Processos sociais e fenômenos biológicos, como o coronavírus, podem até ser influenciados pelos calendários definidos pelos humanos, mas certamente a virada de um ano para outro não representa o arquivamento do que estava em andamento. Assim que o novo ano se apresentou, os desdobramentos de 2020 não tardaram a se manifestar. Nos Estados Unidos, em menos de uma semana em 2021, tivemos o evento que ficou conhecido como “Invasão do Capitólio” - quando apoiadores de Donald Trump entraram no Congresso estadunidense para contestar a derrota de seu líder nas eleições presidenciais. Cabe recordar que um discurso de Trump incitou o ato e que, além das cenas de balbúrdia em pleno templo da democracia, 5 pessoas morreram. Os desdobramentos disso ainda estão em curso, com a possibilidade de impeachment de Trump e de novos tumultos antes da posse do presidente eleito Joe Biden, marcada para o próximo dia 20. Todavia, já é certo afirmar que os eventos de 06 de janeiro entraram para História como uma mácula para o sistema democrático dos Estados Unidos e que os discursos e as posturas de Trump ali manifestaram um pouco de seu potencial destrutivo – poderia ter sido ainda mais grave.
Enquanto a loucura vivenciada nos Estados Unidos era observada com pavor por quase todo o mundo, no Brasil tudo caminhava como em 2020, de tal modo que os eventos do Capitólio, se fossem aqui, poderiam ser confundidos com mais uma das aglomerações causadas por nosso presidente Bolsonaro – que, não por acaso, já foi chamado de “Trump dos trópicos”. Sem manifestar repúdio aos acontecimentos, o presidente limitou-se a declarar que, em 2022, algo ainda pior pode acontecer no Brasil caso não seja implementado um sistema de votos impressos. Obviamente que, tal como em 2020, o presidente continuou flutuando a 5 metros do solo da realidade e desconsiderou que as suspeitas de fraude nos EUA ocorreram justamente em um sistema eleitoral que faz uso de votos impressos.
O recrudescimento do contágio pelo coronavírus, previsto e anunciado por inúmeros profissionais de epidemiologia como efeito das festas de final de ano, se confirmou. A cidade de Manaus, um dos locais mais intensamente atingidos durante a primeira onda, que chegou a ser considerada como um exemplo da suposta imunidade de rebanho, voltou a sofrer drasticamente com os efeitos da combinação entre pandemia e incompetência governamental. E nos últimos dias não faltaram relatos sobre hospitais superlotados, falta de leitos de UTI e, por fim, falta de cilindros de oxigênio. Enquanto isso, o presidente continua a insistir na cloroquina e a questionar as vacinas, afastando-se de qualquer responsabilidade.
Em Campos, 2021 trouxe Wladimir Garotinho como prefeito. Depois de afirmar em campanha que os problemas da cidade eram decorrentes da falta de gestão de Rafael Diniz, pois havia dinheiro, Wladimir não demorou para declarar estado de calamidade pública, confirmando o que Rafael Diniz passou quatro anos repetindo. Em um ato prático e repleto de simbolismo, a gestão de Wladimir começou por realizar mutirões de limpeza, retirando toneladas de entulho da cidade. E se podemos dizer que Rafael Diniz passou parte substantiva de seu mandato tentando, sem êxito, resolver o problema do transporte público, podemos afirmar que ao menos as lotadas ilegais estavam controladas. Com Wladimir, em menos de 15 dias de governo, o problema do transporte público ainda não apresenta respostas e as lotadas voltaram como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, o Prefeito repete a fórmula de Rafael Diniz: culpa a antiga gestão por todos os problemas. A diferença é que, agora, a tomada de empréstimos está no horizonte. E mesmo que a sabedoria popular ensine que “ninguém tem uma segunda chance de causar uma primeira boa impressão”, ainda estamos em meados de janeiro e pode ser cedo para afirmar que “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Texto originalmente Publicado no Jornal Folha da Manhã em 16 de Janeiro de 2021. Também publicado no Blog Opiniões do Jornal Folha da Manhã: https://opinioes.folha1.com.br/2021/01/17/abraao-eua-de-trump-brasil-de-bolsonaro-e-campos-de-wladimir/
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