Criminalizar
ou Legalizar o aborto?
A criminalização do aborto é estabelecida por uma lei de
1940. Se entendemos que uma lei é algo que expõe um tipo de moral, então fica
possível perceber que, mais do que impedir a realização de abortos, aquela lei tem
por objetivo firmar e impor uma opinião sobre o tema. Muita coisa mudou de 1940
para cá, mas há grupos sociais que entendem que a criminalização do aborto é
importante para salvaguardar a vida de seres em processo gestacional – por isso
a lei, pensam, deve ser mantida.
No plano do “oficial”, o Brasil, então, se apresenta com uma
legislação “pró-vida”, mas, no plano do “oficioso”, quando consideramos as
estimativas sobre a realização de abortos no país, vemos que a lei, enquanto
discurso moral, é reiteradamente negada na prática. Todavia, mesmo não seja
cumprida, ela não deixa de ter impactos. Ela não impede abortos, pois as
pessoas, decididas a faze-los, encontram seus caminhos; mas, uma vez que existe
a criminalização, esse caminho pode ser tortuoso. Em situações de desespero,
por motivos dos mais variados, mulheres se submetem a procedimentos extremos:
agulhas de tricô, injeções salinas, infusões de ervas, medicamentos arriscados,
pancadas na região abdominal etc.
O efeito da criminalização é a elevação dos custos
financeiros para a realização de um aborto em clínicas médicas e, para quem não
dispõe de tais recursos – que atualmente estão em torno de R$5.000 – o que se
eleva são os riscos físicos que podem acarretar hemorragias uterinas,
infecções, perda da capacidade reprodutiva e até mesmo a morte. O que se
observa é uma criminalização que não atinge o objetivo de impedir a realização
de abortos; e que reproduz desigualdades na medida em que possibilita que
mulheres com melhores condições financeiras realizem abortos seguros em
clínicas clandestinas, reservando às mulheres mais pobres os procedimentos mais
arriscados e os profissionais menos capacitados. A legalização do aborto não
obrigaria ninguém a realiza-lo, apenas daria a oportunidade de que o procedimento
fosse executado de forma menos arriscada e violenta.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Publicado na Página 04 do Jornal Folha da Manhã de 18 de Agosto de 2018.
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