SOBRE PRESTES, BRIZOLA E LULA**
Breno Altman***
A esquerda brasileira, em mais de cem anos, desde a greve geral de 1917, produziu somente três grandes lideranças nacionais, capazes de ter suficiente apoio para assumir protagonismo e comandar o país.
A primeira delas, a mais heroica, foi Luiz Carlos Prestes, principal figura dos levantes tenentistas. Seu período de real influência foi dos anos 20 até os 60. Chefiou a coluna que levaria seu nome, conduziu a insurreição de 1935, passou quase dez anos preso e, apesar da clandestinidade e do clima anticomunista da guerra fria, além dos graves erros cometidos por seu partido e por si mesmo, desempenhou papel de relevo até o golpe de 1964. Não é à toa que encabeçava a primeira lista de cassação da ditadura.
A segunda foi Leonel Brizola. Por seu papel na crise de 1961, quando era governador do Rio Grande do Sul e comandou a resistência que derrotaria o golpe militar em andamento contra a posse de João Goulart, vice do renunciante Jânio Quadros, transformou-se em referência central do trabalhismo, a partir de uma perspectiva nacional-revolucionária que levaria amplas frações dessa corrente, fundada por Getúlio Vargas, ao campo de esquerda. Era a grande alternativa eleitoral das forças populares para o pleito de 1965: em boa medida, a reação militar-fascista se deu para barrar sua caminhada. Desde o retorno do exílio, em 1979, foi perdendo protagonismo, particularmente após 1989, quando não teve votos para passar ao segundo turno das primeiras eleições presidenciais desde o golpe de 1964.
A terceira é Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contrário de seus antecessores, chegou à Presidência da República. Filho do movimento operário e popular que emergiu nos anos 70, seu líder incontestável, logrou forjar base social e eleitoral para, pela primeira vez na história brasileira, levar a esquerda e um partido orgânico da classe trabalhadora à direção do Estado.
Antes que alguém reclame, a nominata não inclui Getúlio Vargas porque o mentor do trabalhismo não era nem nunca se reivindicou de esquerda. Sua trajetória é a de um chefe do nacionalismo burguês que, em seu segundo mandato presidencial, rompeu com os setores hegemônicos da classe à qual pertencia e deu curso a uma inconclusa transição para o campo anti-imperialista.
Tampouco inclui Jango, pelas mesmas razões.
Também Dilma Rousseff está fora dessa tríade. Mesmo eleita e reeleita presidente, sua ascensão, em que pese biografia de bravura e dedicação, é essencialmente expressão do projeto construído por Lula e o PT.
Retomando o fio da meada: apenas três protagonistas de esquerda em cem anos. Não seria motivo suficiente para, apesar de críticas e discordâncias eventualmente procedentes, o conjunto das forças progressistas tratar esses personagens com a prudência devida aos nossos maiores patrimônios?
Mesmo que os listados tenham distintos alinhamentos ideológicos, é inegável seu papel comum, cada qual em um ciclo determinado, de simbolizar a esperança e a unidade do povo contra a oligarquia. Mais que isso, a possibilidade real de derrotá-la.
Dos três, apenas Lula segue vivo e em função.
Como os demais, é nossa dor e nossa delicia. Sofremos com possíveis vacilações e erros, lamentando e até nos revoltando contra certas decisões que parecem desastrosas, além de apoiarmos e aplaudirmos tudo o que fez de positivo. Mas, como cada um de seus antecessores, representa o que de melhor o povo brasileiro conseguiu produzir em sua longa luta emancipatória.
Por essas e outras, defender Lula contra os inimigos de classe é tão importante. A burguesia o ataca com tamanha intensidade exatamente pela esperança que representa junto à classe trabalhadora. Porque ele continua a expressar o caminho mais visível para os pobres da cidade e do campo se imporem sobre os interesses oligárquicos.
Quem não consegue entender isso, e se julga de esquerda, deixa-se paralisar pelo sectarismo, vira as costas para a história e, infelizmente, joga o jogo que a direita joga.
* Imagem disponível em: https://teoriaedebate.org.br/2023/04/14/a-esquerda-brasileira-e-a-questao-democratica-parte-2/, acesso em 22 de junho de 2024.
** Publicado no perfil do "X" pelo autor em 22 de junho de 2024: https://x.com/brealt/status/1804353404581327188. Republicado aqui no blog com autorização do próprio Breno Altman
*** Breno Altman é jornalista profissional. Fundou em 2008 o portal Opera Mundi. Neste ano de 2024 está lançando o livro "Contra o Sionismo" pela Alameda Editorial.
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