Questões de Conjuntura – Entrevista com George Coutinho – Parte 2
Questões
de Conjuntura
– Entrevista com George Coutinho – Parte 2
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Aluysio – Jornalista e secretário do governo Flávio Dino
(PC do B) no Maranhão, Ricardo Capelli denunciou que o lulopetismo cobra da
esquerda na oposição o que não fez como governo. Lembrou que o PT escolheu
Michel Temer (MDB) duas vezes como vice de Dilma Rousseff, que teve o liberal
Joaquim Levy como ministro da Fazenda. E que liberal é Henrique Meirelles
(MDB), presidente do Banco Central nos dois governos Lula. Capelli está certo:
o PT prefere perder as eleições presidenciais de 2022 a perder a hegemonia da
esquerda?
Sem dúvida alguma Capelli está
jogando com a concretude da dualidade governo/não governo. E é um excelente
recurso de retórica. O mesmo comportamento, de acusar e cobrar e não praticar
quando se está no governo, é um comportamento estrutural e faz parte do jogo de
disputa argumentativa em prol da obtenção do poder. Já no governo a necessidade
de compor em uma sociedade complexa e heterogênea se impõe.
O problema, dada a realidade
objetiva que constrange, não é compor. Questionável é propor soluções
disruptivas quando se sabe que as mesmas produziriam a ruína de um governo. Aí
nem pau e nem pedra. Nem mudanças abruptas e tampouco mudanças graduais. Tão
importante quanto chegar ao poder é ali permanecer. Por isso os acordos se
colocam como necessidade inelutável... cabe é discutirmos as letras pequenas e
as entrelinhas destes acordos.
Voltando para sua pergunta, eu
acho muito arriscado projetar 2022 neste julho de 2020. O grau de complexidade
do cenário de quarentena e do pós-quarentena, o conjunto de incertezas de agora
e do futuro próximo, não nos permite arriscarmos quais estratégias serão
utilizadas.
Mas, o Partido dos Trabalhadores
segue sendo a maior e mais consolidada legenda do campo de centro-esquerda no
país. É um partido dotado de militância orgânica e de massas. Considero pouco
razoável que o Partido arrisque perder parte deste capital, que ainda é importante
neste 2020, em prol especificamente de uma eleição - um objetivo de menor monta
se compararmos com todo o esforço empregado na construção do capital político
do Partido. Seria se secundarizar enquanto alternativa, seguir a via do PMDB
para não sair do poder. Não me parece, por agora, via identificável na história
do PT.
Aluysio - Não integrar a Frente Democrática
com os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), e o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), é reflexo do personalismo do projeto
lulopetista? Ciro está certo ao culpar Lula e o PT pela ascensão de Bolsonaro?
Me parece mais algo que envolve o
capital político adquirido pelo PT em 40 anos, o que o torna ainda o único
partido de massas com capilaridade na sociedade, do que propriamente uma
decisão personalista. Sem a objetividade da magnitude da máquina qualquer
vaidade seria risível ou inócua a despeito de quem quer que fosse a liderança,
o que inclui Lula.
Não é racional, na perspectiva de
uma máquina partidária do tamanho do PT, compor de maneira a se permitir guiar
por uma liderança a qual não reconheça legitimidade. Não faz sentido em termos
de auto-interesse e das perspectivas de sobrevivência da própria máquina.
O PT enquanto coletividade, que
obteve importantes resultados no Nordeste brasileiro mesmo nas eleições de
2018, me parece que segue também coerente com a sua compreensão dos fatos do
segundo governo Dilma para cá. Isto o torna arredio, para dizer o mínimo, em
compor abertamente com lideranças da centro-direita que tanto questionaram os
resultados eleitorais de 2014 quanto ajudaram a inviabilizar o segundo governo
Dilma, isto a despeito dos equívocos diversos praticados pelo staff de Dilma
desde a segunda metade de seu primeiro mandato.
