Os Bacellar, o Executivo local e
2024**
George Gomes Coutinho***
No cenário institucional da divisão
dos Poderes temos duas situações quando falamos sobre a mobilidade dos agentes:
a) a permanência no Poder de origem; b) o trânsito de um Poder para outro. A
história política tem incontáveis exemplos das duas situações para todos os
gostos. Temos carreiras solidamente estruturadas e longevas em que há uma vida
inteira dedicada a um só Poder. E há aqueles que transitam demonstrando, por
vezes com brilhantismo, a versatilidade daquele mesmo agente político
individual. Mas, o que explica a decisão, seja por mobilidade, seja por
permanecer onde está? Minha resposta envolve cálculo e paixão.
Agentes políticos não fazem menos
cálculos racionais que os agentes situados analogamente na economia. Custos,
recursos, viabilidade e expectativas. Tudo isso importa, seja para o mercado
econômico ou para o mercado político. O problema é que não somos só cálculo
frio. Nem nós e nem a classe política. Há algo de paixão que dá sabor à
aventura humana. A luta pelo poder e a manutenção da conquista são empreendimentos
custosos. Em troca do quê? Seja em Nicolau Maquiavel (1469-1527), seja em
Thomas Hobbes (1588-1679), as respostas que explicam essa busca existencial dos
agentes políticos transitam entre honra e glória. Quiçá deixar um legado com
potencial de transcender uma vida humana em sua limitada duração. Portanto,
longe de certo cinismo costumeiro da opinião pública, fazer política em seu
sentido profundo vai além do vil metal (embora a atividade seja também meio de
mobilidade social e enriquecimento). A paixão por um projeto, pessoal ou
coletivo, pode despertar o desejo de mudança do agente político de um poder
para outro.
Querer migrar de Poder é lícito e
faz parte das regras do jogo. Entra na construção da biografia do político
profissional e pode ter motivação tanto no cumprimento de imperativos do
momento, por exemplo a missão partidária, ou a busca por glória. Já a
possibilidade concreta da migração, os meios dados pela conjuntura, tudo isto é
de natureza factual. Há ou não há a viabilidade.
É este o espírito da discussão
sobre os Bacellar e a disputa eleitoral em Campos neste ano de 2024.
Os Bacellar são, na atual quadra
histórica, um dos clãs políticos mais bem-sucedidos da região Norte Fluminense.
Sr. Marcos Bacellar, nascido em 1950, o patriarca, e seus filhos Rodrigo, de
1980, e Marquinho, de 1984, somam sete mandatos legislativos, contando os que
estão ainda em vigência. Cinco na Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes
e dois na Alerj. Este capital político acumulado em expansão, que inicia na
trajetória sindical do pai do clã, não encontra par facilmente nas carreiras
políticas locais. Com tudo isso, Marquinho ocupa no momento a presidência da
Câmara de Vereadores. Rodrigo preside a Alerj. Não são figurantes ou amadores.
Presidir Casas Legislativas só é feito alcançável mediante trabalho duro,
leitura dos interesses em jogo, acordos e estômago. E ali permanecer? Razão
estratégica, contemplar demandas e, por vezes, força bruta.
A ambição política do grupo de
alguma maneira encontra síntese bem acabada na trajetória de Rodrigo. Em perfil
elogioso feito pelo jornal Folha de São Paulo em 27 de abril deste ano, o
capital político conquistado por ele é destacado, o que o coloca como um dos
homens fortes da política fluminense. Não por acaso a campanha de Eduardo Paes,
favorito nas pesquisas na disputa carioca deste ano, corteja explicitamente o
deputado campista.
E Campos nessas eleições
municipais? Como eu já disse no programa Folha no Ar em março último, o clã
Bacellar optou por participar terceirizando sua representação na disputa pela
prefeitura. Não virão em nome próprio e não migrarão, em pessoa, do Legislativo
para o Executivo. Marquinho, ao que parece, seguirá disponibilizando seu nome
para a vereança e, assim sendo, conquistará seu terceiro mandato sem
dificuldade.
Verdade seja dita, nenhum Bacellar
assumiu compromisso público indicando que disputaria a Prefeitura neste 2024.
Contudo, dado o indisfarçável investimento em fase de pré-candidaturas, é
impossível que neguem seu interesse no Poder Executivo campista. Pelo
contrário. Os Bacellar já têm sua presença na disputa para o Executivo
emprestando seu capital político, presença e máquina.
A paixão também é indiscutível e
transborda nos duros embates públicos com os Garotinho, outro clã inegavelmente
relevante. Por vezes as brigas são de corar os mais sensíveis e já se tornaram
caso de polícia. A disputa dos pais dos clãs por vezes se replica, em baixos
teores, nas estocadas verbais trocadas entre Wladimir e Marquinho.
Há paixão, portanto. O desejo
também é detectado, mesmo que reprimido na terceirização da presença do clã na
disputa para a Prefeitura e explicitado nos investimentos decorrentes. E há a
frieza do cálculo. Os números, a preço de hoje, indicam que 2024 parece ser o
ano da reeleição de Wladimir Garotinho. Tudo o mais constante é melhor proteger
o capital político angariado pelos Bacellar do desgaste da derrota diante de um
adversário relevante. Afinal, Rodrigo e Marquinho são jovens, demonstram fôlego
e ambição. E 2028, uma nova rodada de disputa, chegará antes do que se pensa.
Talvez lá o cálculo frio vislumbrará uma janela que permita a migração dos
Bacellar para o Executivo caso estes concretamente desejem.
* Foto publicada no perfil de instagram do vereador Marquinho Bacellar. Disponível em: https://www.instagram.com/marquinhobacellaroficial/, acesso em 25 de junho de 2024.
** A primeira versão deste texto
foi publicada em 22 de junho de 2024 tanto na página 4 do jornal Folha da Manhã
de Campos dos Goytacazes, RJ, quanto no blog Opiniões do jornalista Aluysio
Abreu Barbosa, disponível em: https://opinioes.folha1.com.br/2024/06/22/george-coutinho-os-bacellar-o-executivo-local-e-2024/
, acesso em 25 de junho de 2024.
*** Cientista político, sociólogo e
professor no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário