O
Aborto no Brasil*
Tivemos nesta semana dois eventos que colocaram a
problemática do aborto em destaque na mídia: as audiências públicas no Supremo
Tribunal Federal do Brasil e a votação da descriminalização do aborto pelo
Senado Argentino. As manifestações de diferentes movimentos sociais, no Brasil
e na Argentina, destacam a relevância política do tema.
Leila Adesse e Mário Monteiro, em uma pesquisa quantitativa sobre o
aborto, indicam que em 1992 foram realizados 1.455.283 abortos no Brasil,
quantidade que caiu para 1.066.993 em 1996 e manteve-se estável até 2005. Nas
audiências públicas no STF, as estimativas mais recentes apresentavam um
quantitativo de cerca de 500 mil abortos por ano. Os opositores da
descriminalização do aborto questionavam as estatísticas e ponderavam sobre
equívocos. Aqui, vale refletir: digamos que as estimativas estejam erradas em
50% - o que seria um erro absurdo -, ainda assim teríamos 250 mil abortos
realizados por ano. Se a criminalização do aborto fosse levada às últimas
consequências, teríamos então cerca de 250 mil mulheres presas por ano. Seria
justo? Viável? Uma outra pesquisa realizada por Débora Diniz e Marcelo Medeiros
concluiu que, em 2010, nas áreas urbanas brasileiras, 15% das mulheres entre 18
e 39 anos já tinham realizado aborto em algum momento de suas vidas. Isso
significa que o aborto é uma prática constante e não pode ser atribuído a um
“perfil”: há mulheres que abortam jovens, outras mais velhas, algumas para não
se tornarem mães na adolescência, outras para não gerar o segundo ou terceiro
filho, brancas, negras etc. Há inúmeros caminhos que levam ao aborto e eles já
foram trilhados por mulheres de diferentes idades, religiões e classes sociais
dentro de quase toda – ou toda – família brasileira. Nos países em que o aborto
foi legalizado não houve um aumento da prática, pois legalizar não significa
impor, mas sim garantir às pessoas que decidem por este último recurso o acesso
a procedimentos seguros. No Brasil, legalizamos o descarte de embriões gerados
por fertilização in vitro, mas
criminalizamos o aborto. Se o ato é o mesmo nos dois casos, por que só é crime
em um deles?
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
*Publicado na Página 04 do Jornal Folha da Manhã em 11 de Agosto de 2018.
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