Sobre Ciro Gomes, é importante
colocar o seu discurso nesta temática como parte das estratégias de disputa
pelo eleitorado de centro esquerda e da centro direita. Responsabilizar Lula
pela ascensão de Bolsonaro é uma meia-verdade. Sem dúvida o conjunto de
experiências do PT no poder no século XXI ajuda a explicar sim a formação do
capital político que Bolsonaro angariou. Porém me parece carregar demais nas
tintas responsabilizar o candidato que estava em primeiro lugar nas pesquisas e
foi preso, retirado da disputa, poucos meses antes do pleito, pela vitória de
um de seus adversários.
A eleição de Bolsonaro é
resultado de um conjunto complexo de variáveis. Responsabilizar diretamente
Lula por isso não é estabelecer relação causal sustentável. Funciona como
recurso de retórica na disputa pela atenção do eleitorado. Mas, é desonesto
intelectualmente se visa explicar a ascensão de Bolsonaro e do bolsonarismo.
Aluysio - Condenado em 2ª instância em dois
processos da Lava Jato e réu em outras cinco ações penais, Lula está livre, mas
impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa que aprovou quando presidente.
Ele terá condições legais de um dia voltar a disputar mandato? Saiu da prisão
maior ou menor do que entrou? E Moro, seu algoz, do governo Bolsonaro?
Não creio que Lula seja, nesta
etapa de sua trajetória política, um candidato viável para a presidência.
Certamente poderia ser eleito senador da república. Mas, para presidência....
Lula sintetizou ódios,
ressentimentos e demais antipatias de amplas parcelas do eleitorado brasileiro.
É importante reforçar isso. Para
termos uma candidatura viável em um pais com as dimensões do Brasil e com a
respectiva heterogeneidade do eleitorado, um candidato precisa ir além de seus
apoiadores. Precisa angariar, disputar votos em agrupamentos que transcendem
seus eleitores identificados ideologicamente com seus valores e programa.
Lula fez isso pacientemente de
sua primeira campanha presidencial no final dos anos 1980 até o início deste
século. Foi um trabalho persistente que, atrelado a fatores conjunturais do
término do segundo governo FHC, produziu a primeira vitória na disputa
presidencial do Partido dos Trabalhadores. O termo “tempestade perfeita” se
aplica aqui.
Neste momento, até mesmo por sua
idade, não creio na viabilidade de um “projeto Lula” para os anos 2020 a partir
das evidências que temos neste momento. Porém, claro, ocorrendo fatos novos de
relevância podem ocorrer mudanças neste diagnóstico.
Só não sei se Lula sai
propriamente maior ou menor...Ele tem sido tensionado por determinadas
declarações impensadas e para além disso, em termos eleitorais, segue inviável...
E talvez a questão de sua inocência ou não seja francamente irrelevante para
parte do eleitorado que jamais teve apreço por jogar nas regras do jogo.
Importava muito mais retirar Lula da disputa de 2018 e isto foi feito. Não cabe
superestimarmos os efeitos práticos de uma questão moral no cenário político
brasileiro. A moralidade é argumento ad
hoc na cultura política.
Sobre Moro, é importante olharmos a sua trajetória. Ele representou os
anseios, e soube utilizar isso habilmente na mídia, da busca por uma solução
para a corrupção dos governos do Partido dos Trabalhadores. E assim atuou.
Porém, comparando com Lula, temos
algo francamente desproporcional. Sérgio Moro falou a atuou para seus
convertidos de sempre, a classe média branca e tradicional, e para seus
simpatizantes de ocasião. Intelectualmente foi discutido e desmontado diuturnamente
por seus adversários no campo jurídico... Flertou com práticas na margem do
Estado do Direito que contavam com a legitimação de aficionados por filmes de
gangsteres onde qualquer ação, mesmo que flertando com a ilegalidade, valeria
por “combater um mal maior”...
Portanto, Moro sempre foi visto
como ser vil, medíocre e um problema para o Estado Democrático de Direito para
parte da população. E segue uma espécie de gigante moral para determinados
setores, sendo estes quantitativamente cada vez em menor número.
Contudo, nesta conjuntura,
poderia ser um candidato bem sucedido ao senado federal. Sua carreira política
pode prosseguir e ele ainda tem capital político para isso. Porém, ironicamente
tal como Lula nesta conjuntura, talvez não tenha capital político para se
lançar em voos mais altos.
Aluysio - Ninguém à direita ou à esquerda, no Brasil ou no
mundo que nos acompanha, crê que Bolsonaro se elegesse presidente em 2018, sem
que Donald Trump o tivesse feito antes nos EUA, em 2016. Se o moderado Joe Biden
vencer as eleições presidenciais de lá, em 3 de novembro, como indicam as
pesquisas até aqui, o eixo político do mundo migrará ao centro?
As eleições norte-americanas,
desde o pós-Segunda Guerra, interessam a um público que vai muito além do que
seu próprio eleitorado nativo.
A vitória de Trump sem dúvida produziu um
importante “empoderamento” de projetos extremistas de direita no mundo.
Polônia, Hungria, Brasil, Itália... Conferiu energia a partidos de extrema
direita também na Grécia, Espanha, França...
Não coloco as Filipinas de
Duterte aqui pelas especificidades deste governo.
Prosseguindo, não por acaso Steve
Bannon, ideólogo de extrema direita que teve sim contribuição relevante na
eleição de Trump, tentou engendrar uma “Internacional Populista”... E até mesmo
fez um uso, pasmem, positivo do termo “populista” ao referir-se ao seu projeto
e ao de seus simpatizantes/liderados/seguidores.
O que afirmo neste momento é que
Trump derrotado interessa simbolicamente sim para grupos da centro direita que
“jogam no jogo” da ordem democrática e aos agentes de diferentes matizes do
campo progressista. Contudo, não há garantias de um encaminhamento para o
centro em todas as realidades nacionais. Por enquanto pode implicar no
retraimento da extrema direita e da direita radical, o que já não é pouca
coisa.
É importante pensarmos nos
impactos da pandemia. Economias em frangalhos e a demanda pela volta do Estado
enquanto agente talvez produza, na verdade, importantes vitórias para a
esquerda social democrata em muitas realidades nacionais. Também pode projetar
a centro direita conciliadora em determinadas disputas.
Aluysio - Quando o socialista Bernie Sanders ainda liderava
as primárias democratas a presidente dos EUA, o filósofo da USP Vladimir
Safatle, que já tinha causado grande impacto com o artigo “Como a esquerda
brasileira morreu”, disse em entrevista ao jornalista Mario Sergio Conti
identificar elementos “revolucionários” tanto no projeto de governo de Sanders,
quanto no governo Bolsonaro. No sentido de que, mesmo em espectros políticos
opostos, ambos tentavam romper com o status quo, ao qual o PT aderiu no poder.
Como você vê?
Creio que voltamos para o início
de nossa entrevista.
O termo “revolucionário” entre
aspas me parece interessante. O termo revolução sem aspas implicaria revolver e
romper com estruturas consolidadas que determinam o funcionamento sistêmico de
uma dada realidade social.
Mas, sim, Sanders seria
“revolucionário” ao praticar, ora quem diria, algumas medidas que encontram
paralelo com as impetradas pela Europa que derivaram no Welfare State nos
chamados “anos de ouro do capitalismo” como diria o historiador Eric Hobsbawm.
A questão é que tais medidas são
tão dissonantes com os EUA que elegeu décadas atrás Ronald Reagan e seu projeto
neoliberal, um país que detém uma perspectiva de atuação em termos
previdenciários e de saúde coletiva tão radicalmente individualizados, que
Sanders poderia implicar em uma mudança importante e gerar uma sociedade mais
inclusiva...
Os EUA, dentre os países ricos e industrializados,
é o que detém os piores e mais aviltantes índices de desigualdade social. O
caso George Floyd é a representação disso que estou falando. Sanders poderia
abalar essa configuração sócio-econômica e demonstrar que os EUA podem ser
diferentes. Mas, mesmo assim uma realidade social tão consolidada precisaria de
um pacto nacional para ser implementado e sustentado por décadas para então
surtir efeito.
Nenhuma sociedade complexa tem
por solução um mandato presidencial. É preciso construir pactos transgeracionais
para termos sustentabilidade para projetos de grande monta. Isto vale para os
EUA, Brasil, etc..
Bolsonaro também seria
“revolucionário”, entre aspas, ao desmontar o espirito da Constituição de 1988:
justamente ali tínhamos o esboço de um Estado de Bem-Estar Social juridicamente
pavimentado. Uma constituição socialmente avançada para a nação que é dotada de
índices insuportáveis de concentração de renda. Constituição socialmente
avançada para uma realidade periférica que detém índices sociais bárbaros.
O Governo Temer tangenciou com
pudores esse processo de desmonte da Constituição de 1988. Porém, por “n”
razões, não tinha poder de fogo suficiente para levar a cabo este projeto. Vide
o fato da aprovação do chamado “Teto de Gastos”, que se mostra a provável causa
de um shutdown no próximo ano, e a
derrota de sua proposta de reforma previdenciária. Temer ficou na metade do
caminho.
Bolsonaro, como afirmei na
primeira pergunta, é eleito com um projeto de refundação da sociedade
brasileira no âmbito dos costumes, algo que só poderia se concretizar
faticamente com um regime autoritário que perseguisse todas as formas de viver
que fugissem do que se considera idealmente a família tradicional cristã. Seria
uma “revolução” no âmbito de retração dos direitos civis.
Mas, também implicaria a
dilapidação do Estado que já é proporcionalmente, em termos comparativos internacionais,
muito menor do que o senso comum afirma ser. O projeto de Bolsonaro no poder
implicaria a radicalização da responsabilização individual dos cidadãos na
sociedade brasileira, seja em termos de segurança individual armando a
população, o home schooling enquanto
solução educacional, trabalhadores sem qualquer tipo de amparo de legislação
social sendo responsáveis individuais quanto a sua sorte no envelhecimento,
etc..
Para isto o aspecto
“revolucionário” do governo Bolsonaro residiria na destruição sistemática e
cotidiana da Constituição de 1988 e seu legado. Algo que conta com apoio direto
de parte do empresariado brasileiro e de grupos do setor financeiro que
consideram o projeto CF 1988 um óbice.
Aluysio - Como analisa a ameaça a cada dia mais séria de
impeachment do governador Wilson Witzel (PSC), ex-juiz federal e fenômeno
eleitoral de 2018, na esteira do bolsonarismo? E quais suas perspectivas para
as eleições a prefeito de Campos em 15 de novembro?
Mais uma vez precisaremos dividir a resposta.
Primeiramente, no caso de Witzel,
vemos é o prosseguimento da tragédia político-institucional fluminense. O
impeachment, e não entrarei aqui no mérito da questão, é sempre um processo
traumático e gera instabilidade inegável agravada por este momento particular,
a pandemia, onde os esforços do aparato estatal deveriam se concentrar no
enfrentamento da crise sanitária.
É importante colocar em relevo o
expressivo placar pró-impeachment de Witzel na ALERJ: 69 votos favoráveis e uma
abstenção. Algo como um mineiratzen político.
Até mesmo este placar
representativo indica a necessidade de um tipo de esforço de composição com a
ALERJ que considero inimaginável.... Caso ocorra e Witzel seja bem sucedido, a
ALERJ precisará explicar para a população fluminense as razões para tal
reversão.
Por enquanto já compreendo que a
ALERJ já fez sua opção pelo impeachment do governador. O custo de reconsiderar
a decisão politicamente pode ser insuportável.
Já Campos se mantém com um
cenário de disputa eleitoral em nítida movimentação e com as singularidades de
um pleito que precisa conviver com importantes restrições de circulação social.
Os agentes políticos seguem se apresentando para a disputa no executivo e no
legislativo.
Porém, dadas as imposições da
conjuntura, a disputa ainda não ganhou em temperatura.
E, o que é bastante
sério, ainda não me parece que derivou em formulação de projetos, propostas
para a cidade. Espero que este ponto, o que verdadeiramente importa, seja
sanado pelos interessados nas próximas semanas. Campos necessita de algo mais
do que improvisos, medidas pontuais, personalismos.. Campos precisa de ação
sistemática e inteligente para lidar com as suas demandas.
* The Burning Giraffe, Salvador Dali. Imagem originalmente disponível em: https://www.dailyartmagazine.com/salvador-dali-the-burning-giraffe/, acesso em 15/07/2020.
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