Rentismo e autocracias*
George
Gomes Coutinho **
Imaginemos o seguinte cenário:
alta estabilidade na condução da política econômica e sem qualquer
questionamento. A oposição a partir de movimentos sociais, partidos ou
sindicatos inexiste ou é duramente reprimida. Não há igualmente imprensa livre
e plural. É este o panorama dos mais rentáveis para os investidores do mercado
financeiro especializado em dívidas públicas. Contudo, o(a) leitor(a) deve ter
observado que não estamos falando de democracias. O levantamento realizado pela insuspeita
agência de notícias Bloomberg assinala a alta rentabilidade de regimes
autocráticos ou dotados de instituições democráticas esquálidas e instáveis.
A matéria publicada em 20 de
abril deste ano intitulada “The bond market prefers dictators to democracies” –
“O mercado de títulos da dívida prefere ditadores a democracias” em uma
tradução livre – apresenta dados onde
regimes pouco afeitos a práticas democráticas atingem maior rentabilidade
dentre as economias emergentes. No topo situa-se a Venezuela com seus
“invejáveis” 55% de retorno para os que investem nos papéis de sua dívida, o
que coloca em dúvida a postura “socialista” de Nicolás Maduro. Afinal, é um
paradoxo que um regime que se utiliza de uma retórica anti-imperialista seja
tão dócil com os credores internacionais.
Na síntese dos dados apresentados
pela Bloomberg a rentabilidade dos
papéis da dívida entre países autocráticos ou dotados de democracias frágeis é de
15% na média em contraposição aos 8,6% alcançados pelos Estados democráticos.
Neste cenário, o decréscimo da qualidade da vida da maioria da população ou
mesmo abusos cotidianos no que tangem os direitos humanos aparecem como meras
“inconveniências” diante do pragmatismo amoral dos investidores.
No contexto de alta rentabilidade
e práticas draconianas podemos tirar lições amargas acerca do Brasil
contemporâneo. As chamadas “reformas”, sendo que estas em última instância
garantirão o retorno desejado aos investidores, não seriam somente
“impopulares”. Situam-se na direção contrária mesmo da vontade popular. Mas,
como a compilação da Bloomberg demonstra, o mercado não é necessariamente um
entusiasta da democracia.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 28 de maio de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes