Funkem-se! *
George
Gomes Coutinho **
Das últimas notícias que me causaram
perplexidade há esta: a proposta de criminalização do funk. O autor, o Sr.
Marcelo Alonso, é o proprietário de um perfil no Facebook onde se encontrariam
memes homofóbicos e islamofóbicos segundo reportagem datada do último 04 de julho assinada por Tom Avendaño do jornal El País. Sua “idéia legislativa”
tornou-se agora a “Sugestão Legislativa nº 17 de 2017” no Senado Federal após o
apoio formal de quase 22 mil pessoas. A justificativa do autor, disponível no
site do Senado, é bastante direta. Segundo ele o “funk” seria “crime de saúde
pública”. O autor reedita o termo que revive as práticas higienistas do início
do século XX, algo que está muitíssimo na moda neste século XXI. João Doria Jr.
e a Cracolândia que o digam. Parafraseando Stallone Cobra, o clássico besteirol
de violência estilizada de 1986: “Você é a doença. Eu sou a cura!”.
Não vou torrar meu latim
inutilmente em minúcias sobre a relação entre censura e música popular no
século passado. Desde o início do século XX diversas práticas foram
criminalizadas no código penal que tornaram o samba objeto de perseguição
policial. No Estado Novo e na Ditadura Civil-Militar de 1964, vivenciamos a censura
de textos, quadrinhas, canções, cordéis, peças de teatro e etc.. Retomar cada
um destes casos pouco adiantaria. Dentre as muitas lições do último século,
estas também me parecem perdidas.
Ainda assim me causa espécie. Fazendo
uma síntese bastante rasa da literatura sociológica e psicanalítica do século
passado sobre o autoritarismo e suas vertentes, primeiramente arrisco ressaltar
o traço narcísico infantil presente neste tipo de proposta. Irei tentar resumir
na perspectiva do pequeno narcisista: ora, o que eu ou meu grupo social
consideramos ruim deve ser banido apriori, a despeito do significado que outros
agentes sociais possam atribuir para o mesmo objeto ou manifestação
sócio-cultural. Há nosso ideal de bom gosto e seguimos arrogantes e
auto-centrados acreditando que o mundo deve ser nossa imagem e semelhança. São
sujeitos intelectualmente incapazes de compreender a pluralidade de nossa
sociedade. O único recado que eu poderia dar para estas demonstrações?
Funkem-se!
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 08 de julho de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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