Relevem, leitores
Por Paulo Sérgio Ribeiro
Haverá
algo mais batido do que escrever sobre a dificuldade de... escrever? Ou, dito
de outro modo, artifício bem surrado esse de testemunhar o vazio existencial
que, vez ou outra, assalta todo aquele que empresta sua testa para ofertar mal tracejadas linhas a quem interessar.
Fato
é que estive um tempo fora como quem vai ali comprar cigarros. Definitivamente,
isso não se faz.
Relevem, caros leitores (provavelmente, dois ou três) por tamanha
negligência. Um saudoso e, não menos, cáustico cronista da blogsfera campista
certa vez disse que era “bissexto” na periodicidade de minhas publicações. Vá
lá, tivesse razão. Ainda assim, desculpas de nada valem sem, digamos, uma renovação
de votos com o “trio” leitor que até então dedicava generosa atenção a este aprendiz
de publicista.
Apesar
do prazer incomunicável de escrever ser um leitmotiv
do trabalho intelectual, há neste um estado de compromisso, caso reconheçamos
que, antes de ser happening, trata-se
de um estar no mundo inerente àquele que (teimosamente?) atribui às ciências
sociais um sentido de missão pública.
Sem
ilusões: a noção de “público” aqui é prenhe de consequências.
Na
acepção “clássica” do termo que a filósofa alemã Hannah Arendt[1] sumariou em referência à pólis
grega, domínio público constituía um espaço de relações entre homens que eram livres,
na medida em que se associavam para disputar a excelência do melhor argumento
sobre seu destino comum e, iguais, uma vez que assumia-se que a comunidade
política assim estabelecida teria por fundamento a força da persuasão no lugar
da violência pura e simples.
Desnecessário
dizer que a persuasão nem sempre paga tributos à lógica interna de um argumento
baseado em juízos de fato e, não menos, que não faltam acusações (nem sempre
justas, a meu ver) à Arendt por uma suposta idealização da ágora ateniense em face
do caráter restrito do status
político dos seus partícipes: mulheres, escravos e estrangeiros não tinham voz
nem vez na cidade-Estado.
De
todo modo, vale reter do seu diagnóstico sobre a modernidade pós-Auschwitz aquilo
que nos faculta de modo único uma condição humana: a capacidade de “governar a
si mesmo” quando agimos na presença de outros.
Nem
a privatividade do espaço doméstico – reino da necessidade, por excelência –
nem o espaço público organizado para as trocas comerciais decorrentes daquela
necessidade – que confirma o cativeiro que alimentar continuamente um corpo relega
aos meros mortais – podem substituir, por completo, a liberdade passível de se viver no seio da esfera pública: não estar sujeito à pressão imediata pela
sobrevivência, assim como não ser servo nem senhor de alguém.
Afinal,
quem são meus pares? Procurá-los confirma-me que estou “condenado” a ser livre.
Se
agir livremente não se realiza sem a companhia de outros, então admitimos que
nossas volições tomam forma em um espaço intermediário, isto é, em um mundo
que, apesar de comum a todos, tanto nos agrega quanto nos divide. Estimados três
leitores, dar de cara com essa obviedade foi, para mim, um mergulhar no escuro
que é mudar de cidade/região. Outras paisagens, outros códigos, outro horizonte
ou, quiçá, a falta do mesmo, já que em Minas, assim diz um querido colega de
trabalho, sempre há um morro a limitar nossa visão.
Sem
recair aqui em determinismos geográficos, confesso que uma metáfora me compraz:
sou um homem da planície e, como tal, sinto falta de olhar além do horizonte...
Reabilitar um senso de realidade leva tempo e toma espaço. Por isso, quem sabe,
tenha me retirado para dentro de mim mesmo em reverência à geografia da zona da
mata mineira.
O
que escrevemos para o público não nos pertence, mesmo que aparente ser uma motivação de foro íntimo.
Se
escrever a partir das ciências sociais implica um senso de pertencimento à sua história,
havemos de assegurar, através deste blog, uma porta aberta aos(às)
interlocutores(as) que creditem à tarefa de pensar sociologicamente outras
realidades possíveis que não sacrifiquem o domínio comum de
nossas existências aos tantos oportunismos de ocasião que assolam a comunicação
na dita “Era da Pós-Verdade”.
Compromisso
assumido, tentarei ser mais regular nas publicações, ainda que 2020 seja um ano
bissexto...
Saudações
aos navegantes.
Obs.: O título inicial deste texto era "Escusas aos leitores", mas eis que mais de um amigo sinalizou que tal expressão é usada habitualmente por um certo juiz de Curitiba que sapateia em cima dos direitos fundamentais e assassina vez sim e outra também o Português. Sendo assim, peço desculpas mais uma vez.
Obs.: O título inicial deste texto era "Escusas aos leitores", mas eis que mais de um amigo sinalizou que tal expressão é usada habitualmente por um certo juiz de Curitiba que sapateia em cima dos direitos fundamentais e assassina vez sim e outra também o Português. Sendo assim, peço desculpas mais uma vez.
[1]
Cf. ARENDT, Hannah. A condição humana.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
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