Judicialização e crise
institucional*
George
Gomes Coutinho **
Nesta semana a imprensa decidiu
massificar os termos “crise institucional”. A motivação foi a liminar que objetivou
provocar o afastamento de Renan Calheiros (PMDB/AL) da presidência do Senado
Federal a partir da decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello do STF.
O que me causa espécie é que só
agora, com este fato, a imprensa fale em uma crise institucional. Na verdade, o
imbróglio do momento entre legislativo e judiciário é mais um acontecimento
grave dentre outros no Brasil já há
algum tempo. O último evento não é pouca coisa. Contudo, não foi a primeira
ocorrência e nem será a derradeira a nos arrepiar.
A reverberação objetiva da
decisão de Marco Aurélio Mello é a da interferência de um poder formal e
constituído sobre outro. A separação entre poderes não é mero adorno teórico
proposto pela filosofia política. Em
última instância, mantém o objetivo prático de evitar que os poderes
canibalizem uns aos outros. Nesta tese, a não interferência de um sobre o outro
permite o que seria o horizonte mais eficiente de atuação dos agentes: a
fiscalização das ações do vizinho. Ainda, é a separação formal e prática entre
poderes que permite no processo de tomada de decisões os legítimos checks and
balances, os pesos e contrapesos, onde um poder pode até reconsiderar tomadas
de posição ocorridas no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas, é vedada a
interferência direta nos ritos e no funcionamento cotidiano de X sobre Y.
A crise institucional em que
vivemos deriva também de uma profunda e lenta judicialização da sociedade
brasileira que não foi criada agora. No Brasil pós-Constituição de 1988 houve
considerável empoderamento do judiciário como agente político que não é
submetido ao controle democrático, sendo este agente o mediador preferencial das
relações sociais em uma série de escalas. Sem dúvida há avanços civilizatórios
inegáveis produzidos pelo judiciário. Contudo, da forma como estamos
caminhando, tanto poder colocado no colo de juízes ou promotores sem controle
social produzirá mais danos do que benefícios ao Estado Democrático de Direito.
Não precisamos de um Leviatã jurídico nesta altura do campeonato. Precisamos,
em verdade, é do restabelecimento das relações entre sociedade civil e o
sistema político.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 10 de dezembro de 2016
** Professor
de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos
Goytacazes
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