Entrevista - O que esperar da vitória de Biden ou Trump na eleição presidencial dos EUA? – Parte II *
Aluysio Abreu Barbosa
A frase já
virou lugar comum. Após atravessar o rio Rubicão com suas legiões, para pôr fim
à República de Roma, Júlio César vaticinou: “A sorte está lançada”. Com o mundo
observando, como talvez nunca tenha feito e dificilmente voltará a fazer, os
dados param de girar nesta terça (03) nas urnas dos EUA. E determinarão seu
próximo presidente e os rumos da humanidade. Para entender o que está em jogo e
o que mudará, a depender da escolha do complexo colégio eleitoral estadunidense
entre o presidente republicano Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden,
tão favorito nas pesquisas como foi a derrotada Hillary Clinton em 2016, o blog
ouviu o historiador Arthur Soffiati, o cientista político e sociólogo George
Gomes Coutinho e o sociólogo Roberto Dutra. Os dois primeiros, professores da
UFF-Campos, o terceiro da Uenf. Eles analisaram o que pode acontecer, caso
Trump ou Biden ganhem a eleição. E como isso deve afetar, além do mundo em que
a China também acena como superpotência, o Brasil de Jair Messias Bolsonaro.
Opiniões – Os EUA são o único país do mundo
que elege seus governos de quatro em quatro anos, desde 1789. Tradição que
mantiveram mesmo quando Washington foi incendiada pelos britânicos na Guerra de
1812, na divisão fraticida do país na Guerra de Secessão (1861/1865), nas I e
II Guerras Mundiais (1914/1918 e 1939/1945), Guerra da Coréia (1950/1953), do
Vietnã (1955/1975), nas duas Guerras do Golfo (1990/1991 e 2003/2011) e na do
Afeganistão (2001 até hoje). Não são provas de fogo demais para uma democracia
temer por Trump? Por quê?
Arthur – Por esse aspecto, a
República dos Estados Unidos é notável: teve apenas uma Constituição com
emendas, enquanto o Brasil teve sete, também com emendas e nem sempre
resultantes de assembleias constituintes livres e populares. Idem para o Chile,
que acaba de dar um bom exemplo. Os Estados Unidos também repeliram
historicamente golpes de Estado. Mas a democracia dos Estados Unidos não é
plena por conta da eleição indireta. Nem sempre que ganha nas urnas se elege. O
colégio eleitoral foi criado para evitar o governo de aventureiros e acabou
elegendo um. Confesso que vejo em Trump uma ameaça muito grande à democracia
dos Estados Unidos. Ele já vem manchando a Constituição sem precisar rasgá-la.
Vejamos o caso da indicação de uma juíza conservadora já empossada como mais um
trunfo para sua reeleição. E o tempo todo ele põe à prova a Constituição do
país. Estaríamos, então, vivendo uma distopia.
George – O ponto fora da curva na
história norte-americana na conjuntura Trump é justamente o questionamento da
legitimidade tanto do rito periódico eleitoral de sucessão de governantes
quanto das instituições em si. Parte do eleitorado mais radical de Trump o
projetou justamente por seu discurso de quebra do establishment. E por
establishment me refiro a tudo o que eu comentei anteriormente. Establishment
pode ser substituído por Estado de Direito. A democracia representativa é um
regime fascinante justamente por promover periodicamente a possibilidade de
circulação de elites políticas no poder sem que a violência seja ingrediente
desejável a participar do jogo. Para tanto, aceitar resultados, seja você o
ganhador ou perdedor, é componente fundamental para manter o jogo sucessório.
Por tudo isso ironicamente ter um homem que é também establishment, branco,
rico, empresário, que se apresenta como a “negação de tudo que está aí”, o que
deve ser traduzido como um agente pouco afeito às regras do jogo, é
preocupante. Trump tem um potencial incendiário importante e conta com uma base
social mobilizada, radical, fiel e violenta.
Roberto – Não acho que Trump seja
a principal ameaça a democracia dos EUA. Ele é muito mais o resultado da
principal ameaça: a crise programática decorrente da adesão dos progressistas
ao programa econômico das elites financeiras e rentistas. No período entre o
começo da II Guerra Mundial e meados de década de 1970, os americanos
vivenciaram, apesar de todos os problemas e conflitos externos e internos,
processo de ampliação e melhoria das oportunidades de inclusão social e
econômica. Isso criou, para as pessoas comuns, um horizonte dominante de
esperança na melhoria de vida e garantiu as condições sociais da democracia,
que hoje estão se diluindo. Trump é uma ameaça adicional, mas que se alimenta
de uma ameaça perene e mais forte, indicada especialmente pelo colapso do
horizonte de mobilidade social para a maioria dos americanos.
