“Privatismo”*
George
Gomes Coutinho **
V. I. U. Lênin (1870-1924) em
1920 publicou o seu “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” onde apresentou
um conjunto de críticas aos comunistas e a outros grupos na esquerda do
espectro político então atuantes na Europa Ocidental do período. Resumidamente
o argumento de Lênin se centrava em demolir a postura de “fuga” da realidade em
prol do apego a princípios morais e/ou valorativos abstratos. É um texto
pragmático e as afinidades com a tradição do realismo político de Maquiavel
(1469-1527) são evidentes.
Retomando o argumento leninista,
a vitória do realismo só seria possível mediante o exercício da auto-crítica.
Nesta direção, a narrativa se utilizou da história como ferramenta. O olhar em
retrospectiva é mobilizado para realizar um balanço, por vezes duríssimo, das
opções e ações visando combater um esquerdismo que, aos olhos do líder da
revolução soviética, seria uma demonstração de infantilidade. A despeito de
termos apreço ou não por Lênin, o pequeno livro guarda uma importante lição:
sem rigor e honestidade intelectual não saímos da infância política, não
produzimos o salto que leva ao amadurecimento. Esta advertência cabe tanto para
a direita quanto para a esquerda evidentemente.
Na atual conjuntura, dentre
outros “ismos” reeditados no Brasil contemporâneo, o “privatismo” ressurge como
cadáver insepulto. É mais uma das soluções mágicas apresentadas no calor do
momento que prometem solucionar problemas estruturais de longa duração com um
estalar de dedos. Contudo, as experiências da privatização em larga escala nos
governos Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) não foram suficientemente debatidas diante dos
benefícios e efeitos negativos causados. Há perguntas que precisam de respostas
antes que venha uma segunda onda de privatização em larga escala, tal como o
Governo Michel Temer anda propondo: quem realmente ganhou? Os valores de venda
do patrimônio da sociedade foram justos? Haverá financiamento público, mais uma
vez, com uma taxa de juros “de pai para filho”? Sem responder estas e outras
perguntas fundamentais a privatização é “privatismo”, sintoma infantil de um
liberalismo igualmente imaturo.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 26 de agosto de 2017
** Professor de Ciência Política no Departamento
de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes