Eduardo, a questão internacional e arranjos
domésticos[1]
George Gomes Coutinho
Eduardo
Bolsonaro em Washington se tornou uma das questões consensuais que agrupam
tanto críticos de direita quanto na esquerda em seu rechaço. Quem diria. Ao
menos indica aí a possibilidade de construir consensos mais amplos que fujam da
lógica da polarização e do hooliganismo político. A crítica só não penetrou de
maneira receptiva entre os apoiadores mais fiéis e fervorosos do presidente, o
que inclui extrema-direita, parte da direita evangélica, grupos que defendem o
fechamento das instituições e etc..
Um dos problemas
mais sensíveis diante deste imbróglio em particular, há outros, é se a opinião
pública, em suas frações de esquerda ou direita, está interpretando de forma
correta ou construtiva o fato. Por isso penso que valha problematizar.
Há dúvidas, por
exemplo, se a indicação do presidente pode ser interpretada no âmbito jurídico
como nepotismo. Contudo, mesmo que o sistema jurídico brasileiro não considere
como tal, a opinião pública já assim definiu. Isto é absolutamente preocupante.
Indica um vício persistente que não nos retira do ciclo destrutivo em que se
encontra o Estado Democrático de Direito, se é que podemos adotar esses termos com
dignidade em nossa conjuntura. O “julgamento plebiscitário” não parece que irá
nos abandonar tão cedo. Tal como em votações de realities shows, favoritos e
preteridos são escrutinados apressadamente pela plateia, o que inclui
indivíduos, grupos, leis, instituições, ideias, etc.. As regras do jogo
tornam-se descartáveis ou secundárias. O problema é que sem regras do jogo não
há sequer democracia.
Prosseguindo,
não é incomum ou exatamente inadequada a indicação “política” de embaixadores nem
na diplomacia mundial e tampouco na tradição brasileira. Por vezes a nomeação
pode ocorrer para indivíduos até mesmo como “prêmio”, vide o caso do
ex-presidente Itamar Franco (1930-2011) que foi nomeado embaixador em Portugal.
Evidentemente Itamar Franco e Eduardo Bolsonaro não são remotamente semelhantes
em seus currículos ou contribuições. Mas, é importante lembrar que nem sempre a
indicação do nome para ocupar a função de embaixador segue necessariamente o
caminho da carreira do Itamaraty e não há nada de ilegal nisso.
Feitos os
reparos e todavias causa espécie na opinião pública a indicação de ninguém
menos que o próprio filho para ocupar um dos postos mais importantes da
diplomacia brasileira e num país, os EUA, que se apresenta como absolutamente
estratégico para o atual projeto de política externa do governo brasileiro.
Alguns analistas apresentam que a indicação é coerente onde a política é vista
como empreendimento familiar e a indicação do próprio filho representaria “alto
apreço” do presidente por aquela embaixada em especial: oras, sendo importante,
nada menos significativo que enviar o próprio filho para executar a missão.
A despeito da justificativa
acima apresentada, mesmo que Eduardo tenha uma sabatina exitosa no Senado
brasileiro, a indicação carece de legitimidade política em termos domésticos. Se
paira dúvida sobre a legalidade, restam certezas acerca da imoralidade da
proposta.
Para além disso
o perfil profissional de Eduardo causa indisfarçável
insegurança até mesmo para parte dos entusiastas dos rumos da política externa
no governo Bolsonaro. Cabe lembrar que o nome de Nestor Forster, este sim
diplomata de carreira e o escolhido de ninguém menos que Olavo de Carvalho,
despontava como favorito até bem pouco tempo. A dúvida é se Eduardo seria capaz
de lidar com a complexidade das demandas de uma política externa mais alinhada
com o governo norte-americano exigiria. Mesmo a justificativa, mais uma vez
familiar, de que Eduardo conheceria os “filhos de Trump” se apresenta como
atestado de ignorância ou pura ingenuidade. O posto da embaixada de Washington
precisará lidar muito mais com governadores dos estados e empresários para
construir as tratativas que irão supostamente concretizar as pontes efetivas
entre EUA e Brasil. A festejada intimidade com a prole do alaranjado presidente
norte-americano pouco ou nada irá colaborar.
O episódio, sem
dúvida desconfortável para os que acreditaram em uma “nova política” ou a
“refundação do Brasil” e que, em última instância, revela apenas a reiteração
de práticas ancestrais da política brasileira, indica um sinal pouco sutil
acerca da independência de Jair Bolsonaro em seus processos de tomada de
decisão. Como apontei, Olavo de Carvalho tinha sua preferência e tentou demover
os Bolsonaro e seus seguidores da indicação de Eduardo para Washington. O
presidente, mais uma vez, demonstrou que não pretende mudar de decisão até o
presente momento. A perspectiva do ano passado nas eleições de que Bolsonaro
seria um presidente manietado deu mais uma prova nestes seis meses de que não
decantou na realidade. Isso a despeito do projeto “Eduardo em Washington” não
ter grandes chances de ser um sucesso.
[1]
Este texto surgiu de um conjunto de questões que me chegaram pelo jornalista
Aldir Sales do jornal A Folha da Manhã sobre uma das polêmicas do momento. A
matéria, que conta com perspectivas de outros agentes públicos, encontra-se
disponível aqui: http://www.folha1.com.br/_conteudo/2019/07/politica/1250340-indicacao-de-filho-causa-polemica.html
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