Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas
George Gomes
Coutinho
Não podemos
dizer que está tudo bem em nossa conjuntura. Da Planície Goytacá ao Planalto Central
os legislativos ganharam a atenção da opinião pública ao desafiar seus
executivos dentro da ordem constitucional, com maior ou menor impacto e
guardadas as devidas proporções. Até então essa não deveria ser questão a nos
preocupar dado que momentos de atrito entre poderes estão previstos na arquitetura
das instituições políticas modernas. O maior problema são as reações dos seus
respectivos executivos.
Em Campos vimos
a não aprovação da Lei Orçamentária Anual em rodada ordinária de votações,
fazendo com que a LOA só fosse aprovada no início deste ano.
No âmbito
federal temos instalado o que alguns chamam com bom humor de Maiamentarismo.
Outros chamam simplesmente de “parlamentarismo branco”. Neste caso em
particular muitas vezes as proposições vindas do executivo são repaginadas,
rediscutidas, algumas rechaçadas e outras acatadas.
As reações dos
executivos foram dramáticas nos dois casos. Em Campos o prefeito Rafael Diniz foi
acusado de pressionar o legislativo
e naquele momento certo alarde foi feito na opinião pública nesta cidade onde
parte da economia depende dramaticamente de recursos públicos. Embora a não
aprovação da LOA não atingisse as despesas obrigatórias, vide salários de
servidores e dívida pública, uma narrativa de crítica pesada ao legislativo
local circulou. Contudo as críticas, inclusive as perpetradas por Diniz, se
indicavam certo pendor autoritário, onde o legislativo por vezes é visto como
uma espécie de correia de transmissão do executivo, estas não flertaram
perigosamente com a ruptura institucional. Eram críticas duras onde a população
“comprou” a interpretação de que o legislativo seria uma espécie de inimigo a
ser combatido e refletem antes um sentimento autoritário endêmico que é um
traço de nossa cultura política.
Esta
desconfiança ante o legislativo não é uma novidade. Cabe lembrar Luiz Inácio
Lula da Silva e a acusação de uma Câmara Federal formada por “300 picaretas com
anel de doutor”.
O problema é
onde esta narrativa pode nos levar. A satanização de um dos poderes, ou mais de
um, ignora as recomendações da filosofia política moderna que encontramos em
Montesquieu ou nos Federalist Papers.
Não precisamos entrar aqui nos detalhes das obras desta tradição filosófica
liberal. Basta lembrarmos que dividirmos a responsabilidade dos processos de
tomada de decisão é uma possível prevenção contra arroubos tirânicos. Sim,
estamos falando de tirania.
A história
humana nos mostra que, contrariando Platão e seu Rei-Filósofo, Faróis da
Alexandria tem pés de barro quando decantam na realidade. Sob a égide do
“correto”, do “mais justo”, “do mais sábio”, etc., plenos poderes concentrados não
costumam produzir bom resultado justamente quando reconhecemos a política
enquanto é: humana, demasiado humana, escrava de paixões, caprichos e muitas
vezes impenitente em seus erros.
Retomando a
nossa linha argumentativa factual, sim, legislativos contrariarem os seus
respectivos executivos faz parte das regras do jogo na Democracia
Representativa Liberal, nome completo disto que simplesmente chamamos de
democracia. Diniz quando utilizou de retórica em disputa com seu legislativo
rebelde, embora tenha carregado nas tintas e flertado com certo pendor
autoritário, não atravessou o Rubicão. Apenas surfou a onda do traço
autoritário subjacente que também é parte de nossa cultura política onde os
legislativos são mais vilões do que mocinhos.
Outra coisa muito
diferente e grave é o chefe do executivo divulgar vídeos de apoio a protestos em
março próximo que afrontam as bases institucionais brasileiras vigentes.
Cabe notarmos
que a convocatória dos protestos de 15 de março tiveram por estopim a fala do
General Augusto Heleno onde o Congresso é acusado de chantagear o executivo. O
General recomendou o “foda-se”. O 15 de março talvez seja uma forma de plasmar
o “foda-se” clamado pelo General.
Não nos cabe
discutir aqui crimes de responsabilidade, problema já debatido muitíssimo por
juristas diversos na grande mídia. Mas, neste momento é fundamental
assinalarmos que quando um membro importante do executivo sugere um “foda-se”
em público a um dos poderes e este agente é demasiado próximo do presidente, a
segurança e o respeito pelas instituições encontram-se no volume morto. Para
além disso, denuncia que a teoria política subjacente ao que temos no poder no
executivo federal é qualquer coisa... Mas, não merece de forma alguma o termo “liberal”.
O alerta vermelho prossegue aceso e não dá sinais de que irá apagar tão cedo.
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