George
Gomes Coutinho **
O marco de 100 dias de governo é
dotado de relevância simbólica. Contudo, justamente pelo mandato ser de 04
anos, ou 1460 dias aproximadamente, qualquer pretensão de análise definitiva é
simplesmente um exercício de arrogância analítica. Nada mais do que isso.
Feita esta advertência, em 100
dias do governo Diniz irei me propor a discutir de maneira quase ensaística a
partir de dois elementos: 1) a carta de intenções do Governo, o documento base
do “Programa de Governo” que funcionou como diretriz para as promessas de
campanha da então chapa em disputa; 2) o ainda modesto conjunto de ações
concretas adotadas, o que inclui a composição do staff e medidas efetivas.
O documento “Programa de Governo”,
composto de 26 páginas na versão que tive acesso, é audacioso. O mesmo é dividido
em 15 áreas temáticas, onde há um breve diagnóstico sobre cada uma delas, o que
inclui educação, saúde e cultura por exemplo. Destes diagnósticos apresentam-se
propostas de medidas específicas para cada área temática em particular.
Contudo, nota-se no documento que quase não aparecem dados concretos que possam
conferir maior solidez aos diagnósticos em praticamente nenhuma das áreas
temáticas destacadas pelo documento. Decerto não é pecado mortal. Falamos de um
texto base. Mas, dada a fartura de dados disponíveis de diversas agências e
órgãos, trabalhar sem dados na formulação e implementação de políticas públicas
seria arriscado e voluntarista, algo que não vislumbro acontecer nestes 100
dias de governo “pra valer”. Igualmente torço para que não ocorra nos próximos
anos, para o bem da própria cidade.
Para além das 15 áreas temáticas
citadas no “Programa”, noto que há uma grande meta da então chapa Rafael Diniz/
Conceição Santana a enfeixar todas elas: nada menos que implementar um “novo
modo de governar”, o que não é pouca coisa se pensarmos na prolongada forma de
gerir a máquina pública desde Anthony Garotinho e continuadores. Como práticas
centrais o documento defende medidas de ampliação da transparência,
responsabilização dos gestores da máquina pública municipal e a ampliação da
participação social.
No âmbito “participação social” o
Programa reconhece, de maneira acertada, a importância estratégica dos
Conselhos Municipais como instâncias deliberativas fundamentais se o objetivo é
ter uma gestão efetivamente participativa. Também defende o Orçamento
Participativo como prática a ser efetivamente adotada no município, o que pode
redundar, em essência, no necessário aprendizado do “empoderamento” das
populações onde esta forma de governar é implementada. Em outro campo,
especialmente o da Educação, o documento defende as eleições diretas para a
direção das escolas municipais. Esta medida, em minha perspectiva, não deve ser
considerada “menor” ante um Programa de Governo que tem a ambição de ser
participativo. Afinal, aprendizados democráticos precisam acontecer em todas as
escalas para se tornarem consolidadas.
Portanto, para além do discurso
“moralizante” que angariou a adesão do eleitorado, algo que ocorreu não somente
em Campos mas em muitas das grandes cidades brasileiras, o Governo Diniz
apresentou uma carta de intenções ambiciosa e com tonalidades progressistas. Todavia,
nestes 100 dias o real e o imaginado, como quase sempre ocorre, entraram em
conflito. Não se trata de um conflito fatal para um Governo em fase inicial que
ainda carece de consolidação. Contudo, acende pelo menos um alerta amarelo para
todos e todas que reconhecem os desafios históricos de uma cidade como Campos
dos Goytacazes.
Diante do exposto, cabe
observarmos a estrutura deixada como legado por Rosinha Garotinho. Não tenho
dados neste tocante, apenas ouço apontamentos generalistas que indicariam um
orçamento combalido e problemas administrativos severos. Nesta direção
inclusive o prefeito veio a público apresentar esta dificuldade inicial que
sugere semanas de “arrumação de casa” como diria o jargão. Também compreendi
que está sendo feito um levantamento meticuloso da situação financeira e
administrativa do poder municipal. Mas, já há algum detalhamento substantivo
dos possíveis problemas e prejuízos? Serão apresentados ao público? De que
maneira? Todas estas perguntas ajudariam a dissipar certa opacidade inicial nestes
100 dias que incomodam parcela da população neste momento. Cabe lembrarmos que
o atual governo foi o vencedor da disputa eleitoral em primeiro turno, um
cenário improvável para muitos analistas profissionais ou não. Em virtude deste
resultado a hipertrofia de expectativas pode redundar na impaciência de um
eleitorado ávido por mudanças de curtíssimo prazo.
Para além disso, como costumo
frisar, governos não são de Marte e a sociedade civil não é de Vênus. Classe
política e cidadãos, quer os últimos gostem ou não, são provenientes de uma
mesma Campos e a Câmara de Vereadores e o staff administrativo, o que contempla
todos os escalões de governo, irão representar de forma mais ou menos fiel a
própria sociedade. Neste sentido o governo Diniz não consegue escapar das
contradições campistas em sua composição social. De um lado há a novidade do
ingresso de quadros de alta qualificação no alto escalão do governo, algo que
reflete de forma cabal o maior pólo universitário do interior fluminense. Por
outro lado no mesmo alto escalão, inclusive pela pressão da política cotidiana
e varejista, há egressos da “velha política” que transcendem até mesmo os
Garotinho. Velhos e novos mundos em uma mesma constelação.
Não nos cabe aqui discutir os
problemas cotidianos causados pela “pequena política”, esta que necessita da
barganha como prática. Mas, a presença de quadros da “velha política” campista
ocasiona constrangimentos a um projeto que pretende implementar um “novo modo de
governar” certamente.
Prosseguindo, noto que há
iniciativas e esboços, pelo que pude observar de maneira assistemática no
próprio website da prefeitura, que indicam a tentativa de aproximação das
intenções progressistas do “Programa de Governo” com ações práticas.
Especialmente me parece promissor o tratamento para a questão étnico-racial até
o presente momento. Igualmente o saneamento de programas sociais em uma
sociedade desigual como Campos é uma medida fundamental, desde que não redunde
na satanização deste tipo de política e tampouco na paralisia dos programas.
Finalizando, recordo um adágio utilizado
por ninguém menos que Sérgio Diniz em várias ocasiões ao discutir a política
local. Diniz, o pai, dizia dos quadros locais: “tudo vinagre da mesma pipa”.
Até o momento não me parece que Rafael, seu filho, o seja. De todo modo, terá
aí mais ou menos 1300 dias para mostrar que não é. O caminho para tal envolve o
enfrentamento corajoso e decisivo das contradições, lógicas e práticas da
própria sociedade que o elegeu.
* Texto publicado originalmente no
Blog Opiniões do Grupo Folha da Manhã por Aluysio Abreu Barbosa em 10 de abril
de 2017. Disponível em: http://opinioes.folha1.com.br/2017/04/10/george-gomes-coutinho-governo-diniz/
** Professor de Ciência Política
no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes