domingo, 21 de julho de 2019

Eduardo, a questão internacional e arranjos domésticos


Eduardo, a questão internacional e arranjos domésticos[1]

George Gomes Coutinho

Eduardo Bolsonaro em Washington se tornou uma das questões consensuais que agrupam tanto críticos de direita quanto na esquerda em seu rechaço. Quem diria. Ao menos indica aí a possibilidade de construir consensos mais amplos que fujam da lógica da polarização e do hooliganismo político. A crítica só não penetrou de maneira receptiva entre os apoiadores mais fiéis e fervorosos do presidente, o que inclui extrema-direita, parte da direita evangélica, grupos que defendem o fechamento das instituições e etc..

Um dos problemas mais sensíveis diante deste imbróglio em particular, há outros, é se a opinião pública, em suas frações de esquerda ou direita, está interpretando de forma correta ou construtiva o fato. Por isso penso que valha problematizar.

Há dúvidas, por exemplo, se a indicação do presidente pode ser interpretada no âmbito jurídico como nepotismo. Contudo, mesmo que o sistema jurídico brasileiro não considere como tal, a opinião pública já assim definiu. Isto é absolutamente preocupante. Indica um vício persistente que não nos retira do ciclo destrutivo em que se encontra o Estado Democrático de Direito, se é que podemos adotar esses termos com dignidade em nossa conjuntura. O “julgamento plebiscitário” não parece que irá nos abandonar tão cedo. Tal como em votações de realities shows, favoritos e preteridos são escrutinados apressadamente pela plateia, o que inclui indivíduos, grupos, leis, instituições, ideias, etc.. As regras do jogo tornam-se descartáveis ou secundárias. O problema é que sem regras do jogo não há sequer democracia.

Prosseguindo, não é incomum ou exatamente inadequada a indicação “política” de embaixadores nem na diplomacia mundial e tampouco na tradição brasileira. Por vezes a nomeação pode ocorrer para indivíduos até mesmo como “prêmio”, vide o caso do ex-presidente Itamar Franco (1930-2011) que foi nomeado embaixador em Portugal. Evidentemente Itamar Franco e Eduardo Bolsonaro não são remotamente semelhantes em seus currículos ou contribuições. Mas, é importante lembrar que nem sempre a indicação do nome para ocupar a função de embaixador segue necessariamente o caminho da carreira do Itamaraty e não há nada de ilegal nisso.

Feitos os reparos e todavias causa espécie na opinião pública a indicação de ninguém menos que o próprio filho para ocupar um dos postos mais importantes da diplomacia brasileira e num país, os EUA, que se apresenta como absolutamente estratégico para o atual projeto de política externa do governo brasileiro. Alguns analistas apresentam que a indicação é coerente onde a política é vista como empreendimento familiar e a indicação do próprio filho representaria “alto apreço” do presidente por aquela embaixada em especial: oras, sendo importante, nada menos significativo que enviar o próprio filho para executar a missão.

A despeito da justificativa acima apresentada, mesmo que Eduardo tenha uma sabatina exitosa no Senado brasileiro, a indicação carece de legitimidade política em termos domésticos. Se paira dúvida sobre a legalidade, restam certezas acerca da imoralidade da proposta.

Para além disso o perfil profissional de Eduardo causa indisfarçável insegurança até mesmo para parte dos entusiastas dos rumos da política externa no governo Bolsonaro. Cabe lembrar que o nome de Nestor Forster, este sim diplomata de carreira e o escolhido de ninguém menos que Olavo de Carvalho, despontava como favorito até bem pouco tempo. A dúvida é se Eduardo seria capaz de lidar com a complexidade das demandas de uma política externa mais alinhada com o governo norte-americano exigiria. Mesmo a justificativa, mais uma vez familiar, de que Eduardo conheceria os “filhos de Trump” se apresenta como atestado de ignorância ou pura ingenuidade. O posto da embaixada de Washington precisará lidar muito mais com governadores dos estados e empresários para construir as tratativas que irão supostamente concretizar as pontes efetivas entre EUA e Brasil. A festejada intimidade com a prole do alaranjado presidente norte-americano pouco ou nada irá colaborar.

O episódio, sem dúvida desconfortável para os que acreditaram em uma “nova política” ou a “refundação do Brasil” e que, em última instância, revela apenas a reiteração de práticas ancestrais da política brasileira, indica um sinal pouco sutil acerca da independência de Jair Bolsonaro em seus processos de tomada de decisão. Como apontei, Olavo de Carvalho tinha sua preferência e tentou demover os Bolsonaro e seus seguidores da indicação de Eduardo para Washington. O presidente, mais uma vez, demonstrou que não pretende mudar de decisão até o presente momento. A perspectiva do ano passado nas eleições de que Bolsonaro seria um presidente manietado deu mais uma prova nestes seis meses de que não decantou na realidade. Isso a despeito do projeto “Eduardo em Washington” não ter grandes chances de ser um sucesso.



[1] Este texto surgiu de um conjunto de questões que me chegaram pelo jornalista Aldir Sales do jornal A Folha da Manhã sobre uma das polêmicas do momento. A matéria, que conta com perspectivas de outros agentes públicos, encontra-se disponível aqui: http://www.folha1.com.br/_conteudo/2019/07/politica/1250340-indicacao-de-filho-causa-polemica.html

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