Fonte: Jotônio Vianna (aqui).
Entrevista
- Campos refletida entre Wladimir e Caio como espelho do Brasil e do mundo*
Aluysio
Abreu Barbosa
“Campos
é o espelho do Brasil”? Na afirmativa, a frase é atribuída ao ex-presidente
Getúlio Vargas, cujo legado ainda hoje divide cientistas sociais e cidadãos
comuns. Como a cidade se dividiu, além do rio Paraíba do Sul que a formou,
entre duas candidaturas na disputa do segundo turno a prefeito de Campos:
Wladimir Garotinho (PSD) e Caio Vianna (PDT). Para saber o que esperar caso um
ou outro vença o pleito final de 29 de novembro, a Folha ouviu, em ordem alfabética,
o antropólogo Carlos Abraão de Moura Valpassos, professor da UFF-Campos; o
advogado Carlos Alexandre de Azevedo Campos, professor da Uerj e Isecensa; a
assistente social Erica Almeida, professora da UFF-Campos, a historiadora
Guiomar Valdez, professora do IFF; e o cientista político Marcio Malta,
professor da UFF. Além dos dois protagonistas do pleito, outros atores também
estiveram sob análise, como sua revelação, a Professora Natália (Psol), e o
atual prefeito, Rafael Diniz (Cidadania). Assim como a judicialização das urnas
campistas de 15 de novembro, o monopólio masculino da nova Câmara Municipal
“renovada” e o principal problema da cidade: sua grave crise financeira, em
contraste com a miséria entre campistas que ela já gera. A partir de Campos, os
cinco entrevistados deste painel também refletiram sobre a política do Brasil e
do mundo.
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Folha
da Manhã – É atribuída ao ex-presidente Getúlio Vargas a frase: “Campos é o
espelho do Brasil”. Considerando as três últimas eleições, isso parece realmente
ter se dado, com a busca do “novo” no pleito local a prefeito de 2016 e no
presidencial, de 2018, para se refletir em 2020 no movimento de retorno à
aparente segurança de nomes e grupos políticos tradicionais. Como você enxerga
esse movimento na cidade e no país? Quais seriam suas causas?
Carlos
Abraão Moura Valpassos – A
frase sugere a ideia de que é possível pensar a questão “macro” através da
análise do “micro”. Campos é influenciada pelo contexto nacional e, nesse
sentido, reflete o Brasil, país que sofreu uma crise econômica e política ao
longo da década de 2010, que resultou em um aumento drástico das taxas de
desemprego e pobreza. Quando somamos a crise econômica às denúncias de
corrupção e sua exploração coordenada através da internet, observamos uma forte
rejeição aos mandatários do poder, novos atores foram então eleitos, não
superaram a crise e prepararam o retorno de seus opositores.
Carlos
Alexandre de Azevedo Campos – Acho
as causas relativamente parecidas, nunca idênticas. Em Campos, além dos
problemas jurídicos com Garotinho e Rosinha, tivemos problemas de gestão mesmo,
de descontentamento. Rafael apareceu como uma nova política, mas não teve o
sucesso esperado na gestão, não obstante eu entendo que tenha se empenhado.
Problemas de gestão não permitiram a sua reeleição. No Brasil, Bolsonaro também
apareceu como nova política, mas não só isso. Bolsonaro fez com que todo tipo
de reacionarismo saísse do armário, ou seja, também representou uma virada
ideológica. Hoje, acho que seus exageros ideológicos e sua falta de gestão
fazem com que ele perca votos com o grande grupo não extremista que votou nele
anteriormente, e isso pode fazer com que ele tenha o mesmo destino de Rafael.
Os ciclos podem vir a ser os mesmos, mas as causas são só parecidas.
Erica
Almeida – Não
é sempre que a conjuntura nacional interfere nas eleições municipais. Todavia,
as últimas eleições, para presidente e governador, em 2018, e para prefeito em
2016 e neste ano, não podem ser pensadas sem considerarmos as ações da Lava Jato
e seus desdobramentos na política, particularmente, contra o PT e o impeachment
da presidente Dilma. Além disso, também tivemos neste período a prisão do
Cabral, as denúncias contra Pezão, Witzel e contra a gestão da prefeita
Rosinha. Como se vê, foi um contexto marcado pela retórica contra a corrupção e
que, de modo geral, teve um impacto nas escolhas dos eleitores, relegando as
trajetórias e as pautas políticas.
Guiomar
Valdez – Do
ponto de vista da História não temos respostas ainda consistentes nesta
conjuntura destacada. Entretanto é possível que suas causas estejam na
convergência da crise do capitalismo a partir de 2008, perene, e não mais
cíclica, com uma crise terminal da Nova República, abrindo uma transição com os
infortúnios da insegurança. Assim, compreendo no Brasil e em Campos, que o
“novo” confunde com o passado como segurança; que o “novo” se confunde com
monstruosidades políticas. Situações típicas de períodos de transição, onde o
“novo” não nasceu e o “velho” ainda não morreu. Daí…
Marcio
Malta – As
eleições de 2018 foram impulsionadas por muita fake news e uso indevidos das
redes sociais, com impulsionamentos pagos indevidos. O fenômeno na verdade foi
mundial e deu margem para aventureiros chegarem ao poder. A sociedade aprendeu
com a experiência negativa e rechaçou esse campo nas eleições de domingo. Além
do bolsonarismo, o neoliberalismo e seus desastres na economia, com sua prática
de ajuste fiscal, também não tiveram vez.
Folha
– Em uma série de 11 painéis (confira-os aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), entre 18 de julho a 26 de setembro, a Folha ouviu 34
representantes da sociedade civil organizada, entre especialistas em economia,
finanças, ciência política, sociologia e antropologia, além de gestores
universitários, sindicalistas, empresários e juristas, sobre a crise financeira
do município. Que pode ser resumida em um orçamento para 2021 entre R$ 1,5 bilhão
a R$ 1,7 bilhão, com previsão total de gastos de quase R$ 2 bilhões, sendo R$
1,1 bilhão só com folha de pagamento de servidor. Como fechar essa conta?
