Nassar versus Freire *
George
Gomes Coutinho **
No último dia 17 de fevereiro
ocorreu uma cena que funciona como uma síntese incômoda do momento político brasileiro
contemporâneo. A ocasião era a entrega do Prêmio Camões. Antes de prosseguir
irei resumir algo sobre a premiação.
O Prêmio Camões, instituído em
1988, é um prêmio atribuído a autores que contribuíram de forma absolutamente
relevante para o enriquecimento do patrimônio cultural e literário da língua
portuguesa. Portanto, dele concorrem
escritores dos três continentes onde a língua portuguesa é praticada: África,
Europa e América. Dentre os seus ganhadores figuram os incontestáveis Mia
Couto, José Saramago e Jorge Amado. Ainda o prêmio, para se tornar viável,
conta com contribuições financeiras de Brasil e Portugal e é considerada a
premiação literária mais importante da língua portuguesa. Contudo, notem que se
trata de uma contribuição do Estado português e brasileiro. Porém, é uma
premiação não estatal, dado que na prática o júri, composto por 2 brasileiros e
2 portugueses, deve se guiar pela independência e, como não poderia deixar de
ser, pelo juízo acerca do impacto simbólico e estético de uma determinada obra
em seu conjunto. Por esta razão encontramos autores que trafegam em diferentes
pontos do espectro político dentre os laureados.
Raduan Nassar, paulista de
Pindorama, autor de “Lavoura Arcaica” e “Um copo de cólera”, foi indicado em
maio de 2016 pelo júri do Prêmio Camões. Nassar situa-se no campo progressista
e coerente com seu posicionamento político utilizou a solenidade para expressar
seu desconforto com o governo brasileiro. Em sociedades democráticas trata-se
de algo comum e em premiações deste quilate ocorrem manifestações deste teor ao
redor do mundo. Porém, Roberto Freire, o ex-comunista e titular do Ministério
da Cultura não pensa assim. Sua resposta, tal como em uma discussão de boteco,
foi truculenta, ameaçadora e grosseira: uma defesa acrítica e irresponsável do
governo que partilha. Não sendo suficiente, atacou de forma descortês o
homenageado frente a um público transnacional. Se o Governo Temer fosse sério Freire
seria defenestrado da pasta da cultura no dia seguinte pelo seu comportamento
digno de um “cão de guerra”. E não foi.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 25 de fevereiro de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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