Opiniões – Acusado por Trump de “socialista”,
Biden sempre foi um moderado em seus 47 anos de vida política. A despeito de
ter feito promessas bem progressistas nesta campanha presidencial, como taxar
as grandes fortunas para custear a assistência social aos mais pobres e impor
um salário mínimo de US$ 15/hora nos EUA. Como entender os liberais como a
esquerda dos EUA, quando a ótica latino-americana sempre coloca os liberais à
direita?
Arthur – Nos Estados Unidos, o
ponto de referência para as tendências políticas é muito particular. O que lá
se entende por esquerda, na França, por exemplo, não passa de liberalismo.
Existe um partido comunista nos Estados Unidos, mas ele não tem o mínimo peso
político-eleitoral. Acusar Biden de comunista é uma arma de retórica que pode
causar algum estrago. O próprio Biden se saiu bem no debate ao dizer que ele
derrotou as tendências mais progressistas e que a sua posição é centrista.
Talvez até demais e já comprovada ao longo da sua vida política. Quanto a taxar
fortunas, é um desafio para Biden, muito embora já exista um movimento de
milionários mal vistos pela sua ambição pedindo taxação sobre suas fortunas.
George – A história das ideias
políticas é caprichosa. O repertório político ocidental, seja este liberal,
socialista, social-democrata, conservador, etc, não se move no vácuo. Estas
tradições do pensamento político são recepcionadas e aclimatadas em estados
nacionais concretos, dotados de uma cultura política concreta, tendo efeitos e
interpretações para além dos seus locais de nascimento e de suas expressões
“puras”. Desta maneira faz sentido dizermos que há um “liberalismo
norte-americano” ou uma recepção particular do ideário liberal. No campo da
história política dos EUA a atual configuração nos remete aos anos 1960 onde os
democratas vestiram a camisa da luta pelos direitos civis. Isto faz com que os
membros deste partido, na média, tenham uma faceta social acrescida da mescla
com princípios de liberalismo político, onde há a forte defesa dos direitos
civis, com liberalismo econômico, a firme defesa da economia de mercado. O que
os coloca na esquerda da política por lá é o sentido relacional da
classificação esquerda/direita: os republicanos são muito mais resistentes a
mudarem os fundamentos da cultura política e jurídica dos EUA. Os republicanos,
em termos relativos, estão mais do lado direito do espectro político. O debate
sobre armas, por exemplo, conta com um consenso mais ou menos compartilhado
entre os democratas sobre a necessidade de maior regulação. Os republicanos são
infinitamente mais conservadores neste tema e em outros tantos… E sobre isso
falamos “na média”. Dado o bipartidarismo, onde há dois únicos partidos
competitivos nacionalmente, estes, até por falta de outras opções, acabam
agregando uma diversidade política concreta. Pode ocorrer agentes como Sanders,
muito próximo de uma socialdemocracia clássica, ou até mesmo republicanos que
flertam perigosamente com a KKK, supremacismo branco, etc. De maneira ou de
outra definitivamente “esquerda” e “direita” têm significações no contexto
norte-americano que não cabem necessariamente para o resto do mundo.
Roberto – Nos EUA ser liberal é
sinônimo de ser progressista. Em termos de conteúdo, as políticas keynesianas e
social-democratas do século XX foram sempre identificadas como liberais, o que
indica que lá o liberalismo era mais político que econômico. Outro fator
importante é que o termo socialista sempre foi impopular nos EUA, embora hoje
menos. Na América Latina, o liberalismo foi predominantemente econômico, se
aliando a tendências e regimes autoritários com muita facilidade.
Opiniões – Os governos do PT no Brasil foram
considerados progressistas, assim como o governo Obama nos EUA. E, a despeito
da grande popularidade que chegaram a alcançar, eles foram sucedidos no voto
por governos de espectro político no extremo oposto. Considerada a diferença do
impeachment aqui, como o PT de Lula e Dilma e os Democratas de Obama
contribuíram nas ascensões respectivas de Trump e Jair Bolsonaro (sem
partido)?
Arthur – Não tenho dúvidas de que
o PT contribuiu para colocar Bolsonaro no governo, mesmo que de forma indireta
e sem intenção. O PT não conseguiu sequer unir os progressistas. Pelo
contrário, as vaidades partidárias e pessoais levaram o PT a acreditar que
tinha o monopólio das esquerdas e a liderança delas. Quanto aos Estados Unidos,
entendo que Obama fez um bom governo em termos de política interna e externa,
com os excessos típicos do país. Teve boa atuação na questão ambiental.
Revelou-se um grande estadista. Mas Trump acordou forças sombrias que sempre
existiram no país. Elas engoliram Hilary e o elegeram. Creio que o globalismo
de Obama contribuiu para os discursos de Trump em favor do América first.
George – Se podemos falar em
colaboração devemos falar de colaboração indireta ou involuntária. Digo isso
pelo seguinte: os eleitores decidem em democracias representativas. Eles têm
uma média de preferências que variam nas conjunturas daquilo que consideram
mais adequado para aquele momento. A questão é que todo e qualquer grupo
político no poder pode sofrer de “fadiga de material” com o passar do tempo, o
que pode ter sido o caso dos democratas e dos petistas, além de erros cometidos
pelas gestões. Erros estes cometidos por governos passados e pelos que virão.
Também a percepção do eleitor comum de deterioração das condições de bem-estar
naquela sociedade indica o rechaço ao que podemos chamar de situação e a aposta
em grupos que estejam na oposição. Em momentos mais radicais a aposta em grupos
opositores pode redundar até mesmo nos outsiders. Note que na minha resposta
falo propositalmente em “percepção”, algo não infrequentemente equivocado,
distorcido, etc. Portanto, pasmem, o eleitorado tanto pode acertar quando errar
em suas decisões. E não raro pode ser induzido ao erro.
Roberto – O PT e os Democratas têm
em comum a rendição ao programa econômico de seus adversários. Trata-se de uma
crise programática que afeta partidos e organizações de esquerda em vários
países, inclusive na Europa. A esquerda promoveu o apagamento e moderação das
principais diferenças na esfera da política econômica. Ao se render ao
neoliberalismo, a esquerda abdicou das condições para juntar politicamente as
classes médias e as classes populares. Na prática, o PT e os Democratas
desconectaram as agendas da inclusão social e da redistribuição de renda da
agenda da mudança da política econômica, combinando política identitária para
minorias, política compensatória de transferência monetária para os pobres e
política regulatória de serviços privados de educação e saúde para a classe
média, ao preço de executar e ampliar a política rentista das oligarquias
financeiras. Este caminho destruiu os horizontes de oportunidades econômicas e
mobilidade social ascendente para as maiorias e contribuiu para a ascensão da
extrema-direita que soube instrumentalizar politicamente a frustração social.
Opiniões – Negacionismo científico, flerte com
o racismo, a misoginia e a homofobia, aliança com os neopentecostais no limite
do estado laico, armamentismo entre civis, anticomunismo generalizado a
qualquer adversário ou crítico, guerra contra a imprensa, a intelectualidade e
classe artística, governar em eterno modo campanha, com disseminação de fake
news nas redes sociais para insuflar suas bases mais radicais. A caixa de
Pandora aberta por Trump em 2016, clonada no Brasil em 2018, ficará mais
próxima do fim se ele não se reeleger?
Arthur – Do fim, não creio. Nos
Estados Unidos, a caixa de Pandora parece aberta desde a independência. Embora
todos os males tenham saído dela, eles não conseguem sempre se concentrar para
se tornar uma ameaça à democracia. Mas quando os guetos fundamentalistas
encontram um gênio do mal, eles mostram sua garra. Nenhum presidente, por mais
progressista que tenha sido, conseguiu controlar a indústria das armas. Elas
representam uma faceta forte da cultura do país. Essas forças macabras
continuarão existindo, mas não vão se expressar com a mesma liberdade no
desejado governo Biden, pois não serão estimuladas. Espero que essas forças
sombrias sejam contidas, pois um país não pode viver em clima de ódio
constante.
