domingo, 26 de março de 2017

A precarização legalizada

A precarização legalizada *

George Gomes Coutinho **

Durante a década de 1990 o então presidente Fernando Henrique Cardoso teria dito que o Brasil não gosta do capitalismo. Penso que o juízo é dotado de um erro simplificador grosseiro e não soa muito mais do que uma frase inócua de efeito. Primeiramente, o capitalismo não obedece funcionamento idêntico em todos os pontos do globo terrestre. Em segundo lugar, há versões mais ou menos selvagens da lógica de mercado. Por fim, usualmente as críticas mais consensuais entre críticos brasileiros ao nosso formato de capitalismo se dão pelo reconhecimento da barbárie das relações entre capital e trabalho por aqui.

Nesta toada na última quarta-feira foi aprovada a “lei das terceirizações”. Em um cenário de votação tumultuado, onde até mesmo parte dos congressistas não tinha clareza sobre o que estavam votando, um projeto de lei apresentado outrora pelo onipresente FHC ressuscitou e se tornou para o Governo Michel Temer mais uma vitória na Câmara dos Deputados. Vitória que em última instância representa mais uma das muitas derrotas em curso contra a maioria da população brasileira. É o ápice do capitalismo inconseqüente defendido por FHC.

Não sou sociólogo do trabalho. Esta é uma especialidade, um subcampo da sociologia. Todavia, isto não me impede de enxergar na “lei das terceirizações” perversidades gritantes. Uma delas é a inovação da “terceirização plena, geral e irrestrita”. Ou seja, se a terceirização na prática contemplava atividades meio, agora por lei pode-se terceirizar as “atividades fim”. Isso deriva na possibilidade de uma gama de contratos de trabalho e salários diversa em uma mesma instituição ou empresa, pública ou privada, em rigorosamente todos os seus setores. Podemos por aqui vislumbrar as dificuldades da mobilização da ação coletiva dos trabalhadores onde nem mesmo a identidade jurídica é igualmente compartilhada. Inclusive sequer há a regulação da atividade sindical de forma clara em um cenário como esses.

Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, alega que a aprovação da legalização da precarização das relações de trabalho funciona para enfrentar os altos índices de desemprego. Na verdade a medida aumentará o subemprego e sem salvaguardas.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 25 de março de 2017 


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 19 de março de 2017

Democracia no capitalismo

Democracia no capitalismo *

George Gomes Coutinho **

Há um conjunto de fatos que, malgrado suas particularidades, se repetem com destaque no noticiário político nas últimas décadas e que chamam a atenção da opinião pública. Estes fatos políticos ganham maior ou menor destaque dependendo da constelação de interesses envolvidos, vide neste momento a segunda lista encaminhada ao STF por Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Pode reverberar em alarde ou o tom é de minimização diante do que foi apresentado. Até mesmo a amnésia não pode ser descartada. Voltando no tempo houve uma primeira lista de Janot. Ainda, um pouco antes, ocorreu a deflagração da operação Lava-Jato. Retrocedendo os ponteiros do relógio ainda mais a atenção era voltada para o Mensalão, o escândalo do metrô de São Paulo, o caso da Pasta Rosa, etc.. Até militares receberam propina em 1964. A listagem recua historicamente ao infinito. Contudo, todos os fatos mantêm em comum a conexão entre interesses políticos e empresariais.

Há duas perspectivas possíveis sobre cada um desses casos complexos. Irei me utilizar de uma metáfora bastante simples: a relação entre uma árvore e sua floresta. Cidadãos, mídia e analistas quando destacam cada caso isoladamente, com ares de perplexidade autêntica ou não, miram em uma árvore. Mas, se esquecem da floresta, da totalidade, do bioma que torna possível aquela espécie de árvore estar ali e não em outro lugar. Irei partir desta totalidade.

A democracia no capitalismo convive com um insuperável paradoxo. Há a chamada igualdade formal, pautada nos direitos civis liberais onde “todos são iguais perante a lei” como brada o slogan. Todavia, a igualdade formal convive conflituosamente com a desigualdade substantiva. Por desigualdade substantiva deve-se compreender que o capitalismo enquanto sociedade convive, pratica e interpreta de forma naturalizada a distribuição desigual de recursos. 

Não causa espanto, portanto, que existam supercidadãos: aqueles, dotados de poder econômico, simbólico ou institucional. Estes supercidadãos contam com o aparato do Estado para lograr êxito em seus projetos de classe e/ou categoria. Portanto, é desejo vão imaginar a supressão de privilégios de acesso ao poder, ainda mais o econômico. Ou é ingenuidade. Ou é demagogia.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 18 de março de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 12 de março de 2017

Diniz e seu entorno

Diniz e seu entorno *

George Gomes Coutinho **

Passaram-se pouco mais de dois meses do início efetivo do governo de Rafael Diniz na Prefeitura de Campos dos Goytacazes. Não seria justo ousar qualquer avaliação com pretensões definitivas diante de um lapso temporal tão curto. Afinal, mantendo as condições de temperatura e pressão, o governo está apenas em seu início.

