Impressões
sobre Faroeste Cabrunco, filme do diretor Victor Van Ralse
George
Gomes Coutinho
Sou
amigo de Ralse há uns bons quase 30 anos... Nos conhecemos em um tempo em que
nenhum dos dois tinha idade para ter barba. O contexto eram os nossos “loucos
anos 1990” quando estudávamos na antiga ETFC, curso de eletrotécnica. Victor é
um humanista desde sempre e por isso somos amigos até hoje (algo que não posso
dizer de outras pessoas que conheci no mesmo período).
Embora
eu saiba de seu investimento profissional de muitos anos na sétima arte, admito
que fui surpreendido com a ousadia de Faroeste
Cabrunco. Trata-se de obra cinematográfica feita em Campos dos Goytacazes,
norte do estado do Rio, realizada com o importante apoio financeiro do Fundo
Municipal de Cultura de Campos (FunCultura). O filme tem boa parte de sua
equipe formada por campistas, tem roteiro pensado para a cidade, o diretor é
campista...O que poderia advir desse experimento?
Assisti
o filme na última quarta. Fui um dos intrusos na sessão das 19 horas do Cine
Darcy na UENF. Se tratava da pré-estréia do média metragem e tive a honra de
assistir em primeira mão junto da equipe. Eu estava devendo compartilhar essas
impressões até pela honraria que me foi concedida.
Faroeste
é um curioso mosaico de cultura pop e regionalismo. Há citações diversas e vale
“desconstruir” para “reconstruir” a obra de Ralse. Há Legião Urbana? Há! Da
épica Faroeste Caboclo, que certamente ajudou a batizar o filme, veio
justamente um dos personagens, o “general de dez
estrelas”.
Há realismo fantástico latino-americano? Há! Personagens como a Mana
Chica ou o misterioso Peregrino estão ali para isso. Um surrealismo sutil se apresenta
adornando o trabalho.
Há bang-bang spaghetti? De sobra. O filme é todo inspirado nesse gênero
cinematográfico divertido, por vezes meio pastelão, onde mocinhos e bandidos
lutam em meio a uma conquista do oeste norte-americano puramente imaginada (conquista
esta que não foi nada divertida em termos factuais). Por vezes as deliciosas
trilhas de Ennio Morricone estão ali como referências implícitas compondo a
ambiência.
Temos crítica social? Sim, o filme não é chapa branca. Conta com
financiamento público, algo fundamental e iniciativa absolutamente necessária
que deve ser aplaudida, incentivada e aperfeiçoada. A questão é que, a despeito
disso e por vivermos ainda em uma sociedade democrática, Victor optou por
tomadas que doem na carne. O filme é honesto ao apresentar nossas mazelas sociais
como protagonistas da trama. Além disso o diretor demonstra seu indisfarçável
desprezo ante o coronelismo local, coronelismo este que se atualiza em
oligarquias urbanas.
E o campistês? É a linguagem que articula tudo isso. Termos
irresistivelmente regionais como “lamparão”, “cabrunco”, “tisgo” e congêneres
são como agulha e linha que costuram a trama do roteiro conferindo ao trabalho uma
imagem única.
Com tudo isso ainda temos a emoção no coração do campista. Emociona
muito. Nunca tinha visto minha cidade na tela grande. Por vezes fecho os olhos
e algumas imagens me assombram como espectros cinematográficos. Praça São Salvador. A ponte. Mosteiro de São
Bento. Os recortes da planície semiárida. Vi, me reconheci, me
auto-interpretei.
Finalizando, meu irmão de vida, Sérgio Márximo Moreira Gomes Jr., trouxe
o Aikido para esse guisado pop campista. Quem já esteve no dojô e acompanha as
artes marciais como aprendizado (filosofia ou cultura, tanto faz), vai
reconhecer ali boas cenas coreografadas e fieis ao footwork desta moderna arte
japonesa.
É campista? Veja o filme. Duas vezes pelo menos! Conhece a cidade? Veja
o filme, duas, três vezes. Não é de Campos e não conhece a cidade? Pouco
importa. Veja um trabalho muito corajoso da imaginação artística brasileira que
faz milagres a despeito do baixíssimo orçamento.
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