Abraão
– A conta
não fecha e não vai fechar. A cidade precisa criar receitas e para isso atrair
a instalação de fábricas e indústrias, estimular o comércio, favorecer a
agricultura familiar, incentivar a pesca artesanal e atacar em todas as frentes
possíveis, em uma movimentação em diferentes multifacetada. É importante
destacar o papel crucial desempenhado pelos servidores públicos em Campos, pois
eles prestam serviços essenciais e também possuem autonomia em uma cidade
marcada pelo clientelismo. O ataque aos servidores pode proporcionar ainda mais
manipulação política.
Alexandre
– Como
disse anteriormente, mesmo com cortes de gastos de pessoal terceirizado e com
algum aumento de arrecadação tributária, o novo governo vai precisar contrair
empréstimos públicos. Buscar verbas federais também será fundamental. Salvo
essas medidas, a conta não fechará.
Erica
– Em
entrevista, o prefeito eleito de Cabo Frio (PDT) disse que o servidor público
não pode ser penalizado, nem com cortes de salário, nem com atrasos, porque são
eles que realizam o governo. Penso que ele está certíssimo e que nós precisamos
refutar as teses neoliberais sobre Estado mínimo, ajuste fiscal e avanço das
privatizações. Somos um município com muitos problemas no que se refere ao
emprego, à renda, aos direitos sociais fundamentais como infraestrutura urbana,
mobilidade, saúde e educação. Defendo que o governo local se volte
prioritariamente para estas questões revendo contratos abusivos, a dívida ativa
e os excessos com relação aos terceirizados.
Guiomar
– Vou
responder sem muito entusiasmo sobre esse desafio. Porque a superação passaria
por uma radical ação de transparência e honestidade do Executivo com a
população e seus servidores, tratando do histórico da crise de forma clara e
objetiva, do atual déficit orçamentário, bem como, organizá-los pedagogicamente
em busca do consenso e de proposições juntamente com o quadro de especialistas.
Novos investimentos e atividades econômicas e a articulação com as
universidades estariam neste horizonte. O segundo turno, “é o novo que é
passado”, logo, incapacitados para ousar novas formas de gestão pública.
Marcio
– A
questão não se resume a contas matemáticas. É preciso responsabilidade, mas não
necessariamente com austeridade fiscal. É fundamental impulsionar a economia
local, com uma perspectiva desenvolvimentista, pautada na inclusão de setores
que passaram ao largo da história. A criação de uma moeda local, do turismo,
fortalecer o comércio e indústria são algumas das medidas que poderiam estar no
horizonte. Os temidos programas sociais podem auxiliar a roda da economia
campista. Outro aspecto fundamental é não depender exclusivamente do petróleo,
pois o preço dessa commodity é extremamente volátil.
Folha
– No lado mais cruel da crise, Campos tem mais de 40 mil famílias na extrema
pobreza. Condição que se acentuou com as crises sanitária e econômica da
Covid-19, e pode ser vista no grande número moradores de rua em todos os pontos
da cidade. Com déficit municipal estimado para 2021 em R$ 17 milhões/mês, como
dar assistência social a essas pessoas, mantendo a atual folha de pagamento de
pessoal e número de equipamentos municipais?
Abraão
– Acho
necessário levantar questões: alguém, conhecendo o histórico de nossa cidade e
de nosso país, acredita, sinceramente, que o corte na folha de pagamento de
pessoal e de equipamentos municipais vai, de fato, ser revertido em assistência
social? Quando tivemos fartura, investimos em assistência social sólida e equipamentos
municipais relevantes, que se converteriam em legados para as próximas
gerações, ou assistimos ao gasto em serviços que se desmancharam rapidamente e
em equipamentos “cruciais” como o Cepop e os arcos da Beira-Valão? Campos
precisa de administração séria e novas receitas; não de novos bodes
expiatórios.
Alexandre
– Penso
ser essencial que o novo governo reserve parte do orçamento para retirar essas
pessoas das ruas, o que pode ser feito mediante aluguel social. Alimentação e
tratamento de saúde também serão essenciais. Deve também buscar parcerias
privadas para oferta de empregos mediante a criação de novas atividades. Deve
priorizar gastos com essas pessoas, seja por razões de dignidade, seja pelos
benefícios sociais em geral, inclusive no campo da redução de violência. Penso
ser uma prioridade orçamentária. Uma opção política quase obrigatória ante os
efeitos nefastos da Covid. Remanejar gastos orçamentários para tanto será
necessário.
Erica
– O
governo atual foi o que menos gastou em Assistência Social, ainda que o
município atravessasse uma das suas mais graves crises sociais desde os anos de
1980. Em março de 2020, estima-se, que os extremamente pobres, ou seja,
aqueles que vivem com uma renda familiar mensal de até R$ 89,00 por cabeça, atingiram
21,43% da população de Campos. Em 2010, eles eram apenas 3,67%. Isso é motivo
suficiente, para que o novo governo junto com a sociedade civil estabeleça um
pacto político que privilegia a vida, a segurança alimentar, a saúde e a
educação das nossas crianças e jovens e não o inverso. É preciso hierarquizar
as prioridades e proteger os mais vulneráveis.
Guiomar
– O pano
de fundo seria uma política de honestidade e de transparência “dos números” de
forma qualitativa estabelecendo as prioridades. É importante desmistificar a
Lei de Responsabilidade Fiscal e outras legislações que estabelecem o limite de
gastos com pessoal. Para cortes não bastariam os números dos gastos “em si e
isolados”, isso que caracterizaria a qualidade nas decisões. Ter o desafio
orçamentário e o programa do eleito como referência na Assistência Social e os
servidores públicos concursados da área como consultores e propositores das
prioridades, dos gastos e até dos cortes.
Marcio
– No
tocante à folha atual de pagamento é preciso acabar com os RPAs e estabelecer
concursos públicos. Os equipamentos municipais quando bem administrados não são
um problema em si. O Palácio da Cultura é um exemplo, foi reformado
recentemente e poderia estar em pleno uso da população. Parece ser uma lógica
invertida, onde não é priorizado o bem-estar da população. A pobreza em Campos
é estrutural, mas foi agravada com a gestão neoliberal da atual Prefeitura, que
fechou espaços fundamentais no combate à fome, como o Restaurante Popular. É
preciso gerar emprego e incentivar mecanismos de transferência de renda.
