PANDEMIA: O NOVO CANUDOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO?
PANDEMIA: O NOVO
CANUDOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO?
Os romanos, quando queriam
aludir à rapidez com que se ia da glória à miséria, falavam que fulano teria
ido "do Capitólio à Rocha Tarpeia". O Capitólio era centro de poder
de Roma, de onde os deuses teriam criado a civilização. A Rocha Tarpeia ficava
um pouco atrás, e era de lá que eram arremessados os condenados à morte.
A metáfora me vem à cabeça para
pensar a rapidez com que as expectativas do público bolsonarista foram desmentidas desde a eleição do capitão há menos de dois anos.
Desde a presidência Collor de Mello, nunca as expectativas eleitorais de um
mandatário se esfarelaram tão rapidamente. Mas a desilusão dos próprios
integrantes do poder não foi gerada só pela pandemia, mas pela miragem que os
movia na sua fantasia antissistêmica.
Os radicais reacionários acreditavam que, no poder,
promoveriam uma cruzada redentora da moral e dos bons costumes que levaria o
Brasil de volta à idade do ouro. Os neoliberais achavam que, se desfazendo do
Estado e dos servidores, produziriam crescimento econômico miraculoso. Os
militares acreditavam que redimiriam o regime militar, revelando toda a sua
capacidade administrativa e tirocínio político. No final, todavia, acabou tudo
onde sempre acaba: no centrão.
O desalento dos reacionários
radicais já é conhecido. Mas o que anda na pauta é o desalento do exército.
Esperava-se que o governo Bolsonaro representasse a redenção do regime militar,
ou seja, o triunfo público do patriotismo revelado pelas forças armadas que
teriam salvo o Brasil do comunismo. Todas as habilidades dos militares -
intelectuais, cívicas, logísticas, estratégicas- ficariam novamente em
evidência. Mas não é isso que vem acontecendo, como se percebe da tensão em
torno de sua associação com o alegado "genocídio" patrocinado pelo
presidente Bolsonaro na pandemia.
No começo da República, como se
sabe, os militares ocuparam a presidência nos primeiros quatro anos e depois
resistiram a ceder lugar de volta aos civis. O fator decisivo para sua
desmoralização e retirada foi o desastre de Canudos. Os radicais da época, que
apoiavam os militares, tentaram emparedar o moderado Presidente Prudente de
Morais, acusado de frouxo na repressão ao movimento. Prudente mandou os
militares para lá, e ao invés de consagrar o exército, o desastre da campanha
demonstrou suas insuficiências e liquidou suas veleidades políticas.
Com suas dezenas de milhares de
mortos, a pandemia parece ser o novo Canudos do Exército brasileiro.
Cientista
político e professor da área no IESP/UERJ. É autor de “Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia” publicado pela
editora da UFMG, “Wanderley Guilherme dos
Santos: a imaginação política brasileira - cinco ensaios de história intelectual”
publicado pela Revan, dentre outras obras, coletâneas e inúmeros artigos
nos campos do Pensamento Político Brasileiro, Teoria Política e História das
Ideias Políticas.
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