domingo, 4 de junho de 2017

Achismos e um remédio ético

Achismos e um remédio ético *

George Gomes Coutinho **

É uma síndrome. Basta ler os comentários dos sites de notícias, jornais, blogs e redes sociais. O(a) leitor(a) encontrará, sobretudo em matérias ou postagens com maior potencial de repercussão, alguém dizendo qualquer coisa “só para contrariar”. Decerto é a “democracia irrefreável das redes sociais” como diria Aluysio Abreu Barbosa. Contudo, sem discordar um milímetro do editor, se as plataformas digitais de comunicação e interação são estruturalmente democráticas, o leitor mais familiarizado com o debate das ciências que se ocupam da política costuma arrancar os cabelos e ter contorcionismos diversos ao enfrentar o tema da qualidade da democracia.

Sim, democracia não é conceito estático e politólogos em geral, em um exercício normativo e por vezes empírico, se esforçam em pensar quais mecanismos institucionais poderiam torná-la mais ágil ou até mais representativa. É um debate nada inocente ou desinteressado. Afinal, a conjuntura atual ao redor do mundo tem colocado sob alerta as democracias representativas liberais. Ao mesmo tempo o que foi conquistado, a essência de uma “democracia irrefreável”, também não deve ser abandonado. Contudo, o “achismo” tem sido um veneno e tanto.

Nestes termos, pensando na qualidade da democracia e nas plataformas de interação e comunicação contemporâneas, penso que a única saída seja pela boa e velha ética. O “achismo”, o mero “eu acho que...”, sem qualquer parâmetro, qualificação, dúvida, rigor, é um desserviço quando desvinculado de preferências estritamente pessoais. Não causa qualquer impacto na esfera pública o fato de que eu acho o sorvete de creme mais interessante do que o de morango. Isto não gera ação vinculante. Sorvetes de creme ou de morango continuarão a existir indiferentes um ao outro na prateleira. Contudo, dando um exemplo tragicômico, proclamar que feministas são obcecadas em decepar pênis alheios e torturar machos, isto sim causa impacto vinculante. Em verdade, legitima agressões simbólicas e, em última instância, até retaliações físicas. Ética nos influxos comunicativos envolve responsabilizar-se pelo que se diz, o que envolve assumir todas as consequências hipotéticas ou factuais do próprio enunciado.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 03 de junho de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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