Folha
– De volta à questão político/eleitoral, como analisa a renovação de 80% da
Câmara Municipal? Foi um movimento inverso, no pleito proporcional, do eleitor
que na majoritária optou pelo retorno das duas principais oligarquias políticas
da cidade? Olhando as 21 caras da nova Câmara, à exceção dos quatro reeleitos,
há outros quatro que já foram vereadores e cinco nomes novos que representam
velhos ocupantes, além da cadeira cativa em rodízio entre pastores da Igreja
Universal. Esse novo é tão novo assim?
Abraão
– É
preciso destacar que existe uma prática, já antiga, de os vereadores indicarem
seus aliados políticos para ocuparem postos de trabalho na Prefeitura. Desse
modo, cada vereador acaba por “empregar” na Prefeitura um contingente de
pessoas. Entendo que a eleição de vereadores acaba por colocar em oposição
pessoas que possuem perspectiva de terem seus interesses atendidos por seus
candidatos. E que os candidatos que apresentam maior capacidade de retribuição,
de modo personalista, do apoio político recebido, acabam obtendo maior apoio e,
consequentemente, sendo eleitos. Não observei mudança significativa nos atores
dessa antiga peça.
Alexandre
– Não
vejo assim que o campista escolheu voltar ao velho na eleição majoritária. Não
sou tão cruel assim com o fator hereditário. Filhos não devem carregar para as
suas vidas os erros dos pais, nem serem punidos para tanto se não colaboraram
com os erros. Não gostei do governo de Arnaldo; já disse aqui que, para mim,
foi o pior de todos. Mas não culpo o seu filho por isso. De Caio, sei apenas
que ele não possui qualquer experiência. Também não gostei dos governos de
Garotinho e Rosinha, já os derrotei algumas vezes no Judiciário. Mas não
atribuo a Wladimir qualquer culpa por eles. Ao contrário, acompanhei com grata
surpresa o ótimo desempenho dele como deputado federal. Acho que o segundo
turno é meio que uma renovação que fora desenhada desde a eleição passada, e
que se firmou por conta dos problemas de gestão de Rafael. Sobre a Câmara,
concordo que não há tanta novidade. Na realidade, muito pouca novidade. Acho
que houve a dança das cadeiras natural, própria de Campos.
Erica
– Parece
que esse movimento de pulverização das siglas partidárias se deu em todo o país
e, mais uma vez, eu penso que ele tem uma relação direta com as novas coalisões
políticas que se desenharam a partir do impeachment da Dilma. Embora os acordos
locais tenham uma certa autonomia, eles não são completamente descolados das
alianças políticas nas escalas estaduais e nacional. E mesmo que o eleitor
tenha escolhido nomes novos no cenário político local, os partidos não o são e
muito menos as suas plataformas, basta observar a ausência das mulheres e de
outros segmentos.
Guiomar
– É fato
o movimento inverso entre proporcional e majoritária. Nem sempre renovar,
mudar, significam avanços qualitativos, superação de uma política para melhor,
social e eticamente mais justa. Volto ao meu ponto de vista de que vivemos uma
transição e à afirmação de Vargas acima citada: “Campos é o espelho do Brasil”.
Ora, uma avaliação lúcida do pleito eleitoral local e nacional permite indicar
o “retorno da política tradicional” com rostos novos e o crescimento dos
partidos de direita e de centro-direita. Não é isso que está posto em nossa
Câmara? Esse “novo” é “uma roupa que não se veste mais”!
Marcio
– Esse é
o paradoxo da tão apregoada renovação. Muitas vezes o novo já nasce velho.
Campos perdeu uma oportunidade de renovar de verdade, tirando figurões
tradicionais da Câmara Municipal. O sistema eleitoral possui barreiras difíceis
de serem suplantadas, como a dificuldade do financiamento das campanhas, que
ainda convivem com práticas clientelistas como a compra dos votos. E por
último, é necessária uma mudança de mentalidade, saber da importância do
Legislativo em fiscalizar o Executivo e propor leis que engrandeçam a cidade.
Folha
– Outro questionamento na nova Câmara é a ausência de mulheres. Para uma cidade
que tem Benta Pereira como heroína histórica e uma Casa do Povo cuja
participação feminina foi inaugurada por uma negra, Hermeny Coutinho, em 1971,
seguida de Antônia Leitão, eleita em 1972, passando em tempo mais recente por
edis também atuantes, como Ivete Marins, Beth Couto e Odisséia Carvalho, entre
outras, o monopólio masculino é um retrocesso? Por quê?
Abraão
– A
política em Campos reflete aspectos clientelistas, patrimonialistas e
personalistas que estão no Brasil desde o nascimento de nossa República. Nesse
contexto, esquecemos que a administração pública é… pública… e por isso deveria
atender a diferentes interesses e necessidades presentes na população. Quando
não temos mulheres na Câmara, questões importantes relativas às demandas
femininas deixam de ser vislumbradas. O monopólio masculino na Câmara significa
que demandas sociais legítimas, de parcelas significativas da população, não
serão contempladas. A perda de diversidade representativa é a perda de
diversidade em serviços e leis.
Alexandre
– Um
baita retrocesso. Acho que faltaram candidatas mais novas, com boa expressão
política como a Professora Natália, candidata a prefeita. E isso é fatal em uma
sociedade majoritariamente conservadora e machista como a campista. Mas veja um
lado positivo: me impressionei muito com a Professora Natália; penso que ela
tem um ótimo futuro político pela frente. Esse já é um ganho para a população
feminina de Campos advindo destas eleições.
