Inércia, verborragia, nulidade e
extermínio: um governo de traição nacional a pleno vapor[1]
Jefferson Nascimento *
Uma série de documentos comprovam
a negligência do Ministério da Saúde e do Governo Federal na falta de oxigênio
que provocou dezenas de mortes em Manaus. A volta da cobrança de impostos para
importação de oxigênio; as reuniões de integrantes do Ministério da Saúde com
autoridades de Manaus e do Estado do Amazonas, em 03 e 04 de janeiro; a
notificação da White Martins no dia 07; as notificações feitas pela Força
Nacional do SUS, entre 08 e 13 de janeiro; a reunião do dia 11 que teve
participação de Pazuello, bem como a entrevista do prefeito de Manaus no mesmo
dia. A despeito de argumentos sobre envio de recursos, é possível verificar
pelo Portal da Transparência que o repasse de recursos federais seguiu a
legislação ordinária (transferência constitucional, royalties, Bolsa Família,
Auxílio Emergencial e BPC). Isto é, mesmo na situação de calamidade, não houve
repasses extraordinários, tornando Manaus a segunda capital com menor repasse
per capita de recursos federais. Some-se a isso, a cumplicidade advinda da
relação de apoio mútuo entre os titulares do governo federal e Wilson Lima, o
“governador preferido” do presidente, conforme divulgou o site “O Antagonista”.
Nesse cenário de negligência e
abandono, o governo venezuelano anunciou o envio de oxigênio para Manaus. Em
contrapartida, em entrevista, Jair Bolsonaro ironizou Nicolás Maduro e a
Venezuela, zombou da situação econômica do país vizinho e sugeriu que Maduro
adotasse um auxílio emergencial igual ao brasileiro. Quando seria razoável
esperar reciprocidade, caso houvesse um mínimo de altivez. Maduro e Bolsonaro
não são equivalentes com sinais trocados. Por aqui, apesar da verborragia de
ver inimigos em todos os cantos, o governo tropeça apenas na própria
incompetência e falta de quadros. O que seria do Brasil se enfrentasse um terço
das sanções impostas à Venezuela? Negar a simetria não é o mesmo que defender
incondicionalmente Maduro, que enfrenta críticas inclusive de alguns grupos
chavistas e do Partido Comunista da Venezuela (PCV). Discutir a política
venezuelana é tarefa complexa, que exige profunda pesquisa sobre o país e esse
não é o objetivo do texto. Falemos do Brasil.
O fato é que, apesar da
solidariedade dos venezuelanos em enviar o oxigênio, a reação de Jair é a mesma
de sempre: perversidade e infantilidade expressas numa verborragia que tenta
desviar o olhar de sua inércia e nulidade que resultam em extermínio.
Parte I – A negligência, a transferência de
culpa e o autodeclarado como projeção e estratégia.
Uma pergunta retórica vem à
cabeça: o Governo Jair Bolsonaro não afirma que o presidente da Venezuela é
Juan Guaidó? Por que Jair não aconselha Guaidó? Por que Jair não cobra qualquer
prestação de contas das realizações do aliado autodeclarado? Mais: por que não
auxilia o autodeclarado a reverter ao menos parte das sanções econômicas que
torna a situação econômica venezuelana trágica?
Dia 23 de janeiro, fez um ano que
o governo Bolsonaro entende que o governo venezuelano é presidido pelo
autodeclarado Juan Guaidó, com direito ao reconhecimento de embaixadora. Daí a
pergunta retórica!
No entanto, não é uma contradição:
Jair e Guaidó são personagens completamente subservientes a Donald Trump,
ex-presidente dos Estados Unidos. Ambos, cumprem o papel de testas de ferro do
projeto de traição nacional. Para além do caráter estratégico, Jair se
identifica com Guaidó porque, ainda que ambos se apresentem como presidentes,
nenhum deles governa efetivamente. Apesar de ser presidente de direito, Jair não
é muito diferente de um Guaidó com mandato. O presidente de direito não se
constitui presidente de fato, pois nada faz além de transferir culpa.
Jair cobra de Maduro o que ocorre
na Venezuela, legitimando-o. (Com razão, Maduro é o presidente de fato, ainda
que, por estratégia e projeção, o governo brasileiro questione). Por aqui Jair
e seus asseclas transferem a responsabilidade de tudo o que ocorre em seu
governo e no Brasil para o STF, para o Congresso, para o PT, para esquerda,
para a torcida contra, para a imprensa, para todo o mais. Possui mandato, mas
ele mesmo admite: "Não posso fazer nada", como não fez no Legislativo
em 30 anos de mandatos. Jair e Guaidó identificam culpados, enquanto demonstram
para quem quiser ver a incompetência e a inércia, o venezuelano por ser
presidente de mentira, o brasileiro por ser uma mentira na presidência.
Parte II – A oposição da forma e a
convergência no conteúdo: os neoliberais forjam alternativas
Para além da grande imprensa, Rodrigo
Maia, a maioria do Congresso e muitos governadores, como João Doria, fazem uma
oposição de forma. A forma a que se opõem é a atuação caricatural e a
indiferença perversa de Jair. Mas, não só permanecem em silêncio, como apoiam o
conteúdo da traição nacional expressa nas ações de Paulo "Posto
Ipiranga" Guedes. O banqueiro encontrou meios para liquidar o patrimônio
nacional driblando as atribuições do Congresso. São exemplos dessa privatização
silenciosa: vender em partes (como a carteira do Banco do Brasil para o BTG
Pactual abaixo do custo, refinarias, plataformas, subsidiárias da Petrobrás),
inativar empresas estratégicas (como a CEITEC), e o projeto de fechamento de
agências e a demissão em massa do BB para favorecer os grandes bancos.