George – Sendo bastante sincero
eu antevejo algum tipo de retraimento desta lata de lixo semiótica que você
narra em sua pergunta. Mas, retraimento não significa o fim. O que precisamos
com urgência em nossas sociedades, tanto lá quanto cá, é algum tipo de
reorientação da opinião pública e o firme compromisso com o enfrentamento sem
tréguas de todo tipo de obscurantismo que rebaixa o nível das narrativas em
disputa. Isto a despeito de esquerda ou direita. É preciso uma frente ampla que
recoloque o debate público na direção do avanço civilizatório e em prol da
democracia. Estamos retrocedendo com a pelada de várzea que se tornou a nossa
discussão pública onde as grandes questões, as decisivas, estão soterradas pelo
que há de mais abjeto aqui ou nos EUA. E por abjeto incluo o comportamento
público de muitas das autoridades na ativa.
Roberto – A derrota de Trump pode
tornar mais próximo o fim dessa caixa de Pandora no mundo todo, mas as
frustrações sociais que alimentam a política e a guerra cultural de
extrema-direita continuam determinantes, em cada país que vivenciou ou é
ameaçado pela ascensão da extrema-direita, mesmo com eventual derrota do bufão
norte-americano. O efeito de uma possível derrota de Trump vai depender da
situação social e política de cada país. No Brasil, por exemplo, vai depender
da capacidade governativa de Bolsonaro em promover a recuperação da economia, o
que parece cada vez mais improvável.
Opiniões – Com uma Europa e seus Partidos
Verdes cada vez mais fortes, a “boiada” do ministro brasileiro Ricardo Salles
“passando” nas queimadas na Amazônia e no Pantanal parece não ter mais vez. Com
a China, após as restrições até à vacina contra a Covid em parceria com o
Butantan, para salvar vidas de brasileiros, as coisas também não andam bem. Se
Biden se eleger nos EUA, o Brasil de Bolsonaro se torna de vez um pária
mundial? Por outro lado, e se Trump vencer, o presidente brasileiro ganha força
na sua reeleição em 2022?
Arthur – Parece que o Brasil de
Bolsonaro deseja ser pária. Jornalistas disseram que a vitória de Biden
representará a queda de Ernesto Araújo e de Ricardo Salles. Eles fazem parte do
núcleo ideológico, agora mais enfraquecido. Tem havido muita pressão interna e
externa para enquadrar o governo de Bolsonaro, mas ele tem se mostrado
recalcitrante. É de pasmar um governo tão retrógrado como o dele. Não houve um
regresso de duzentos anos. Afinal, D. Pedro II tinhas ideias progressistas e
gostava da ciência, embora vivendo um contexto escravagista. Bolsonaro vive num
lugar que não existe fora dos seus fãs. Foram poucos os presidentes
progressistas no Brasil, mas Bolsonaro vive num casulo fora do mundo. Tem e não
tem vida própria. Fala para seus eleitores e sobrevive com apoio de Trump. Se
este perder, Bolsonaro deve perder também em 2022. Não se pode esperar nada
digno de um estadista da parte dele. Apenas que não se reeleja.
George – A tradição da política
externa brasileira era de relativa independência aos movimentos do sistema
internacional, algo absolutamente funcional para as ambições de um país na
periferia do capitalismo que precisa de uma balança comercial favorável tanto
quanto o ser humano precisa de oxigênio. Ernesto Araújo em seu famoso artigo
“Trump e o Ocidente”, texto que mescla devoção quase religiosa e delírio
geopolítico, já prenunciava um encaminhamento absolutamente acrítico do
Itamaraty chefiado pelo atual chanceler. Saímos do pragmatismo independente
para um alinhamento automático com os EUA que atinge os píncaros do
constrangimento. Sendo Biden qualquer coisa menos um “Novo Templário” capaz de
salvar o Ocidente, imagem que talvez passe na inventiva mente de Araújo, com
certeza teremos uma política externa que precisará se reinventar. Confio na
capacidade dos quadros altamente qualificados do Itamaraty nessa missão. Não
será fácil reestabelecer diretrizes e até mesmo dignidade para nossa política
externa. Mas, não é tarefa impossível. Sobre Bolsonaro, na hipótese Biden, a
mudança de tom “para fora” será automática. Transitará entre o cômico e o
ridículo. Com Trump sendo reeleito a sabujice seguirá a despeito dos interesses
brasileiros.
Roberto – Como Bolsonaro vinculou
seu governo muito fortemente ao de Trump, inclusive na insana briga com China,
uma derrota do presidente dos EUA é um baque muito forte para o brasileiro.
Pode ter impactos negativos concretos sobre o Brasil e com isso fragilizar
ainda mais Bolsonaro, inclusive porque Biden parece não eleger a China como
principal inimiga. Uma vitória de Trump, ao contrário, provavelmente teria
impactos positivos de pouca concretude. Seria apenas um problema a menos para
sua reeleição em 2022. Mas não resolve os principais impasses de seu governo
que comprometem suas perspectivas de reeleição.
Opiniões – Ninguém mais parece duvidar que a
China tende a se tornar a principal potência econômica do mundo. Mas pelo poder
bélico e cultural, além do econômico, os EUA ainda são e serão por algum tempo
o mais próximo ao Ocidente do Império Romano na Antiguidade. Em que esta
condição pode ser reforçada ou abreviada pela vitória de Biden ou Trump? Como
analisa o fato de nenhum dos dois prometer armistício na guerra comercial com
Pequim?
Arthur – Em termos de equilíbrio
bipolar, a China substituiu a URSS com uma diferença: trata-se de uma potência
capitalista com uma ditadura de partido único que se intitula comunista. Mas os
marxistas não entendem esse governo como marxista. A China se tornou uma potência
econômica e política sem caráter proselitista. Não há mais como ignorá-la. Não
cabe mais colocá-la como bode expiatório. Não é mais possível excluir a China.
Trump a colocou como inimigo número 1 dos Estados Unidos. Não convém a Biden,
nesse momento, declarar que vai manter boas relações com a China, mas, se
eleito, creio que relaxará as tensões entre os dois países, ao mesmo tempo
restabelecendo a Parceria Transpacífica. Se Trump fosse verdadeiramente
anti-chinês, não teria desfeito este acordo nem mantido uma conta em banco da
China.
George – Eis uma questão curiosa.
Muito curiosa. Enfrentar a influência crescente da China é o ponto de consenso
entre republicanos e democratas. A despeito das ambiguidades concretas da
relação China e EUA, a potência no Oriente coloca em risco as ambições
imperiais dos norte-americanos. Mesmo que seja algo indisfarçável o
quantitativo de empresas e capital norte-americanos atuando na China neste
momento, o que gera uma simbiose entre as duas potências muito mais profunda do
que qualquer retórica eleitoral poderia ser capaz de admitir. Ao mesmo tempo,
tal como você coloca, há o “problema geopolítico”. A influência chinesa, a
despeito da simbiose que citei, já é algo incontrolável há bastante tempo,
justamente fazendo com que o grande dragão do Oriente perigosamente continue se
movimentando e fazendo um tipo de movimento que os EUA não fazem: disposição e
dinheiro para investir em infraestrutura nos países em desenvolvimento. Penso
que poderemos ver a continuidade da disputa entre as duas potências. Mas, ao
menos há a possibilidade da redução do barulho, do ruído discursivo se Biden
for o vencedor da disputa pela Casa Branca. No caso de Trump reeleito, a
gritaria enquanto performance se mantém, ignorando as ambiguidades concretas
que indiquei há pouco nas relações econômicas entre os dois países.
Roberto – Gostando ou não, a China
promove um projeto de desenvolvimento nacional que difunde ganhos de
produtividade por quase os setores da economia. A superioridade bélica e a
hegemonia cultural dos EUA não parecem ser suficientes para superar um concorrente
que é superior em economia política. Apenas uma reorientação radical da
economia americana, que rompa com o rentismo e democratize os ganhos de
produtividade restritos à vanguarda da economia do conhecimento, seria capaz de
mudar a tendência de a China se tornar e permanecer a maior potência econômica
mundial. A vitória de Biden ou Trump fará alguma diferença se um ou outro for
capaz de promover esta reorientação. O fato de nenhum dos dois sinalizar o fim
da guerra comercial indica que ambos não possuem uma estratégia econômica para
os EUA, o que os leva a atribuir as dificuldades da economia norte-americana
apenas ao comércio injusto com a China.
* Publicado originalmente no blog Opiniões dirigido pelo jornalista Aluysio Abreu Barbosa. Link do post original da entrevista: http://opinioes.folha1.com.br/2020/11/01/o-que-esperar-da-vitoria-de-biden-ou-trump-na-eleicao-presidencial-dos-eua/, acesso em 02 de nov. 2020.
** Disponível em: https://www.latimes.com/politics/story/2020-10-28/biden-trump-bloomberg-television-advertising-battleground-states, acesso em 02 de nov. 2020.
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