segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Entrevista Valpassos Folha da Manhã sobre Situação de Campos dos Goytacazes



Entrevista de Carlos Abraão Moura Valpassos ao Blog Opiniões do Jornal Folha da Manhã. - Publicado em 01 de Agosto de 2020.
http://opinioes.folha1.com.br/2020/08/01/eleicao-de-novembro-define-prefeito-nao-quem-paga-a-conta-de-campos/

FM – A Prefeitura enviou à Câmara Municipal uma previsão orçamentária para 2021 de R$ 1,7 bilhão. Mas, pela crise econômica advinda da Covid, há previsão de que isso possa cair até para 1,5 bilhão até a LOA ser encaminhada em agosto. Com R$ 1,1 bilhão comprometido só com folha de servidor, há solução aritmética para Campos? Qual?
CAMV - A solução aritmética é simples e já se insinua no enunciado: a quantidade de dinheiro disponível ficará abaixo do desejado. As perspectivas não são alvissareiras e isso impõe a necessidade de planejamento. Para enfrentar o cenário negativo, será preciso criar receitas, ou seja, trazer investimentos para Campos. Isso demanda planejamento de ações e eficiência para colocar em prática aquilo que for planejado. A próxima gestão não poderá ser alicerçada sobre um discurso que não ganha materialidade. Para tanto, será necessário valorizar aquilo que já existe – agricultura e pesca, por exemplo - e incentivar a implementação de empresas e indústrias, sem desconsiderar as que já estão aqui e também o setor de serviços.

FM – Fala-se muito da reforma administrativa. Que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) teme propor desde os protestos no Chile de 2019. Ninguém projeta que entre em pauta antes de 2021, com mudanças ao servidor só para concursos futuros, como frisa o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ). Campos pode esperar 35 anos até que essas novas regras, ainda nem debatidas e aprovadas, tenham impacto em sua folha? Qual a alternativa? Cortar unidades e programas de saúde, de assistência social, creches e escolas?

CAMV - Não vejo como cortar os programas de saúde, de assistência social, as creches e as escolas possa ser solução para qualquer questão. Se for feito, o que teremos será uma problema administrativo contornado por agravamentos de problemas na área de saúde, de incremento da pobreza – o que vai se converter em diversos outros problemas – e de educação. Há inúmeras questões de grande complexidade que começam a ser simplificadas quando descartamos as alternativas absurdas. Essa parece ser uma delas. A cidade possui um problema crônico que não será desfeito pelo mero desejo e a resposta para isso dificilmente será dada nos próximos 4 anos.

FM – No Código Civil de 2002 há a resolução da “onerosidade excessiva”, de aplicação sempre controversa. Seria um caminho à insolvência financeira dos entes federativos, pior no Estado do Rio e em Campos, pela dependência do petróleo? Ou em tempo de crise com a pandemia da Covid, seria o momento de o estado em suas três esferas romper com a austeridade e assumir o papel de indutor da economia, como preconizava John Keynes?

CAMV - É valido pensar sobre os resultados que estamos obtendo com as medidas de austeridade. Obtivemos melhoras na saúde ou na educação? Nosso IDH sofreu alterações positivas? Tais medidas reduziram a concentração de renda? As finanças caminham para um equilíbrio? A resposta é negativa para todas as questões. O Brasil vive um momento onde o Estado é apontado como fonte de todos os problemas, morais e econômicos. O setor privado é muitas vezes pensado como algo positivo e eficiente. E isso não se confirma nem de um lado, nem de outro. O Estado pode e deve ter papel central como motor propulsor da Economia, gerando empregos e fazendo girar o capital, mas, sobretudo, descentralizando os recursos – que não podem ficar disponíveis apenas para grandes empresários.

FM – Em entrevistas ao programa Folha no Ar, todos os pré-candidatos a prefeito de Campos entrevistados falaram em necessidade de redução da máquina municipal. Até a ex-vereadora Odisséia Carvalho, do PT, partido tradicionalmente ligado aos servidores públicos. Mas nenhum deles deu detalhes de como e onde. Qual a sua visão?
CAMV - Não acredito que o problema será solucionado na próxima gestão, seja ela qual for. O simples fato de nenhum dos entrevistados ter dado detalhes sobre como reduzir a máquina municipal já é um indicativo disso. Ou vamos acreditar que um raio de luz cairá sobre a pessoa eleita, no primeiro dia de 2021, para que ela resolva a questão? Os gastos da folha representam um desafio, sim, mas é preciso ter em mente que a cidade possui diversas outras questões que podem atenuar o problema ou intensifica-lo. Afinal, quando foi que a folha de pagamentos se tornou uma questão central? Isso se deu após a redução das receitas dos royalties. A dependência do petróleo parece ser o ponto crucial, a origem de vários problemas.

FM – Sempre mais visível em quem está no poder, a contradição entre o discurso de campanha e a realidade do governo é realçada na pré-candidatura à reeleição do prefeito Rafael Diniz (Cidadania). Que, em 2016, prometeu manter programas sociais, valorizar o servidor e, em 2020, enfrenta a rejeição por não ter cumprido. Em que o prefeito errou? Como ele ou qualquer outro adversário de novembro poderiam acertar entre discurso e realidade?
CAMV - Rafael Diniz não caiu de paraquedas na Prefeitura. Em primeiro lugar, ele é cidadão de Campos; em segundo, e ainda mais importante: ele era vereador. Ele sabia muito bem qual era a situação econômica do município. A questão que me surge é: ele sabia que seria eleito? Se sabia, não se preparou devidamente para o que estava por vir. Em pouco tempo de governo, ele já estava solicitando paciência e o prazo de 1 ano para começar a governar. Todavia, com cerca de 6 meses ele quebrou suas promessas, fechou o restaurante popular e encerrou o programa social das passagens de ônibus. A gestão de Rafael está chegando ao fim e ele não cumpriu as promessas de campanha, nem as de governo, pois até hoje não temos um restaurante popular nem um sistema de transporte público eficiente. Ter um planejamento de governo é algo crucial, não basta a boa vontade e a esperança de que tudo vai se resolver quando o “jogo” começar.

FM – Outro pré-candidato a prefeito de Campos no Folha no Ar, Roberto Henriques (PC do B) classificou de “modelo perdulário” o que teria sido instalado no município a partir do governo Arnaldo Vianna (PDT), com inchaço da máquina pública custeado pelo incremento substancial das receitas do petróleo. Para Henriques, isso foi mantido nas gestões Alexandre Mocaiber (sem partido), da qual foi vice, e Rosinha Garotinho (Pros). Concorda? Por quê?
CAMV - Não sei se “perdulário” seria o melhor adjetivo, mas há de se reconhecer que faz sentido. Todavia, acho que “irresponsável” seria mais claro e objetivo. Sempre acreditei que os recursos originados dos royalties deveriam ter um propósito social e atuar como uma compensação às futuras gerações por aquilo que foi retirado do território. Nesse sentido, os recursos dos royalties deveriam ter sido investidos para promover um legado que seria usufruído no presente e, sobretudo, no futuro. Isso aconteceu? O que sobrou da época de farturas? Houve responsabilidade no emprego das verbas? Quando um cidadão campista pode dizer “felizmente temos isso aqui, que foi algo realizado na época boa dos royalties e dura até hoje”? Pois é. Dito isso, só nos resta discutir se fica melhor chamar de perdulário, irresponsável ou qualquer outro adjetivo...

FM – Pelo fato de Arnaldo e Mocaiber serem médicos, categoria sempre corporativa, um grande inchaço da máquina foi na saúde. Matéria de agosto da InterTV alertou que enquanto a OMS indica, para cada mil habitantes, o ideal de um médico, Campos tem três. E ainda assim a saúde é um dos principais motivos de queixa da população. Rosinha tentou enfrentar a classe, mas recuou. Assim como Rafael, com o ponto biométrico. Mas também voltou atrás por conta da pandemia. A categoria importante e ruidosa dá um raio-x do dilema da cidade?  

CAMV - Não se cabe dizer de uma categoria que ela seja “sempre corporativa”, pois isso encobre as disputas internas e as divergências que marcam diversos grupos profissionais. Se a OMS indica 1 médico para cada 1.000 habitantes e Campos possui 3 para cada 1.000, isso deveria se ser muito bom e se refletir em um sistema modelo de atendimento de saúde. Todavia, isso não acontece. Em primeiro lugar, precisamos lembrar que médicos não trabalham apenas com presença de espírito, eles precisam de estrutura e insumos específicos. Temos isso? Nossos postos de saúde estão sucateados há muito tempo; faltam medicamentos, equipamentos e há casos onde atendimentos são realizados em salas mofadas. Acredito que os médicos podem e devem ser cobrados, mas o questionamento teria maior legitimidade se as condições de trabalho fossem adequadas.

FM – A conta do desperdício dos royalties começou a chegar a partir do final de 2014, com a queda do preço do barril de petróleo. Não por acaso, a partir dali o governo Rosinha realizou suas três “vendas do futuro”. Os garotistas tentam minimizar seu impacto, que comprometeram as receitas do petróleo de Campos até julho 2026. Como você avalia?
CAMV - Não é possível minimizar o impacto das “vendas do futuro” para Campos. A cidade possui um histórico monocultor, viveu quase todo o século XX dependendo da produção de cana-de-açúcar e migrou, no final do século, para a dependência do Petróleo. Dependente de um mercado que não controla, Campos se viu em péssima situação quando ocorreu a desvalorização do barril do petróleo e, com os empréstimos contratados, assumiu uma dívida que perturba mensalmente o orçamento da cidade. A folha salarial não deixaria de ser uma questão se não tivéssemos o pagamento dessa dívida, mas ela teria outro peso no orçamento. O tal “futuro” virou “presente” de forma rápida e não houve geração de receita para tapar o buraco – aí está algo que o prefeito Rafael Diniz pode chamar de “herança maldita”.


FM – Além das “vendas do futuro”, o relatório da CPI do PreviCampos revelado na Câmara Municipal, na última terça (28), apontou um desfalque de R$ 500 milhões na previdência do servidor durante o governo Rosinha. Fruto dele, o município tem que colocar todo mês R$ 6 milhões para manter as aposentadorias e benefícios em dia, além dos R$ 4,5 milhões da contribuição patronal e outros R$ 4,5 dos previdenciários. Como estancar essa sangria?

CAMV - O relatório da CPI do PreviCampos ainda terá muitos desdobramentos – políticos e judiciais. O desfalque ali realizado cria mais um gasto para o município – gasto que poderia ser empregado em diferentes políticas sociais. Independente dos desdobramentos judiciais, parece pouco provável que o município consiga reaver as quantias que foram retiradas do PreviCampos, o que significa que a cobertura dessa dívida tende a ser incorporada, como tem sido, aos gastos da Prefeitura. Tal relatório parece refletir, de modo explícito, os maus usos do dinheiro público em Campos dos Goytacazes, bem como os efeitos deletérios da luta entre grupos políticos que se alternam no poder há mais de 40 anos.

FM – Marcadas para agosto e setembro, se as convenções fossem hoje, o candidato garotista a prefeito do PSD seria o ex-vereador Fábio Ribeiro, não o deputado federal Wladimir Garotinho, como a Folha divulgou em primeira mão em 25 de julho. Isso deve ser encarado como a confissão política de que o quadro financeiro da Prefeitura é financeiramente insolúvel?     
CAMV - Não tenho como afirmar que seja uma confissão política de que o quadro financeiro é insolúvel, mas o argumento é forte. Wladimir Garotinho é deputado e tem mais dois anos de mandato pela frente. Talvez seja mais promissor para a cidade tê-lo como deputado, atuando por causas da cidade, do que como prefeito. Isso, todavia, é uma forma muito idealista de encarar a situação. A ausência de Wladimir no pleito eleitoral cria, de antemão, uma mácula sobre o nome que o substitui. O problema financeiro, todavia, não foi suficiente para afastar as intenções dos outros candidatos, que não são incautos, mas também não apresentaram, até o momento, soluções razoáveis para muitos dos problemas da cidade. Não há indícios de prosperidade num futuro próximo.

FM – Em valores corrigidos pelo INPC, Campos recebeu de royalties e participações especiais (PEs) R$ 4,67 bilhões de 1999 a 2004, com Arnaldo; 6,94 bilhões de 2005 a 2008, com Mocaiber; e 12,06 bilhões de 2009 a 2016, com Rosinha. Em conta que desce a ladeira para 2021, Rafael teve, até 2020, R$ 1,84 bilhão. Juntos, os três prefeitos anteriores tiveram 23,67 bilhões. Acredita que os quase 600 mil campistas tenham a noção da chance histórica que a cidade desperdiçou? Qual seu legado, além de uma máquina inchada e insustentável?

CAMV - A população tem consciência dos erros cometidos em todas as gestões. Todavia, estamos em uma cidade pobre, em diversos sentidos, e a Prefeitura é responsável, direta ou indiretamente, por boa parte da renda das famílias. Aqui, aderir a um candidato ou a outro significa apostar nas possibilidades de obter trabalho e renda ao longo da próxima gestão. Não é uma questão de ignorância política ou histórica, simplesmente, é o resultado de uma disputa de poder, em um contexto de pobreza, que leva muitas pessoas a tornarem a política não uma questão de planejamento para o bem coletivo, mas sim como uma forma de obter recursos no curto prazo. Um bom exemplo foi o áudio vazado, recentemente, de um vereador de Campos explicando como pressiona seus funcionários contratados para que obtenham votos para ele. Seria essa a função de um vereador? Seria essa a função de seus assessores, trabalhar para que ele obtenha votos?
O que a população de Campos perdeu com o uso irresponsável dos royalties foi um conjunto de oportunidades para superar a dependência da Prefeitura e do petróleo. Qual foi o legado? Não sei, acho que, quando a pandemia passar, deveríamos refletir sobre isso sob os arcos do Canal Campos-Macaé – que, apesar da maquiagem, continua sendo chamado de valão.

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