quinta-feira, 21 de janeiro de 2021
Vídeo do bate-papo "Além do que se vê": fotografia, memória e teoria crítica
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
Vanguardas sul-americanas
Vanguardas sul-americanas
A coragem é a virtude primária e fundante da ação política. Sem ela, não há atividade, não há luta, não há grandeza e não se conquista a glória. A coragem é uma virtude que requer o exercício permanente de sua pedagogia. Caso contrário, ela fenece e morre em um corpo político – Estado, partido ou movimento. (Aldo Fonazieri)
Paulo Sérgio Ribeiro
Vanguarda, palavra que acolhemos em nosso idioma com significado próximo de sua expressão original em francês: aquele que guarda posição avançada (avant-garde) em relação aos acontecimentos, demonstrando originalidade ou pioneirismo na maneira como os traduz e/ou neles intervém. Em sua política interna, Chile e Argentina, nossos vizinhos sul-americanos, se fazem vanguarda ao experimentar processos de mudança social com um potencial transformador, já que as comportas do poder instituído tiveram de abrir-se para dar vazão às energias utópicas que os movem.
Em abril de 2021, 155 constituintes serão eleitos, sendo metade homens e metade mulheres, para reescrever a Carta Magna do Chile, processo que atingiu seu ponto de inflexão com o plebiscito de outubro passado, quando chilenos(as) retomaram sua soberania para dizer, com quase 80% do total de votos, um sonoro “não” à Constituição promulgada pela ditatura de Augusto Pinochet no começo dos anos 1980. Uma vez alcançada a primeira versão do texto constitucional, uma nova consulta popular far-se-á necessária em 2022 para sua aprovação final.
Na Argentina, por sua vez, o Senado aprovou no último 30 de dezembro um projeto que reconhece a legalidade e o acesso ao aborto para mulheres até a 14ª semana de gestação. A despenalização da interrupção voluntária da gravidez foi uma demanda vocalizada por coletivos feministas de modo a ocupar por meses o debate público argentino, a ponto de reverter a corrente de opinião majoritária do seu país, não deixando, pois, alternativa ao Senado senão rever seu veto de dois anos atrás a semelhante projeto de lei.
Em ambos os cenários, um horizonte se avizinha: a equidade de gênero na sociedade política em conjunção com valores políticos recriados pela sociedade civil, na medida em que seus grupos minoritários, até então subalternizados, mostram-se capazes de encontrar uma nova direção na História ao mobilizar recursos próprios para dirigir a si mesmos.
Na Convenção Constituinte chilena, é bom frisar, há variáveis difíceis de prever ou controlar pelos seus atores políticos, pois, como salienta o sociólogo chileno Esteban Silva, ainda é uma questão em aberto a representatividade de associações e movimentos que emergem de setores sociais à margem da política institucional, bem como dos seus povos originários, haja vista a clivagem manifesta nos votos da capital, Santiago, que opuseram o “não” de suas regiões afluentes ao “sim” de suas periferias à reforma constitucional:
Volviendo à Argentina, as franquias conquistadas por suas cidadãs no âmbito dos direitos reprodutivos ganham ares de efeito-demonstração para povos sul e mesoamericanos bastante díspares no que respeita às lutas contra as opressões que encontram nas relações entre os sexos seu lócus concreto. Enquanto Argentina e Chile caminham a passos largos para devolver às mulheres os corpos que elas habitam, Brasil, Venezuela, Paraguai e Guatemala mantêm restrições legais que as empurram para a clandestinidade dos abortos e, logo, para a subcidadania ratificada pelas chances desiguais de sobreviver a eles.
