domingo, 9 de julho de 2017

Funkem-se!

Funkem-se! *

George Gomes Coutinho **

Das últimas notícias que me causaram perplexidade há esta: a proposta de criminalização do funk. O autor, o Sr. Marcelo Alonso, é o proprietário de um perfil no Facebook onde se encontrariam memes homofóbicos e islamofóbicos segundo reportagem datada do último 04 de julho assinada por Tom Avendaño do jornal El País. Sua “idéia legislativa” tornou-se agora a “Sugestão Legislativa nº 17 de 2017” no Senado Federal após o apoio formal de quase 22 mil pessoas. A justificativa do autor, disponível no site do Senado, é bastante direta. Segundo ele o “funk” seria “crime de saúde pública”. O autor reedita o termo que revive as práticas higienistas do início do século XX, algo que está muitíssimo na moda neste século XXI. João Doria Jr. e a Cracolândia que o digam. Parafraseando Stallone Cobra, o clássico besteirol de violência estilizada de 1986: “Você é a doença. Eu sou a cura!”.

Não vou torrar meu latim inutilmente em minúcias sobre a relação entre censura e música popular no século passado. Desde o início do século XX diversas práticas foram criminalizadas no código penal que tornaram o samba objeto de perseguição policial. No Estado Novo e na Ditadura Civil-Militar de 1964, vivenciamos a censura de textos, quadrinhas, canções, cordéis, peças de teatro e etc.. Retomar cada um destes casos pouco adiantaria. Dentre as muitas lições do último século, estas também me parecem perdidas.

Ainda assim me causa espécie. Fazendo uma síntese bastante rasa da literatura sociológica e psicanalítica do século passado sobre o autoritarismo e suas vertentes, primeiramente arrisco ressaltar o traço narcísico infantil presente neste tipo de proposta. Irei tentar resumir na perspectiva do pequeno narcisista: ora, o que eu ou meu grupo social consideramos ruim deve ser banido apriori, a despeito do significado que outros agentes sociais possam atribuir para o mesmo objeto ou manifestação sócio-cultural. Há nosso ideal de bom gosto e seguimos arrogantes e auto-centrados acreditando que o mundo deve ser nossa imagem e semelhança. São sujeitos intelectualmente incapazes de compreender a pluralidade de nossa sociedade. O único recado que eu poderia dar para estas demonstrações? Funkem-se!


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 08 de julho de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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