Doria, o herói da ocasião, também
se opõe à forma caricatural e ofensiva do presidente, mas, não só fecha os
olhos para o “Saldão do Guedes”, como intenta realizar em São Paulo o seu
próprio saldão, o qual incluiria o próprio Instituto Butantan, como anunciou em
Davos. Não atoa, o governo Doria não existiria sem o “BolsoDoria” e sem o
empenho dos bolsonaristas em elegê-lo "temendo o comunismo de Márcio
França!" (Poderia ser piada, mas não é!).
É preciso parar de associar Jair a
transtornos e doenças psiquiátricas. Ao fazer isso para justificar a incompetência
e perversidade de Jair, o resultado é estigmatizar pessoas que realmente precisam
de tratamento médico. A incompetência, a infantilidade e a perversidade de Jair
é parte-integrante de um projeto de traição nacional. A caricatura, proposital
ou não, revolta a maioria e engaja sua base de apoio enquanto o Posto Ipiranga
liquida o patrimônio nacional. De vez em quando, o Posto Ipiranga aparece para
dizer que a economia vai decolar, inventa que a recuperação "em forma do símbolo
de raiz quadrada" é "uma recuperação em V". Mas, no geral, o
caricato ganha a mídia, com o apoio do não menos inepto, Pazuello, enquanto o
Posto Ipiranga realiza o saldão do patrimônio nacional, sem reação do Congresso.
Maia se finge indignado com o caricato e fecha os olhos para o “Saldão do
Guedes” tal como Doria.
Há uma crescente insatisfação ao
governo Doria. A boa-vontade da grande imprensa deu a ele destaque como
antítese ao negacionismo bolsonarista durante a pandemia, oferecendo a Doria
local privilegiado para ser a oposição de Direita à Jair. A insatisfação
crescente virou revolta entre os Bolsonaristas que, de base de apoio, posam
como indignados com aquele que chamam de “O Almofadinha”. Doria seria o
traidor. No entanto, Doria, Wilson Witzel, Carlos Moisés e Wilson Lima contaram
com a onda bolsonarista para se eleger. Todos eles, são expressões de uma
propaganda de renovação personalista para tocar o mesmo projeto neoliberal de
sempre - ainda que Doria e Witzel sejam tratados oportunisticamente como
estranhos no reino de Jair.
Doria se viabilizou pelo BolsoDoria.
Ponto. A revolta dos servidores públicos estaduais (ativos, inativos,
aposentados e pensionistas) com o “confisco salarial” provocado pelo aumento
das alíquotas dos descontos previdenciários não pode ser tratado fora do contexto.
O apoio de grupos pró-Jair às manifestações desses servidores não é mais do que
cinismo. Tal confisco é resultado da REFORMA DA PREVIDÊNCIA (EC 103),
apresentada pela equipe do Posto Ipiranga e publicamente apoiada por Jair e
seus asseclas.
Como refratário da forma caricata
e encantado pelo conteúdo entreguista, Doria apresentou projeto de Lei para
adequar os servidores estaduais à Reforma da Previdência. Em pouco tempo,
veremos o mesmo em várias prefeituras Brasil afora. Vários servidores
municipais passarão por tais "confiscos". O erro era aceitar como
normal que isso afetasse os trabalhadores celetistas (da CLT) e engolir
acriticamente o discurso do privilégio dos servidores federais.
Em tempo, no último dia 14, por
meio da Portaria SEPRT/ME n.° 636, o governo Bolsonaro reajustou em 5,45% a
alíquota de desconto previdenciário dos servidores federais. Esse é o reajuste
anual da alíquota que passou a ser progressiva com a Reforma da Previdência.
Isso mesmo: a alíquota foi e será reajustada pelo INPC (inflação), mesmo não
havendo atualização da remuneração desde 2015 – nem mesmo pela inflação. Para
arrecadar mais, face ao congelamento dos salários dos servidores federais, a
alíquota foi majorada. Se preparem, servidores estaduais e municipais o
precedente está aberto! A reforma aprovada foi iniciativa do governo federal e
pode ser regulamentada em cada estado e município. Doria executou o confisco
autorizado pela EC103, a Reforma da Previdência. Ele não inovou em nada.
O herói do momento nada mais é que
um habilidoso marqueteiro, que consegue se apresentar como alternativa, mesmo
sendo alinhado à mesmíssima política neoliberal, hoje representada pelo “Posto
Ipiranga”. Que nos diga os sucessivos ataques à USP, UNICAMP, UNESP, FAPESP e
aos servidores. A diferença é na forma. O conteúdo é o mesmo.
*Doutorando em Ciência Política – UFSCar
Membro do NEPPLA – Núcleo de Estudos dos Partidos
Políticos Latino-Americanos
** Imagem
disponível em: https://exame.com/brasil/com-avanco-do-covid-19-manaus-comeca-a-enterrar-vitimas-em-vala-coletiva/.
Acesso em 14 de fev. 2021.
[1]
Publicado originalmente em 19 jan. 2021
no blog “O Calçadão”. Disponível em: http://ocalcadao.blogspot.com/2021/01/inercia-verborragianulidade-e.html, acesso em 14 de fev. de 2021.
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