Ora, alguém indagaria, por que voltar nossa atenção para a conjuntura chilena e a argentina enquanto o Brasil vive o seu pandemônio na pandemia? As respostas seriam muitas e cada uma delas guardaria em si o seu grão de complexidade, mas bem poderia resumir como a oportunidade de, pelas lentes da história comparada, avaliar como realidades nacionais não tão distantes assim do estado de coisas em que imergimos no Brasil podem servir de parâmetro para reencontrarmos a mobilização permanente da sociedade civil, um aggionarmento que não se confunde com o mero reagir às instituições, mas que toma a luta institucional como meio e não um fim em si mesmo, potencializando a revolta popular em torno de diretrizes consequentes para um novo pacto social.
Chile e Argentina estão dirigindo o seu futuro ao rever o seu passado autoritário. No Brasil, até quando a transição infinita da ditadura civil-militar será um saque irremissível ao nosso futuro?
terça-feira, 19 de janeiro de 2021
Divulgação: "Wladimir, Covid, Bolsonaro e posse de Biden no Folha no Ar desta 4ª"
A partir das 7h da manhã desta quarta (20), o convidado do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, é o antropólogo Carlos Abraão Moura Valpassos, professor da UFF-Campos. Ele analisará os primeiros dias do governo Wladimir Garotinho (PSD) em Campos e o combate à pandemia da Covid-19 no Brasil de Jair Messias Bolsonaro (sem partido).
O antropólogo falará também sobre a invasão do Congresso dos EUA (relembre aqui) no último dia 6, que dará posse às 13h30 (horário de Brasília) desta quarta a Joe Biden como 47º presidente dos EUA. E a Kamala Harris como primeira mulher, primeira negra e primeira descendente de asiáticos e caribenhos a ser vice-presidente do país. Isso em uma Washington sitiada por 25 mil soldados da Guarda Nacional.
Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quarta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.
Fonte: Blog Opiniões, Jornal Folha da Manhã.
2021: EUA, Brasil e Campos*
Processos sociais e fenômenos biológicos, como o coronavírus, podem até ser influenciados pelos calendários definidos pelos humanos, mas certamente a virada de um ano para outro não representa o arquivamento do que estava em andamento. Assim que o novo ano se apresentou, os desdobramentos de 2020 não tardaram a se manifestar. Nos Estados Unidos, em menos de uma semana em 2021, tivemos o evento que ficou conhecido como “Invasão do Capitólio” - quando apoiadores de Donald Trump entraram no Congresso estadunidense para contestar a derrota de seu líder nas eleições presidenciais. Cabe recordar que um discurso de Trump incitou o ato e que, além das cenas de balbúrdia em pleno templo da democracia, 5 pessoas morreram. Os desdobramentos disso ainda estão em curso, com a possibilidade de impeachment de Trump e de novos tumultos antes da posse do presidente eleito Joe Biden, marcada para o próximo dia 20. Todavia, já é certo afirmar que os eventos de 06 de janeiro entraram para História como uma mácula para o sistema democrático dos Estados Unidos e que os discursos e as posturas de Trump ali manifestaram um pouco de seu potencial destrutivo – poderia ter sido ainda mais grave.
Enquanto a loucura vivenciada nos Estados Unidos era observada com pavor por quase todo o mundo, no Brasil tudo caminhava como em 2020, de tal modo que os eventos do Capitólio, se fossem aqui, poderiam ser confundidos com mais uma das aglomerações causadas por nosso presidente Bolsonaro – que, não por acaso, já foi chamado de “Trump dos trópicos”. Sem manifestar repúdio aos acontecimentos, o presidente limitou-se a declarar que, em 2022, algo ainda pior pode acontecer no Brasil caso não seja implementado um sistema de votos impressos. Obviamente que, tal como em 2020, o presidente continuou flutuando a 5 metros do solo da realidade e desconsiderou que as suspeitas de fraude nos EUA ocorreram justamente em um sistema eleitoral que faz uso de votos impressos.