Erica
– Em uma
sociedade marcada pelas desigualdades socioespaciais e pelas opressões de
gênero e étnico-racial, em um contexto de avanço do feminicídio, da violência
doméstica e sexual, toda a forma de monopólio é um retrocesso. O monopólio
feminino também seria. A proposta é que o Legislativo seja o mais
representativo possível e isso demanda legisladores que representem as pautas e
os interesses dos trabalhadores, de modo geral, e, também, de algumas
particularidades vinculadas ao gênero, à etnia, à opção sexual… O Legislativo não
pode ignorar as demandas apresentadas por esses grupos sociais, organizados em
inúmeros movimentos e organizações.
Guiomar
– Na vida
política representativa não aprecio monopólio de qualquer tipo. Entretanto
defendo que ser homem, mulher, negro, branco, indígena, pobre, lgbt, idoso,
jovem, religioso, etc, em si, não significa, para mim, ser progressista, digno,
honesto, responsável, solidário com quem vive-do-trabalho, etc. E é isso que
busco em termos ético-humanistas, por exemplo, numa Câmara Municipal. O
monopólio masculino e não progressista instalado que é um retrocesso. Pois
tende a manutenção do injusto status quo para a maioria, bem
como, a obstaculizar o avanço dos direitos humanos e do trabalho.
Marcio
– Com
certeza configura um retrocesso. Afinal Campos historicamente se marca pelo
patriarcalismo. E entrou na pauta nacional com um caso como das “Meninas de
Guarus”. Faz falta para a cidade não ter representatividade feminina, que em
termos numéricos é a maior parte da população de acordo com dados censitários.
Existiam diversas candidaturas femininas, o triste é o fato delas não terem
sido contempladas nas urnas.
Folha
– Em oposição à nova Câmara de Campos, quatro prefeitas foram reeleitas e uma
eleita na região: Carla Machado (PP) em São João da Barra; Fátima Pacheco
(DEM), em Quissamã; Francimara (SD), em São Francisco; Cristiane Cordeiro (PP),
sub judice em Carapebus; e Geane (PSD), em Cardoso Moreira. Campos e RJ tiveram
Rosinha Garotinho (hoje Pros) no Executivo. Assim como o Brasil teve Dilma
Rousseff (PT). E os governos e legados das duas últimas foram e permanecem
muito questionados. Como você vê? Há algo comum ao gênero no poder?
Abraão
– Quando
Rosinha foi prefeita e governadora, as pessoas acreditavam que quem governava,
de fato, era seu marido. Quando a gasolina passou dos R$ 2,50 no governo Dilma,
várias pessoas imprimiram um famigerado adesivo de uma mulher de pernas
abertas, com o rosto de Dilma, e colaram na boca dos tanques de seus carros.
Então surgem as perguntas: quando Garotinho foi prefeito e governador, diziam
que era Rosinha a governante? Quando a gasolina passou dos R$ 5,00 no governo
Temer e assim permaneceu com Bolsonaro, fizeram adesivos deles? Onde existem
pessoas, existem questões de gênero; e na política isso é bastante explicitado.
Alexandre
– Não
correlaciono o desempenho ao gênero, não mesmo. Carla é um fenômeno muito
positivo, uma campeã, já a Dilma, um desastre, que presenciei quando vivi em
Brasília. Se eu fosse apontar algo comum, seria apenas a força representativa,
o símbolo positivo da chegada de uma mulher ao poder em um país dominado por
homens na política. Mas é necessário mostrar gestão, e Dilma não o fez.
Erica
– O fato
de ser um(a) politico(a) do sexo feminino, do sexto masculino ou transexual não
dá conta de toda diversidade cultural e identitária e nem das divergências no
campo ideológico. Nesse sentido, nem toda mulher pode ser considerada um avanço
para a agenda feminista. A ministra Damares é um exemplo; ela é a contra agenda
feminista. Infelizmente, além das múltiplas violências contra a mulher, o país
tem sido marcado por ataques machistas e desqualificadores às candidatas, em
especial, às mulheres negras e trans. A boa notícia é que há resistência e,
muitas delas foram eleitas, mesmo neste cenário de regressão dos direitos.
Guiomar
– Não! A
questão de gênero não define tendências políticas no poder. O que define é a
visão de mundo traduzida em opções partidárias. Um país cuja a história
política de mais de 500 anos, que possui no máximo 50 anos, com interrupções,
de exercício democrático, as heranças do autoritarismo, clientelismo,
patrimonialismo, machismo, independem do gênero. Sem falar nas permanências
econômicas e culturais. Por isso ter mulheres no poder, em si, não significa
ruptura com essas heranças. Observem os partidos que elas representam. Tem,
sim, densidade simbólica para o histórico das lutas feministas.
Marcio
– A
representatividade feminina é importante, mas não basta. Essas mulheres têm que
possuir uma conduta política ilibada, que combatam a corrupção e representem os
anseios femininos nas políticas públicas. Uma perspectiva de conduta justa é
fundamental. A região de fato elegeu muitas mulheres e algumas se contrapõem ao
bolsonarismo, como o caso de Carla Machado e Fátima Pacheco, que derrotaram
setores conservadores de suas cidades. Mas é preciso aprofundar conquistas
sociais e ter uma perspectiva de incluir setores pobres da sociedade.
Folha
– Sem sair da participação feminina na política, é unânime reconhecer que a
Professora Natália (Psol) foi a grande revelação da eleição majoritária.
Candidata pela primeira vez, ela teve 11.622 votos (4,68%), apenas 1.728 a
menos do que os 13.350 (5,45%) dados ao prefeito Rafael Diniz (Cidadania), com
a máquina municipal na mão. Como vê o desempenho de uma e do outro, eleito
ainda no primeiro turno de 2016 com 151.462 votos (55,19% daquele pleito)?
Abraão
– Em 2016
Rafael Diniz foi eleito no primeiro turno, em uma manifestação clara de
insatisfação com os governos anteriores. Ao longo de seu governo, a população
não observou melhoras na cidade e isso levou ao resultado da eleição. Muita
gente insatisfeita com a gestão de Rafael e contrária ao que representam os
outros candidatos, viram na Professora Natália uma candidata bem articulada,
inteligente e com uma pauta progressista. Por isso votaram nela, mesmo sabendo
de suas parcas chances de ser eleita. A Professora Natália chegou como
desconhecida e saiu fortalecida do pleito, ao contrário de Rafael, que viu nas
urnas a reprovação de sua gestão.
