia atestar sem
dificuldade. Contudo, determinadas datas adquirem grande relevância por
redundarem em grandes conseqüências nas relações, pactos e interpretações que
um Estado-Nação, constituído por seus agentes, constrói sobre si. Neste
raciocínio, o jornalista e escritor Zuenir Ventura, por exemplo, elegeu 1968
como marco para ilustrar um destes momentos fortemente simbólicos e
paradigmáticos em uma de suas obras. O livro de Ventura, lançado em 1988,
trazia o subtítulo “o ano que não terminou” que tomei de empréstimo para esta
reflexão. A sensação de algo inacabado,
uma gestalt histórica aberta, paira igualmente sobre o 31 de agosto de 2016.
Ao término da votação no Senado
Federal do processo que culminou no impedimento de Dilma Roussef, é pouco
provável que observadores mais atentos tenham acreditado que qualquer coisa
tenha efetivamente se encerrado. Mesmo para os entusiastas de curtíssimo prazo
cabe traçar como alerta um paralelo didático com processo análogo sofrido por
Fernando Collor em 1992. O movimento Fora Collor, que contou com ampla adesão
de diversos setores da sociedade e angariou o apoio de grupos de quase todo
espectro político, foi bem sucedido inclusive pela ampla faixa de consenso
obtido. O processo Collor visto em retrospectiva se mostrou eivado de falhas
legais e de manobras políticas nos bastidores que fariam corar até o mais
cínico observador da política contemporânea.
Todavia, havia o forte consenso.
No caso Dilma, as controvérsias surgiram
em tempo real, não necessitando sequer do olhar retrospectivo. Primeiramente, o
forte consenso na própria sociedade não foi construído. Ou seja, o
questionamento ruidoso prosseguiu durante o desenrolar dos acontecimentos e
prosseguirá como um eco a ressoar nos próximos tempos até pela quantidade de
contradições que cercaram o processo. O dissenso envolveu pelejas discursivas
nas searas do sistema político, do sistema jurídico, na área econômica e até
mesmo, pasmem, no rol dos debates morais. 31 de agosto de 2016 não findou na
última quarta-feira. Apenas iniciou uma nova e imprevisível fase.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 03 de setembro de 2016
** Professor
de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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