O recrudescimento do contágio pelo coronavírus, previsto e anunciado por inúmeros profissionais de epidemiologia como efeito das festas de final de ano, se confirmou. A cidade de Manaus, um dos locais mais intensamente atingidos durante a primeira onda, que chegou a ser considerada como um exemplo da suposta imunidade de rebanho, voltou a sofrer drasticamente com os efeitos da combinação entre pandemia e incompetência governamental. E nos últimos dias não faltaram relatos sobre hospitais superlotados, falta de leitos de UTI e, por fim, falta de cilindros de oxigênio. Enquanto isso, o presidente continua a insistir na cloroquina e a questionar as vacinas, afastando-se de qualquer responsabilidade.
Em Campos, 2021 trouxe Wladimir Garotinho como prefeito. Depois de afirmar em campanha que os problemas da cidade eram decorrentes da falta de gestão de Rafael Diniz, pois havia dinheiro, Wladimir não demorou para declarar estado de calamidade pública, confirmando o que Rafael Diniz passou quatro anos repetindo. Em um ato prático e repleto de simbolismo, a gestão de Wladimir começou por realizar mutirões de limpeza, retirando toneladas de entulho da cidade. E se podemos dizer que Rafael Diniz passou parte substantiva de seu mandato tentando, sem êxito, resolver o problema do transporte público, podemos afirmar que ao menos as lotadas ilegais estavam controladas. Com Wladimir, em menos de 15 dias de governo, o problema do transporte público ainda não apresenta respostas e as lotadas voltaram como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, o Prefeito repete a fórmula de Rafael Diniz: culpa a antiga gestão por todos os problemas. A diferença é que, agora, a tomada de empréstimos está no horizonte. E mesmo que a sabedoria popular ensine que “ninguém tem uma segunda chance de causar uma primeira boa impressão”, ainda estamos em meados de janeiro e pode ser cedo para afirmar que “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Texto originalmente Publicado no Jornal Folha da Manhã em 16 de Janeiro de 2021. Também publicado no Blog Opiniões do Jornal Folha da Manhã: https://opinioes.folha1.com.br/2021/01/17/abraao-eua-de-trump-brasil-de-bolsonaro-e-campos-de-wladimir/
quinta-feira, 7 de janeiro de 2021
Entrevista programa Folha no Ar - George Coutinho e Hamilton Garcia de Lima - 30/11/2020
No final do mês de novembro último eu tive o prazer de participar do programa Folha no Ar, da Radio Folha FM (98,3 FM, Campos dos Goytacazes, RJ), junto aos jornalistas Claudio Nogueira e Arnaldo Neto. Fomos entrevistados eu e o professor Hamilton Garcia de Lima (CCH/UENF).
Na pauta conversamos sobre conjuntura política (obviamente), eleições municipais brasileiras e eleições norte-americanas.
O resultado pode ser conferido aí abaixo:
Parte 01
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
Bate-Papo "Religião, Política e Conjuntura Brasileira"
Oi pessoas!
Em junho de 2020 organizamos um papo de alta voltagem intitulado "Religião, Política e Conjuntura Brasileira".
Convidamos para essa conversa complexa ninguém menos que Valdemar Figueiredo, fundador do Instituto Mosaico, e Fábio Py, teólogo, professor do PPGPS/UENF e colaborador daqui do blog.
Também na ocasião fizemos o lançamento do livro "A fraquejada de um país terrivelmente evangélico" do nosso querido Valdemar.
Dentre os eventos virtuais organizados pelo blog em 2020, este foi o que inaugurou os trabalhos :) Como se não bastasse o peso dos nomes dos convidados também há o fato de ser um début, o que torna o papo ainda mais especial.
Em suma, quem quiser conferir o resultado, está no YouTube no canal do blog:
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
2020: Um ano para lembrar*
Ao longo deste ano, de tempos em tempos, voltaram à minha memória trechos de uma música do Midnight Oil que não escutava há muito: Forgotten Years (Anos esquecidos). Em certo trecho, Peter Garret – vocalista da banda, que também foi Ministro do Meio Ambiente e Ministro da Educação, Infância e Juventude da Austrália – bradava: “Os anos mais difíceis, os anos mais sombrios, os anos ruidosos, os anos caídos – Esses não devem ser anos esquecidos. Os anos mais difíceis, os anos mais selvagens, os anos desesperados e divididos... Nós lembraremos, esses não devem ser anos esquecidos”.