Alexandre
– Como eu
disse acima, fiquei encantado com o discurso da Professora Natália e a firmeza
de suas exposições. Ela mereceu os votos. Quanto a Rafael, tenho uma enorme
simpatia pessoal por ele, o considero um prefeito que buscou o melhor, mas
esbarrou em limitações que não soube contornar, ou mesmo eram impossíveis de
contornar. Enfim, teve problemas de gestão que resultaram na fraca votação, o
que já me parecia previsível.
Erica
– Natália
chama atenção para essa outra Campos. Seus eleitores querem um governo
parametrado por outras métricas, por outra lógica que não aquela vinculada aos
interesses econômicos e corporativos. Esse movimento também foi vitorioso
nessas eleições. O país não elegeu só os candidatos dos partidos liberais e
conservadores; foram eleitos também, vereadores e prefeitos de esquerda e
centro-esquerda, transsexuais, mulheres negras, quilombolas e indígenas,
demonstrando a necessidade de inclusão das pautas feministas e de gênero,
antirracistas e socioambientais.
Guiomar
– Concordo
com este reconhecimento. O Psol em Campos refletiu positivamente a performance
nacional do partido nesta eleição, um avanço localizado nos seus passos para
consolidar-se no campo progressista. Exemplo maior é sua presença no segundo
turno na cidade de São Paulo, independente do lulismo. Quanto ao desempenho
pífio do prefeito de Campos, dentre outras razões, destaco o seu
“ensimesmamento” no poder, impedindo um diálogo com a população organizada
sobre a profunda crise financeira que herdou e suas consequências para todas as
áreas. Inclusive na divulgação dos seus feitos neste contexto.
Marcio
– De
fato, a figura da Professora Natália foi saudada por muitos especialistas como
o principal fato novo destas eleições. Oxigenou o cenário e trouxe um
posicionamento propositivo e embasado. O resultado mostra que existem setores
da cidade que anseiam por essa renovação e se enxergam nessa candidatura que
reivindicou o respeito à educação, aos negros e a orientação socialista. Por
outro lado, a derrota estrondosa de Rafael Diniz é fruto de sua política
neoliberal, de esvaziamento dos programas sociais. Não mostrou a que veio. E
venceu em 2016 tão somente por um desgaste da família Garotinho na época.
Folha
– Entre os militantes de Natália, houve queixa do resultado das urnas. O fato é
que a esquerda goitacá sempre fez, no máximo, uma cadeira na Câmara, este ano
ausente. Para prefeito, o melhor desempenho foi em 2012, com o segundo lugar do
saudoso Makhoul Moussallem. Não impediu a reeleição de Rosinha Garotinho (hoje,
Pros) no primeiro turno, mas fez 61.143 votos (25,52%). Que o médico conquistou
por ter excedido pessoalmente o PT. Qual o caminho à esquerda em Campos? O Psol
assume nele o protagonismo? E no Brasil?
Abraão
– Aqui
vale recordar a frase da primeira pergunta: “Campos é o espelho do Brasil”. No
cenário atual, o Psol se destaca como partido progressista, defensor de uma
política preocupada com os trabalhadores e as parcelas mais pobres do país. A
esquerda imaculada hoje está no Psol, pois o PT foi estigmatizado ao longo dos
últimos anos. Apesar de relevante, a esquerda no país, e em Campos, é marcada
por muitas fissuras. São muitas disputas internas que prejudicam a formulação
de estratégias de articulação para o sucesso no pleito eleitoral. A criação de
alianças e a formulação de estratégias, para além das divergências, parece ser
crucial para a esquerda.
Alexandre
– Esses
conceitos são complicados. Garotinho, em 1988, quando eleito pela primeira vez,
no PDT, não era o “candidato da esquerda” contra a direita liberal e
conservadora que governou Campos por tantos anos? Penso que sim. Depois,
infelizmente, descambou para o populismo puro. Acho que o caminho da esquerda
no Brasil é levantar alto a bandeira do antibolsonarismo, mas sem flertar com o
mesmo extremismo de Bolsonaro. Se o Psol souber fazer isso, poderá ganhar ainda
mais espaço, o espaço que já foi do PT em todo o Brasil.
Erica
– Eu só
posso responder como uma eleitora da esquerda. Antes de pensar na hegemonia
deste ou daquele partido, me interessa o avanço das pautas da esquerda:
emprego, direitos civis, proteção social, direitos humanos, proteção ambiental,
ou seja, tudo aquilo que a sociedade brasileira construiu na Constituição de 1988
e que vem sendo destruído pelos representantes do ultraneoliberalismo desde
2016. Penso que as alianças serão fundamentais, não só entre os partidos de
centro-esquerda, mas, também, com os movimentos sociais e as organizações da
sociedade civil que não podem ser desprezados na reconstrução deste país.
Guiomar
– A
tarefa da esquerda em Campos, como a nível nacional, será árdua! O resultado
dessa eleição mostrou também em números o aprofundamento da sua crise, iniciada
já no primeiro governo Lula, escancarada em 2013, anunciando um definhamento em
2016 e em 2018. Vai exigir coragem, resiliência, a prática radical dos valores
ético-humanistas para a superação das amarras históricas do autoritarismo,
populismo e personalismos, que estruturalmente permaneceram nos partidos de
esquerda. Acho cedo demais historicamente para afirmar neste momento que o Psol
aqui ou nacionalmente assumirá o protagonismo na esquerda.
Marcio
– Em
termos nacionais o Psol tem ocupado esse vácuo deixado pelo PT, que caminhou ao
centro, compondo alianças muitas vezes questionáveis. Em Campos não foi
diferente e o Psol tanto na eleição de 2018, quanto nessa, soube aproveitar e
defender esse legado da resistência a projetos excludentes. Ao que tudo indica
tem grandes chances de conquista frutos no legislativo em uma próxima eleição,
à medida que é um partido que reorganizou recentemente seu diretório municipal.
