Achismos
e um remédio ético *
George
Gomes Coutinho **
É uma síndrome. Basta ler os comentários
dos sites de notícias, jornais, blogs e redes sociais. O(a) leitor(a)
encontrará, sobretudo em matérias ou postagens com maior potencial de
repercussão, alguém dizendo qualquer coisa “só para contrariar”. Decerto é a
“democracia irrefreável das redes sociais” como diria Aluysio Abreu Barbosa.
Contudo, sem discordar um milímetro do editor, se as plataformas digitais de
comunicação e interação são estruturalmente democráticas, o leitor mais
familiarizado com o debate das ciências que se ocupam da política costuma
arrancar os cabelos e ter contorcionismos diversos ao enfrentar o tema da
qualidade da democracia.
Sim, democracia não é conceito
estático e politólogos em geral, em um exercício normativo e por vezes empírico,
se esforçam em pensar quais mecanismos institucionais poderiam torná-la mais
ágil ou até mais representativa. É um debate nada inocente ou desinteressado.
Afinal, a conjuntura atual ao redor do mundo tem colocado sob alerta as
democracias representativas liberais. Ao mesmo tempo o que foi conquistado, a essência
de uma “democracia irrefreável”, também não deve ser abandonado. Contudo, o
“achismo” tem sido um veneno e tanto.
Nestes termos, pensando na
qualidade da democracia e nas plataformas de interação e comunicação
contemporâneas, penso que a única saída seja pela boa e velha ética. O
“achismo”, o mero “eu acho que...”, sem qualquer parâmetro, qualificação,
dúvida, rigor, é um desserviço quando desvinculado de preferências estritamente
pessoais. Não causa qualquer impacto na esfera pública o fato de que eu acho o
sorvete de creme mais interessante do que o de morango. Isto não gera ação
vinculante. Sorvetes de creme ou de morango continuarão a existir indiferentes
um ao outro na prateleira. Contudo, dando um exemplo tragicômico, proclamar que
feministas são obcecadas em decepar pênis alheios e torturar machos, isto sim
causa impacto vinculante. Em verdade, legitima agressões simbólicas e, em
última instância, até retaliações físicas. Ética nos influxos comunicativos
envolve responsabilizar-se pelo que se diz, o que envolve assumir todas as consequências
hipotéticas ou factuais do próprio enunciado.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 03 de junho de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
Sempre oportuno. Salve George!
ResponderExcluirCarX comentarista,
ResponderExcluirGrato pelo generoso feedback!