É curioso que a banda que marcou minha adolescência tenha voltado à memória cerca de 20 anos depois. Talvez isso tenha relação com o repertório, marcado por músicas engajadas com a preservação ambiental e com a defesa dos povos tradicionais. As lutas musicalizadas pelo Midnight Oil lá nos anos 80 e 90, embora diretamente ligadas ao contexto australiano, tratavam de questões globais e, por isso, faziam sentido para o Brasil já naquela época. Todavia, em 2020, tudo isso se tornou muito mais crítico para o contexto brasileiro – marcado por incêndios e desmatamentos intensos na Amazônia e no Pantanal, sempre com condescendência do Governo Federal.
Em novembro de 2015, quando houve o rompimento da barragem do “Fundão” e os rejeitos da extração de minério de ferro mataram 19 pessoas e escoaram, em forma de lama, para o Rio Doce. Enquanto acompanhava as notícias pela televisão, a lama deslocava-se vagarosamente pelo Rio Doce, deixando um rastro de dúvidas, tristezas, poluição e angústias. Decidi que aquele tipo de evento merecia ser visto de perto. Peguei o carro e fui para Linhares. Lá, as pessoas ficavam às margens do Rio, observando, esperando a lama que chegaria. Diferentes manifestações foram realizadas e, em uma delas, um grupo carregava sobre os ombros um caixão para simbolizar o funeral do Rio Doce. Morte, tristeza e indignação se misturavam. No dia seguinte, fui à praia de Regência, para ver como seria a chegada da lama ao oceano. Funcionários da mineradora Samarco instalavam umas telas na área de mangue, com o suposto objetivo de proteger o manguezal. Parecia sem sentido – e era. Todos sabiam que aquilo era uma encenação, mas o pequeno povoado de Regência foi invadido por repórteres de diferentes redes de televisão e a Samarco precisava passar a mensagem de que se preocupava com as consequências do desastre. Enquanto isso, os surfistas de Regência pegavam as últimas ondas antes da chegada da lama tóxica e prometiam lutar pela vida do ecossistema em que viviam – e que amavam.
O que me marcou nesses dias foi a força das pessoas para resistir à tragédia que estava apenas começando. E nesses momentos, eu lembrava do Midnight Oil e de “Blue Sky Mine” (Mina Céu Azul): “Mas se eu trabalhar o dia inteiro na Mina Céu Azul... vai ter comida na mesa de noite.”... “A Companhia pega aquilo que ela quer”... e a conclusão melancólica da música: “No fim a chuva cai e lava as ruas da cidade de Céu Azul”.
Agora, em dezembro de 2020, as 18 pessoas mortas no episódio de Mariana continuam mortas; a pessoa desaparecida continua da mesma forma. Ninguém foi preso, as indenizações ainda são um mistério. Agricultores, surfistas, pescadores, ribeirinhos em geral e todas as pessoas que dependem do Rio Doce (sobre)viveram sabe-se lá como ao longo dos últimos cinco anos. A Samarco, todavia, retomou suas atividades nessa semana. As ações da Vale do Rio Doce, que um dia perderam valor, já se recuperaram, pois “a Companhia pega aquilo que ela quer” e muitos prefeitos falam da relevância da atividade econômica para suas cidades – “nada é tão precioso quanto um buraco no chão”.
Incêndios como os do Pantanal; desmatamentos como os da Amazônia; negligência, inoperância e irresponsabilidade na gestão da Saúde de um país pobre diante de uma pandemia: esses não devem ser eventos esquecidos. Em tempos de inflamados discursos nacionalistas, parecem estranhas a aniquilação de nosso capital ambiental e a indiferença para com nosso capital humano.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Publicado originalmente em: https://www.folha1.com.br/_conteudo/2020/12/artigos/1268682-2020-um-ano-para-lembrar.html