A própria Professora Natália parece ter futuro promissor.
Folha
– A eleição presidencial de Joe Biden nos EUA e o primeiro turno nos municípios
brasileiros parecem marcar a derrota da extrema-direita, mas com inflexão ao
centro, não à esquerda. Como você vê? Em Campos, o segundo turno entre Wladimir
Garotinho (PSD) e Caio Vianna (PDT, mas com vice do PSL) reflete isso? Jair
Bolsonaro foi o grande perdedor das urnas de 15 de novembro? E o PT, fora do
turno final em todas as capitais brasileiras, à exceção do Recife?
Abraão
– A
eleição de Campos constitui uma alternância de poder entre famílias de antigos
governantes e parece não possuir as marcas da oposição entre esquerda e direita
que caracteriza a polarização nacional. Políticos de centro ocupam o poder há
décadas por aqui. Bolsonaro, por sua vez, não foi um sucesso como cabo
eleitoral, mas é preciso lembrar que as eleições municipais são diferentes das
eleições presidenciais; sentimentos e interesses distintos caracterizam os
pleitos. Nesse sentido, observar o fracasso dos candidatos bolsonaristas não é
uma garantia de que o próprio Bolsonaro vá fracassar em sua reeleição, ainda
mais com a estigmatização do PT.
Alexandre
– Concordo
com você. A eleição de Biden e os resultados de nossa eleição refletem um
refluxo, e rápido, de políticas como o trumpismo e o bolsonarismo. Esse modo
extremo de pensar a política, para alguns, de não fazer política, não vai
acabar, mesmo perdendo eleições, mas vai se enfraquecendo. Bolsonaro não tem
partido, mas a sua forma de fazer política saiu derrotada nas eleições. Ele tem
que ser muito burro ou arrogante para não enxergar a derrota pessoal. Os seus
eleitores preferem falar na “diminuição do PT”, como se o contraponto sempre
fosse o crescimento de Bolsonaro. Esquecem que existe a virada ao centro, seja
mais à direita, seja mais à esquerda. O segundo turno de Campos reflete isso. E
mais: candidata do Psol, Natália deu uma surra nos dois candidatos, juntos, que
se declararam bolsonaristas, Tadeu e Jonathan Paes. Isso diz muito.
Erica
– Concordo
com as análises que identificam a derrota da extrema-direita, do negacionismo e
da política do ódio representada pelo presidente da República. Sobre os
partidos liberais, chefiados pelos “velhos” políticos ligados às oligarquias
regionais, o seu crescimento tem relação com os episódios recentes na política.
É preciso lembrar que quem comandou o impeachment de 2016 não foi Bolsonaro.
Portanto, o protagonismo destas forças políticas hoje já era esperado. Mas,
vale ressaltar que além do PT saíram dessa eleição de primeiro turno com menos
prefeituras: PSB, PSDB e MDB. O que mostra a rearticulação dos partidos mais à
direita.
Guiomar
– A
vitória de Joe Biden na eleição presidencial, de fato, é um “respiro
civilizatório” diante das vitórias da irracionalidade na política, mas, sem
nenhum romantismo de mudança de lugar do nosso país no mundo. É também fato que
neste momento podemos constatar a derrota eleitoral da extrema-direita, do
bolsonarismo. Entretanto, não dá ainda para termos esperanças em 2022, já que a
mudança na correlação de forças caminhou para a centro-direita. O segundo turno
em Campos reflete isso, sem dúvidas. O PT lulista pós-eleição talvez esteja
vivendo uma “junção de epílogo e posfácio”, se nada acontecer de novo.
Marcio
– O ciclo
neoliberal dá sinais de esgotamento por todo o mundo. Para além dos Estados
Unidos, o mesmo ocorreu na Bolívia, Argentina, dentre outros países. Parece que
no Brasil o mesmo ocorreu no último domingo. Mais um rechaço plebiscitário
contra essas políticas públicas de Estado mínimo que um crescimento real da
esquerda, por isso o crescimento do centro e um não avanço do PT. Ainda é cedo
para falarmos de fim do bolsonarismo, afinal os próximos dois anos são
essenciais na disputa de horizontes a serem construídos.
Folha
– Dos espectros políticos à realidade dos números, Wladimir teve 42,94%
(105.526 votos) no primeiro turno, contra 27,71% (68.732 eleitores) de Caio.
Para que este consiga tirar essa grande diferença e se eleger prefeito, teria
que conquistar pelo menos três em cada quatro dos 72.817 votos dados a outros
candidatos no primeiro turno, sem abstenção, branco ou nulo no segundo.
Matematicamente, é possível. E eleitoralmente? Por quê?
Abraão
– Caio e
Wladimir, apesar de adversários no pleito, se assemelham em diferentes
aspectos. Ambos são jovens, filhos de ex-prefeitos e não possuem uma identidade
política com inclinação de esquerda ou direita. Assim, dificilmente os
eleitores da Professora Natália vão aderir a um dos candidatos, por exemplo.
Imagino que, a não ser que algo muito extraordinário ocorra, a tendência seja
de um aumento nas abstenções, nos votos brancos e nulos. O desafio de Caio é
atrair os votos de um eleitorado que não se sente representado por ele, e isso
em um intervalo de tempo muito curto.
Alexandre
– Em
política, quase tudo é possível, né? Acho que tudo vai depender das alianças.
Só que a campanha de Wladimir teve algo inusitado para mim: muitas pessoas que
conheço, que não suportam politicamente os seus pais, votaram nele porque
enxergaram algo diferente, além de considerá-lo o mais preparado. Acho que ele
aproveitou bem a sua passagem na Câmara dos Deputados, e isso foi decisivo para
ele convencer esse grupo de pessoas, que não acredita no garotismo, mas confia
em Wladimir. Se Rafael tivesse obtido os resultados de gestão que a maioria
esperava, ele seria o favorito. Sem Rafael no páreo, penso que Wladimir é o
favorito.