Contudo, irei arriscar uma questão bastante incômoda.  A despeito das motivações que movem o eleitorado no processo eleitoral, em muitos casos vejo certa hipertrofia de expectativas quanto ao rito em si. Eleições periódicas, o grande rito de seleção de governantes da democracia representativa, nem sempre redundam na reinvenção das bases estruturais de uma dada sociedade a despeito da escala. Na verdade, em muitos casos as mudanças quando ocorrem se dão de maneira paulatina e até mesmo em direção contrária do que a própria sociedade está habituada a ser, viver, praticar e pensar. Por isso, suponho, as tentações autoritárias dos golpes de Estado se apresentem com tanta freqüência. E mesmo golpes de Estado ou até revoluções não produziram no século XX a reinvenção da “sintonia fina”, sutil, quase inconsciente, das sociedades que experimentaram estas soluções.

Advirto que não estou abdicando das possibilidades da política. Apenas estou apontando limites da relação entre o sistema político e a sociedade em si.

Prosseguindo, para pensarmos as dificuldades do governo Diniz, sugiro olhar para o seu entorno, ou seja, a própria sociedade local. Esta detém uma gramática profunda a qual já fiz menção neste espaço em outra ocasião: o clientelismo. Oras, decerto Garotinho e herdeiros utilizaram desta gramática de forma hábil. Contudo, utilizar-se do clientelismo não quer dizer que os usuários o inventaram. Da mesma maneira, para além da classe política, diversos grupos e indivíduos desta mesma sociedade se beneficiaram. Campos mantém uma histórica ineficiência na redistribuição de recursos materiais e simbólicos o que faz do clientelismo um sintoma de sua abissal desigualdade estrutural. Por essa razão, para além de questões estritamente institucionais, afirmo que o maior desafio de Diniz é a sociedade que o elegeu.  

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 11 de março de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 11 de março de 2017

The DayTrippers - 25 de março no Lord Pub em Campos, RJ

Nós da Daytrippers convidamos para mais uma apresentação no Lord Pub de Campos dos Goytacazes, RJ, no próximo dia 25, 11:30 da noite.

A banda, ou bando se preferirem, tem Emil Mansur nas baquetas, Sérgio Máximo Jr. no contrabaixo e voz, Bruno Cartaxo nas mirabolantes guitarras solo e este escriba na guitarra base e voz.

Será mais uma noite de rock´n´roll onde serão apresentadas versões "nitro" das canções dos Beatles no pub mais tradicional da região norte fluminense.

Esperamos todos(as) por lá.






domingo, 5 de março de 2017

Urge um novo consenso

Urge um novo consenso *

George Gomes Coutinho **

É preciso olhar a conjuntura com certa frieza e racionalidade. O Brasil anda flertando de forma tão perigosa com o abismo que corre o risco de tornar-se o próprio. Observemos um conjunto de elementos no âmbito do sistema internacional e no cenário doméstico. Comecemos atentando para o que está nos arredores.

Ian Bremmer, CEO da Eurasia Group, empresa de consultoria política que anda fazendo sucesso entre investidores do mercado financeiro, defende que chegamos num ponto de transição geopolítico. Bremmer acredita que alcançamos o fim do que os analistas chamam de pax americana após a chegada de Donald Trump na Casa Branca. Pax americana, termo que não consigo ler sem sentir algum desconforto, afinal o predomínio norte-americano no sistema jamais foi pacífico, expressa a ordem mundial pós-1945 onde um status quo de liberação comercial e integração mercadocêntrica foi construído paulatinamente. O protecionismo pregado por Trump seria a razão da fratura da pax americana. Mais detalhes desta interpretação podem ser conhecidos no documento “Top Risks 2017: The geopolitical recession”, disponível no próprio site da Eurasia Group.

Na esfera doméstica irei enumerar só algumas variáveis: 1) a dilapidação do que seria o esboço do Estado Providência nacional com a destruição de direitos sociais jamais implantados plenamente pós Constituição de 1988; 2) A implantação de medidas recessivas duríssimas que alijam o Estado como agente econômico; 3) A falência das políticas de segurança que redundaram como resultado prático na morte de 142 presos custodiados pelo Estado nos primeiros 15 dias do ano; 4) As taxas de juros mais altas dentre as grandes economias do mundo e o endividamento estratosférico, tanto para pessoa jurídica quanto para pessoa física, em um patamar insustentável; 5) Seis, isso mesmo, seis empresários brasileiros tem a mesma renda que mais ou menos 100 milhões de habitantes no Brasil;  6) O chamado “desemprego ampliado” no Brasil atinge 21,2% da população economicamente ativa.

Urge um novo consenso ou o Brasil perderá a primeira metade do século XXI em definitivo.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 04 de março de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes