Lya Luft e o voto bolsonarista
Lya Luft e o voto bolsonarista.
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O voto é uma relação de "Troca Assimétrica", movida
por afetos e cognição, no estrito sentido do significado das palavras afeto e
cognição.
Afeto como a disposição de alguém por alguma coisa, seja positiva ou negativa,
e cognição como a capacidade de processar informações e transformá-las em
conhecimento, com base em um conjunto de habilidades como a percepção, a
atenção, a associação, a imaginação, o juízo, o raciocínio e a memória.
O voto tem uma racionalidade na escolha, o eleitor faz um balanço de perdas e
ganhos, uma avaliação de benefícios e custos de sua ação eleitoral.
A escolha nessa "Troca Assimétrica" sempre é mais vantajosa para o candidato
do que para o eleitor.
O eleitor, por seus afetos e cognição, centra sua escolha na sua própria
história de vida e de sua malha de sociabilidade.
Mesmos os votos mais altruístas, movidos por "Causas", são enredados
em um convívio de afetos e cognições do "mundo visível e
experimentado" pelo eleitor.
O candidato fala e se expõe sempre de maneira "segmentada" ou
"individualizada" para captar a decisão do eleitor.
O candidato faz um processo de "sedução" do eleitor, fazendo com que
o eleitor troque seu voto ou por adesão ao candidato ou por repúdio aos demais
candidatos, sem que necessariamente haja adesão ao candidato escolhido.
A racionalidade da escolha eleitoral é sazonal, raramente estruturada e
atemporal.
O momento do voto, seu tempo e espaço, são os vetores de motivação afetiva e
cognitiva para uma escolha assimétrica, que sempre traz consequências positivas
ou negativas para o autor da escolha.
Assim foi com Lya Luft, que não é uma ressentida, desencantada, desalentada.
É uma mulher forte, sabe o que quer e é determinada.
Vanguardista em sua geração, mulher libertária no campo profissional e
existencial.
Extremamente culta e com elevado nível de escolarização, já possuia um mestrado
em linguística em 1975 e outro em literatura brasileira em 1978, época em que
muito poucos tinham o título de mestre no Brasil.
Leitora de Friedrich Schiller, poeta, filósofo, médico e historiador alemão.
Leitora de Johann Wolfgang von Goethe, Santo Tomás de Aquino e Jean Paul
Sartre.
Professora notável na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi inovadora
e pioneira dos primeiros cursos de pós-graduação no país.
Tradutora ousada, colocou em língua portuguesa Virgínia Woolf, Thomas Mann, Herman Hesse e muitos outros.
Como escritora tem destaque com "As coisas humanas", " Pensar é
transgredir" e "Quarto fechado", que são mergulhos na alma
humana.
Foi uma combatente contra a ditadura vinculada ao grupo de
intelectuais/psicanalistas de Hélio Pelegrino, denunciando torturadores da área
médica, psiquiatra e psicanalista que atuaram na ditadura brasileira a partir
de 1964.
No Rio de Janeiro, participou das primeiras e históricas campanhas eleitorais
do PT para o governo do estado com Lysâneas Maciel para governador e Vladimir
Palmeira para o senado em 1982.
Em 1985 fez a campanha do desconhecido Wilson Farias do PT, tendo como vice a
socióloga Miriam Limoeiro Cardoso, para a prefeitura do Rio de Janeiro, mesmo
sendo amiga de Saturnino Braga do PDT e Marcelo Cerqueira do PSB, também
candidatos.
O voto de Lya Luft, mesmo como escolha individual, tem significado público, é
simbólico em termos políticos e sociológicos.
Representa a ambiência de afetos e cognição de um momento temporal de 57
milhões de brasileiros.
Não sabia que Lya Luft tinha votado em Jair Bolsonaro; se alguém me contasse,
eu não acreditaria.
Soube com a entrevista da própria declarando seu arrependimento.
Por que votou? De acordo com seu relato, fez uma escolha assimétrica movida
pela rejeição aos demais candidatos, em função de suas experiências de vida em
relação aos competidores.
Escolheu não ganhar muito ou quase nada a ter que perder, na sua avaliação
afetiva e cognitiva, com a vitória dos demais candidatos.
Com a escolha de Jair Bolsonaro, Lya Luft materializou seus afetos e cognições
no segundo semestre de 2018.
O arrependimento público em junho de 2020 mostra outro momento de afetos e
cognição. Lya Luft percebeu, por sua vivência no cotidiano do governo Jair
Bolsonaro desde janeiro de 2019, que sua escolha eleitoral lhe trouxe perdas,
perdas grandes e significativas, em vez de ganhos pequenos ou não ganhos.
O voto de Lya Luft torna-se um "Voto Desvio Padrão" para se
compreender a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
Como "Troca Assimétrica" , como uma racionalidade eleitoral em que
todos ganham - os eleitores pouco e menos que o candidato - a votação de 57
milhões de votantes bolsonaristas está revelando que a "Assimetria"
foi muito maior. O eleitor está descobrindo que, não só não ganhou nada com a
rejeição aos demais candidatos, como efetivamente está perdendo com sua escolha
em 2018.
O "Voto Lya Luft" foi um padrão, que pode explicar a escolha de Jair
Bolsonaro pela rejeição, como um decisão de racionalidade política da maioria
dos votantes em Bolsonaro. Essa mesma racionalidade está a promover
"Arrependimentos", pois a lógica da "Troca Assimétrica" foi
rompida com as perdas e com um "custo" que é imensamente alto e sem
benefícios.
O "Arrependimento Público de Lya Luft" pode vir a se tornar um
fenômeno coletivo para a maior parte dos 57 milhões de eleitores.
Creio que o voto "Lya Luft" explica, como padrão, a enorme escolha
por Jair Bolsonaro nas regiões Sul e Sudeste do país.
O "Arrependimento" é um mecanismo psíquico, social e político que vem
com a admissão pelo indivíduo de uma nova realidade em sua vida.
É um desprendimento com as amarras de um passado próximo ou distante, um ato de
libertação, de arrojo pessoal ou coletivo.
O arrependimento de Lya Luft, para mim é muito bem-vindo, e basta para tê-la
como aliada na luta contra o neofascismo do governo Bolsonaro.
Nessa questão eu estou sintonizado com Renato Janine Ribeiro,
Sergio Abranches, Jose Alvaro Moises, Marcos
Nobre e Bolívar Lamounier.
O "Voto Lya Luft" descortinou uma linha nova para entender o voto
bolsonarista em 2018.
Não foi um voto de "toscos" e "imbecilizados", foi uma
escolha feita preferencialmente pela "não escolha" aos demais
candidatos.
Uma tomada de decisão dramática, contraditória, com subjetividades afetivas e
cognitivas complexas, com dúvidas e incertezas no voto.
Sem estigmatizar
eleitores de Jair Bolsonaro , sem "a prioris" morais condenatórios,
com técnicas sociológicas e políticas, podemos decifrar o voto de Lya Luft e
compreender pelo menos 30 milhões dos 57 milhões de votos em Jair Bolsonaro,
nas principais cidades das regiões Sul e Sudeste do Brasil.
Nas demais regiões e na maioria das cidades do interior de São Paulo, Minas
Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul temos outras
variáveis de entendimento em que a "Idéia Projétil" de Jair Bolsonaro
é protagonista das escolhas. Nessas os eleitores estão tendo "ganhos"
com o voto em Jair Bolsonaro.
Sociólogo
e Cientista Político. Professor da UFRJ.
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