Erica
– Penso
que o primeiro desafio de ambos será convencer os eleitores a irem votar,
particularmente aqueles que parecem não se identificar com nenhum dos dois
projetos. Por outro lado, a votação nos demais candidatos derrotados no
primeiro turno, indica, ao meu ver, uma dificuldade dos eleitores em reconhecer
o Caio como uma liderança política. Mas, segundo turno é uma outra conversa,
com novas alianças, negociações e perspectivas. Talvez, a novidade esteja em se
desvencilhar das experiencias passadas e oferecer um outro modo de governo,
mais transparente, menos clientelista e mais abertos às demandas populares.
Guiomar
– Mesmo
diante dos dados explicitados na pergunta, nada é impossível de acontecer
eleitoralmente. A história da política brasileira mostra isso, inclusive,
recentemente. Agora, é improvável que Caio Viana vença este segundo turno.
Considerando o perfil partidário/eleitoral de centro-direita da nova Câmara e
de outros candidatos que perderam, lembro que este espectro político tem em sua
natureza o fisiologismo e o pragmatismo. O velho clientelismo não resistirá às
chances dos 42,94%. A ver.
Marcio
– A
política não se resume em matemática. A eleição do segundo turno é uma outra
composição. Nesse ano em específico, Caio teria que correr atrás daqueles que
se abstiveram e tentar estabelecer composições com os derrotados, que muitas
das vezes é difícil por conta da disputa no primeiro turno.
Folha
– Wladimir talvez tenha seu maior obstáculo na Justiça Eleitoral. Não pela
“Chequinho” dos seus pais, mas pela desincompatibilização fora do prazo do seu
vice, Frederico Paes (MDB), do Hospital Plantadores de Cana (HPC). Que teve a
candidatura indeferida no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), fazendo com que os
votos da chapa fossem divulgados como “Anulado Sub Judice”. A decisão final
caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E parece dividida em dois juízos
de mérito: a condição do vice e a contaminação, ou não, da chapa. Como você
projeta?
Abraão
– As
regras do processo eleitoral são as mesmas para todos os candidatos. É
espantoso que um erro dessa natureza aconteça na formação de uma chapa com
grande potencial de sucesso em uma cidade do porte de Campos. E, uma vez
constatada a irregularidade, as instituições competentes passam a atuar. Agora,
cabe ao Tribunal Superior Eleitoral cumprir seu papel de analisar e julgar.
Infelizmente tudo isso se dá em um contexto de grande questionamento e
insegurança em relação às instituições. Mais uma vez o processo eleitoral em
Campos é marcado por irregularidades e incertezas.
Alexandre
– Há
diversos precedentes do TSE no sentido de não haver a contaminação, ou seja, de
as condições de elegibilidade serem pessoais, do vice e do prefeito, de forma
que a chapa não seja contaminada pela ausência em relação a um desses
integrantes. Na chapa, o problema foi com o vice, o que pode acarretar o
indeferimento do seu registro, sem que isso importe em anular o registro da
chapa toda. Muitos desses precedentes envolveram casos de improbidade
administrativa, inclusive. No caso da chapa de Wladimir, o problema foi só o do
tempo de desincompatibilização, o que pode ajudar. Em casos análogos, o ministro
Barroso, hoje presidente do TSE, entende que só em casos muito extremos não
deva prevalecer a vontade das urnas, caso o verdadeiro cabeça da chapa for o
candidato a prefeito, de forma que a impugnação do vice não deve contaminar
toda a chapa eleita pela maioria dos votos. Este é caso em Campos, ao menos no
primeiro turno. A briga vai ser boa, mas vejo boas chances para o deferimento,
ao menos, para Wladimir.
Erica
– Mais
recentemente, o Brasil tem experimentado sentenças inusitadas e, muitas vezes,
ao gosto do freguês, geralmente as elites. O protagonismo político de alguns
juízes tem sido duramente criticado pelos próprios pares. A judicialização da
política é um caminho perigoso e extremamente nocivo à democratização. Por mais
que a democracia apresente problemas, e a democracia brasileira tem muitos
limites, ela é a melhor opção às ditaduras militares e ao fascismo. Quanto à
questão da chapa em particular, não saberia analisar. No entanto, penso que a
Justiça deva se esforçar sempre para respeitar a vontade do eleitor, ela deve
ser soberana sempre.
Guiomar
– Dado o
atual perfil dos magistrados do TSE, para mim, judicialistas, em especial, o
presidente desta Corte, Luís Roberto Barroso, existe uma probabilidade alta de
indeferimento da chapa.
Marcio
– Existe
jurisprudência favorável à aprovação da chapa. O jogo ainda não está decidido.
Caberá também ao posicionamento dos juízes em questão. Foi um erro infantil a
não desincompatibilização do vice em tempo hábil, mas pode ser ainda ser
revertido. O lado negativo é que traz uma insegurança institucional para o
pleito, mesmo depois do mesmo decorrido.
Folha
– A depender do resultado e do tempo da decisão do TSE, não se descarta nem o
adiamento do segundo turno para reinseminação das urnas, ou a anulação do
pleito. Tudo isso cai por terra se o TSE deferir a candidatura de Frederico, ou
se entender que um indeferimento não afetaria Wladimir. De qualquer maneira, como
vê o fato do processo eleitoral de Campos ser mais uma vez definido pelo
Judiciário?
Abraão
– O tempo
do Direito não é igual ao tempo da política. O TSE foi acionado em função de
uma irregularidade no processo e agora precisa definir as consequências disso.
A decisão sobre o processo, no entanto, pode não se dar em consonância com o
calendário político, o que cria uma grande incerteza. E mesmo com essa
indefinição e a possibilidade de anulação da candidatura, a chapa questionada
foi a mais votada na cidade, com ampla maioria de votos. A população, que foi a
Zonas Eleitorais muitas vezes lotadas em pleno contexto de pandemia e aumento
do número de casos, continua sem saber sobre a validade de seus votos. Situação
muito ruim.
Alexandre
– Muito
ruim, mas infelizmente parece que naturalizamos, no Brasil todo, a
judicialização não apenas da política, mas das crises políticas e dos
resultados eleitorais. Isso tem ocorrido nos três níveis federativos. Nesse
caso, acho que o Brasil se tornou o espelho de Campos.
Erica
– Como já
disse na questão anterior, o Judiciário existe para cumprir a lei que não é
construída por ele e sim pelo Legislativo. Nesse sentido, penso que ele deve
sempre se ater à Constituição de 1988 e às demais legislações. Não vejo com
bons olhos a politização nem do Judiciário, nem do MP.
Guiomar
– Vejo a
judicialização da política, não apenas no âmbito eleitoral, como um fenômeno da
crise final da Nova República, do esgotamento do seu modus operandi traçado
e levado às últimas consequências da velha forma de se fazer política. É
frustrante esse processo. Nosso município, afirmado em pergunta anterior, é,
segundo Vargas, “o espelho do Brasil”, não me estranha as constantes
judicializações dos pleitos e dos candidatos eleitos já empossados. Repito, é
frustrante a naturalização deste fenômeno. Como ainda o “novo não nasceu”… haja
paciência histórica!
Marcio
– A
judicialização da política não é salutar, pois traz incertezas e esvazia a
importância do sufrágio e da vontade popular. Porém, nesse caso específico não
é por si só uma discussão política, mas muito mais técnica, que acaba por se
revestir em última instância em uma discussão também de ideias, afinal os
juízes não vivem apartados da sociedade.
Folha
– Como avalia as candidaturas de Wladimir e Caio? Quais são, em seu entender, a
maior virtude e defeito de ambos? O que projeta para Campos no governo de um e
do outro? Vê o risco de qualquer um deles, se eleito, sair da Prefeitura em 1º
de janeiro de 2025 com tanta ou mais rejeição popular que Rafael? Se isso
acontecer, o atual prefeito, que antes foi vereador de brilho na oposição, pode
ser popularmente redimido?
Abraão
– A
futurologia é muito arriscada, por isso é mais fácil falar sobre o que já
aconteceu ou sobre o que está acontecendo. Wladimir e Caio carregam nas costas
o fardo de serem descendentes de famílias que fizeram administrações
desastrosas de nossa cidade. Ao mesmo tempo, como aqueles foram tempos de
fartura, suas famílias estiveram à frente do governo em tempos de melhores
condições de assistência social, emprego e renda. O destaque que recebem
decorre desses “tempos melhores”, ainda lembrados pela população. A questão é:
serão eles capazes de promover o crescimento da cidade e do bem-estar social
com os recursos atuais?
Alexandre
– Acho
que ambos possuem uma carga negativa de seus pais como administradores,
políticos cassados, com problemas de gestões acusadas de fraude e corrupção.
Quanto à virtude, no campo político, acho que Wladimir pode se orgulhar do
ótimo desempenho que teve como deputado federal, inclusive ajudando Campos em
diferentes momentos com verbas federais. Quanto ao Caio, não conheço,
sinceramente, acerca de seu desempenho político. Projeto dificuldades para
ambos, ante a falta de recursos que tanto prejudicou Rafael. Claro que podem
sair desgastados, como podem sair consagrados por conseguirem contornar os
problemas. Vão precisar buscar parcerias públicas e privadas, fazer surgirem
receitas novas. Sobre Rafael Diniz, penso, sim, que sua história ainda não
acabou como político de Campos, seu valor ainda pode ser reconhecido no futuro.
Ele merece isso.
Erica
– Acredito
que ambos tenham qualidades pessoais e políticas, senão não chegariam onde
chegaram. Mas, fazer política é administrar conflitos e escolher prioridades
sobre onde utilizar o recurso público. Nesse sentido, penso que ambos podem
resgatar os acertos do seu grupo político e deixar de lado a velha política
clientelista que tanto machuca a cidadania. As pessoas rejeitam o clientelismo,
mesmo tendo que recorrer a ele na ausência de políticas públicas universais.
Eles querem ser tratados como cidadãos de direito e como protagonistas da vida
pública. Penso que sempre é hora para começar a conduzir o governo local com a
participação popular. Por que não?
Guiomar
– As duas
candidaturas têm gêneses de rompimento com o “coronelismo e personalismo de
velho tipo”, portanto, se autoproclamavam o “novo e moderno” neste município. A
História mostrou uma nova versão do populismo conservador e um escancaramento
da apropriação privada da coisa pública. Ambos cresceram imersos nesta cultura.
Por isso não tenho condições de falar das suas virtudes políticas, são frágeis
as experiências de ambos. A não reeleição é sempre possível, e, nestes tempos
de transição, se nada for feito de redistributivo na área social com ajuste
fiscal, a “redenção” em 2025 passa a ser um cenário viável!
Marcio
– A candidatura
de Wladimir traz como grande peso e ao mesmo tempo benefício a trajetória de
seus pais. Por si só o deputado federal representa um polo sadio ao tentar
estabelecer um comportamento por vezes republicano, como no caso da emenda para
a construção dos novos prédios da UFF-Campos, onde teve atitude
suprapartidária. Por vezes seu destempero, como no caso da tentativa de agredir
um cidadão que insultou seus pais, pode atrapalhar. Ou por ter faltado aos
debates e não demonstrar compromisso cívico. Por sua vez, Caio Vianna também
traz esse legado da família tradicional de Campos, o que também lhe prejudica e
ao mesmo tempo beneficia ao ganhar votos por conta da herança. Mas também
faltou aos debates e parece sempre agir na espreita ao tentar costurar apoios
como do PSL e não parece fazer um debate público de peso e de grandes projetos.
Ambos terão que se comportar com a grandeza e responsabilidade que o cargo
exige e precisam amadurecer muito ainda. Por último, vejo poucas chances
de Rafael Diniz ser redimido. Sua gestão ficará marcada na história como um
traço negativo.
*
Publicado originalmente no blog Opiniões dirigido pelo jornalista Aluysio Abreu
Barbosa. Link do post original da entrevista: http://opinioes.folha1.com.br/2020/11/21/campos-refletida-entre-wladimir-e-caio-como-espelho-do-brasil-e-do-mundo.
Acesso em 24/11/2020.