Por Paulo Sérgio Ribeiro
Há momentos em que se faz necessário não subestimar o quão
deprimente pode ser o cenário de uma época.
Comecemos por um dado anedótico: a senadora Ana Amélia (PP-RS) se contrapôs à recente entrevista da também senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) à TV Al Jazeera[1] - na qual denunciava a ilegalidade da prisão do ex-Presidente Lula e o alinhamento do golpe de Estado em curso no Brasil com o interesse nacional estadunidense - e, pasme, confessou-se preocupada com a possibilidade de sua colega parlamentar ter feito uma “exortação” ao Estado Islâmico para “vir ao Brasil proteger o PT”.
Comecemos por um dado anedótico: a senadora Ana Amélia (PP-RS) se contrapôs à recente entrevista da também senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) à TV Al Jazeera[1] - na qual denunciava a ilegalidade da prisão do ex-Presidente Lula e o alinhamento do golpe de Estado em curso no Brasil com o interesse nacional estadunidense - e, pasme, confessou-se preocupada com a possibilidade de sua colega parlamentar ter feito uma “exortação” ao Estado Islâmico para “vir ao Brasil proteger o PT”.
Pouparei o leitor de objeções factuais à capacidade de uma
parlamentar brasileira influenciar uma organização terrorista no Oriente Médio.
Supô-lo seria um exercício de credulidade que beira ao ridículo. Todavia, não
entendo que a senadora Ana Amélia seja uma estúpida, ainda que xenófoba.
Capitalizar politicamente a ignorância tornou-se um recurso de poder de
primeira grandeza, na medida em que nunca gerou tantos dividendos eleitorais
estimular a regressão dos costumes daqueles que, ironicamente, rechaçam a
política profissional. Um verdadeiro círculo vicioso.
Romper com tais vicissitudes nos leva a indagar por que a luta
política parece ter perdido o seu potencial pedagógico se nunca tivemos à mão
tantos meios favoráveis ao monitoramento reflexivo da vida social. Ora, alguém
indagaria, por que ser demasiado pessimista se a Internet nos faculta tais
“meios” diante dos falsos consensos fabricados na imprensa tradicional? Hoje,
somos capazes de acessar um sem número de informações minimamente confiáveis e
compará-las para obter, por exemplo, um olhar mais arejado sobre o mundo árabe
do que a Ana Amélia.
Em tese, essa ponderação estaria correta; porém, a vida em rede
difundida globalmente em nada assegura o reconhecimento da alteridade de um
indivíduo, grupo ou nação como elemento constitutivo de uma experiência em
comum. Este não reconhecimento assume a forma de uma comunicação hiperativa no
tempo intemporal da Internet que, paradoxalmente, amplia a distância entre o eu
a sua própria subjetividade. Construí-la requer tempo e este não se confunde
com o frenesi dos cliques em busca da validação de um discurso autorreferente.
Tanto na Internet quanto no bar da esquina, o galope acelerado da
barbárie é protagonizado pelo "cidadão de bem" cuja segurança
emocional é tributária da mediana mediocridade da “nobreza togada”. Este estamento – desembargadores, juízes, mas também procuradores e delegados federais – serve de suporte a idealização
de uma ordem política em que conflitos distributivos sejam suprimidos ao invés de administrados articulando-se interesse público com o pensamento estratégico sobre o desenvolvimento, isto é, sobre a ampliação possível de nossa capacidade de iniciativa na história mundial.
Longe estamos da autodeterminação enquanto povo-nação. No lugar dela, temos as cruzadas moralistas contra a corrupção assumidas pelo Poder Judiciário que configuram não apenas o expediente usual das corporações em disputa pela apropriação do excedente no Estado – a corrupção sistêmica que ninguém vê –, mas uma censura a toda e qualquer perspectiva que evidencie uma conexão de sentido entre a adesão aos valores tradicionais da classe média e a tentação das soluções autoritárias. Intelligentsia para quê, não é mesmo?
Longe estamos da autodeterminação enquanto povo-nação. No lugar dela, temos as cruzadas moralistas contra a corrupção assumidas pelo Poder Judiciário que configuram não apenas o expediente usual das corporações em disputa pela apropriação do excedente no Estado – a corrupção sistêmica que ninguém vê –, mas uma censura a toda e qualquer perspectiva que evidencie uma conexão de sentido entre a adesão aos valores tradicionais da classe média e a tentação das soluções autoritárias. Intelligentsia para quê, não é mesmo?
O apelo a uma autoridade forte que nos redima do caos republicano jaz um afeto primário – o ódio – socialmente
referenciado – ódio contra os pobres – que, para ser saciado, demanda a
inversão simbólica da relação de dominação: em um país no qual seis pessoas
detêm a riqueza equivalente a das 100 milhões mais pobres[2], quem, sob o pavor-pânico de ser confundido com um daqueles milhões subalternizados, é adestrado para subir com êxito os degraus da hierarquia social converte-se facilmente em
opressor, e o ressentimento quanto à altura (e agruras) daqueles degraus transmuta-se em agressividade autoritária contra
qualquer um que – através da ciência, das artes ou do ativismo identitário – revele os limites de classe da sua vida pusilânime.
Diante deste cenário, há de se perguntar se a ideia de nação ainda
terá um lugar de pertinência entre nós ou se o Brasil se reduzirá a campo de pastagem
para um povo-massa destituído de uma agenda que lhe renove a
ideia de igualdade.
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