A precarização
legalizada *
George
Gomes Coutinho **
Durante a década de 1990 o então
presidente Fernando Henrique Cardoso teria dito que o Brasil não gosta do
capitalismo. Penso que o juízo é dotado de um erro simplificador grosseiro e
não soa muito mais do que uma frase inócua de efeito. Primeiramente, o
capitalismo não obedece funcionamento idêntico em todos os pontos do globo
terrestre. Em segundo lugar, há versões mais ou menos selvagens da lógica de
mercado. Por fim, usualmente as críticas mais consensuais entre críticos
brasileiros ao nosso formato de capitalismo se dão pelo reconhecimento da
barbárie das relações entre capital e trabalho por aqui.
Nesta toada na última
quarta-feira foi aprovada a “lei das terceirizações”. Em um cenário de votação
tumultuado, onde até mesmo parte dos congressistas não tinha clareza sobre o
que estavam votando, um projeto de lei apresentado outrora pelo onipresente FHC
ressuscitou e se tornou para o Governo Michel Temer mais uma vitória na Câmara dos
Deputados. Vitória que em última instância representa mais uma das muitas
derrotas em curso contra a maioria da população brasileira. É o ápice do
capitalismo inconseqüente defendido por FHC.
Não sou sociólogo do trabalho.
Esta é uma especialidade, um subcampo da sociologia. Todavia, isto não me
impede de enxergar na “lei das terceirizações” perversidades gritantes. Uma
delas é a inovação da “terceirização plena, geral e irrestrita”. Ou seja, se a
terceirização na prática contemplava atividades meio, agora por lei pode-se
terceirizar as “atividades fim”. Isso deriva na possibilidade de uma gama de
contratos de trabalho e salários diversa em uma mesma instituição ou empresa,
pública ou privada, em rigorosamente todos os seus setores. Podemos por aqui
vislumbrar as dificuldades da mobilização da ação coletiva dos trabalhadores
onde nem mesmo a identidade jurídica é igualmente compartilhada. Inclusive
sequer há a regulação da atividade sindical de forma clara em um cenário como
esses.
Rodrigo Maia, atual presidente da
Câmara, alega que a aprovação da legalização da precarização das relações de
trabalho funciona para enfrentar os altos índices de desemprego. Na verdade a
medida aumentará o subemprego e sem salvaguardas.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 25 de março de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes