Hillary,
Trump e o vira-latismo *
George
Gomes Coutinho **
A maneira pela qual parte da
grande mídia nacional tem acompanhado as eleições norte-americanas não tem
conseguido superar os cacoetes da sociedade do espetáculo. A estética dos
reality shows simplesmente é transposta para o noticiário político sem grandes
adaptações. Tudo se passa como se fosse uma corrida de cavalos onde apostadores
ávidos tentam praticar o risível exercício de adivinhação antevendo qual dos
candidatos ganhará. Neste ínterim, chamadas
na programação da TV brasileira apresentam o maniqueísmo como elemento
demarcador, onde supostamente Donald Trump seria o “mal” e Hillary Clinton representante
do “bem”, com tudo entremeado por teatralização, chistes e comentários nonsense.
Porém, fiquei pensando se haveria
algum tipo de aprendizado para o eleitor brasileiro neste contexto das eleições
que transcorrem no Grande Irmão do Norte.
Uma das primeiras coisas que me
ocorrem é a oportunidade, até agora desperdiçada, de enfrentarmos nosso
vira-latismo. O brasileiro comum sofre da síndrome da jabuticaba
auto-depreciativa: acredita que nossos males são únicos, só encontráveis aqui.
Nossa classe política é a pior, nossas instituições são um lixo e pedidos
emocionados de intervenção yankee por vezes são apresentados no espaço público.Também
poderia ser exorcizada a idealização da sociedade norte-americana como “the land
flowing with milk and honey” ou, em outros termos, um paraíso terrestre construído pela sociedade
de mercado onde se vende rifles no supermercado.
Os ataques pessoais, flertando
com o baixo calão, mostram que a baixaria não é um privilégio da política
brazuca. Mesmo em países centrais este tipo de prática ocorre, sendo a disputa
Trump/Clinton só um exemplo dentre outros tantos. Ao mesmo tempo o vazio propositivo do
populismo de Trump, temperado com xenofobia, sexismo e preconceitos em geral,
diz muito sobre o “americano médio”. A arrogância imperial não encontra em
Trump um fenômeno isolado. Na verdade, o republicano dá voz e personifica parte
daquela sociedade. Voltando ao eleitor brasileiro, cabe pensarmos se ainda
vamos insistir nos EUA como meta a ser seguida, disseminada e imitada. Por tudo
que disse, espero sinceramente que não.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 05 de novembro de 2016
** Professor
de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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