quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Caricatura Oliver Hardy, o Gordo


Caricatura do ator Oliver Hardy, do Gordo e o Magro. Feita para a 3º Bienal Internacional da Caricatura. A exposição Cinema entra em cartaz nesta quinta no Solar de Botafogo.
Serviço: 
ABERTURA: 20 DE DEZEMBRO DE 2018 (quinta), no CENTRO CULTURAL SOLAR DE BOTAFOGO (Rua General Polidoro, 180), a partir das 18:30 horas

Oscar Niemeyer e Brizola

Oscar Niemeyer e Brizola feitos a pedido da Aduenf, seção sindical da Uenf. Sempre é bom lembrar o legado estadista e popular do trabalhismo.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Restaurante popular: notas para um debate


Restaurante popular: notas para um debate 

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Eis um tema que requer uma crítica propositiva no campo progressista: a política municipal de segurança alimentar e nutricional. Delinear tal crítica não é tarefa simples, sobretudo pelo senso de urgência que a regressão dos indicadores sociais suscita no Brasil pós-golpe. Em Campos dos Goytacazes-RJ, o retorno dessa pauta diz respeito ao serviço, suspenso desde 2017, do "Restaurante Popular". No afã de estabelecer sua marca distintiva, a atual gestão anuncia a mudança de nome do restaurante em seu processo de reativação: "Centro de Segurança Alimentar e Nutricional" (CESAN). Para Sana Gimenes, Secretária Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, trata-se não somente de rebatizá-lo, mas de modificar o "modelo" dessa política social[1]

Para esboçar o que venha a ser tal “modelo” no cenário local, temos de abordar preliminarmente o que é segurança alimentar e nutricional. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)[2], órgão de assessoramento imediato da Presidência da República, expõe a razão de ser dessa política: o direito universal ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente que não comprometa o acesso a outras necessidades essenciais. Sua prioridade é a oferta pública de práticas alimentares benéficas à saúde que tenham por fundamento o respeito à diversidade cultural e que sejam ambiental e economicamente sustentáveis.

Trata-se, pois, de aplicar um conjunto de ações intersetoriais na gestão da cadeia produtiva de alimentos que não relegue ao segundo plano questões como, por exemplo, a fiscalização do uso de agrotóxicos nas lavouras comerciais – quando resulte em ganhos de produtividade em descompasso com a saúde dos(as) trabalhadores(as) –, bem como a redução da desigualdade de acesso à terra urbana e rural e ao território, o fomento à agricultura familiar e o fortalecimento da produção orgânica e agroecológica de alimentos, a regulação dos meios (um palavrão para os “liberais morenos” que temos...), notadamente a publicidade infantil, no que toca à redução do estímulo ao consumo de alimentos prejudiciais à saúde ou que nos distanciem de hábitos alimentares tradicionais que constituam um bem coletivo.

Tomando por referência o conceito adotado pelo CONSEA, discutir segurança alimentar e nutricional implica avaliar o quão próximo ou distante estamos da condição de soberania alimentar: o direito que assiste aos povos de definir com autonomia as políticas sobre o que produzir, para que produzir e em que condições produzir. Topamos aqui com um fato e um dado: a crescente incapacidade do Estado que conduzir sua política social sob a captura do capital financeiro. O diagnóstico aqui quase sempre é destinado aos Estados nacionais, porém, ensina a doutrina administrativista, municípios também são uma expressão do poder estatal enquanto entes dotados de autonomia política desde à Constituição de 1988.

Fazer-se “soberano”, no sentido bem compreendido do termo para uma prefeitura municipal, leva-nos a avaliar possibilidades e limites da participação popular nas instâncias de decisão competentes para a política de segurança alimentar e nutricional que se desenha no momento. Desse modo, creio que tão importante quanto dimensionar recursos e restrições para a sua execução orçamentária, é diagnosticar problemas de concepção dessa política, pois traduzi-la é em si mesmo um desafio para o campo progressista que queira construir mediações para a cidadania ativa dos futuros usuários do CESAN.

Como a Prefeitura propõe a retomada do serviço?

Projeta-se um acréscimo de 1000 refeições em comparação com o que se ofertava na primeira versão do Restaurante Popular (em torno de 2500 refeições) e a inclusão do jantar (antes se restringia ao café da manhã e ao almoço). É previsto gratuidade para pessoas em situação de pobreza, extrema pobreza e em situação de rua, conforme dados do Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) e, também, preços reduzidos à metade para pessoas inscritas no CadÚnico que não se enquadrem em nenhuma das situações mencionadas acima. Demais pessoas pagarão preços “normais”. Os preços da refeições e a localização do CESAN ainda não foram definidos. Seus dias de funcionamento serão de segunda a sexta-feira.

A prestação do serviço será descentralizada: de um lado, contração, mediante licitação, de empresa especializada para o preparo das refeições e manutenção dos equipamentos e maquinário; de outro, uma parceria com os permissionários do Mercado Municipal que doarão alimentos inadequados para comercialização, mas próprios para o consumo humano, destinados a um “Banco de Alimentos”, que responderá parcialmente pelo abastecimento. Para este fim, também é prevista a participação da agricultura familiar e das cooperativas em pelo menos 30% dos alimentos ofertados; outra articulação com o setor privado – a Liga Gastronômica de Campos – é proposta com o objetivo de assegurar o funcionamento do CESAN nos fins de semana. Cogita-se ainda oferecer aos sábados refeições no CESAN aos assistidos pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CentroPop).

Feita essa rápida descrição do rol de proposições da Prefeitura, chamo atenção para uma declaração da secretária municipal de Desenvolvimento Humano e Social que sinaliza o tamanho da expectativa em torno da retomada do "Restaurante Popular" (ainda que com outro nome) para um governo cuja popularidade está em xeque:

A gente trabalha com a perspectiva imediata de combater a fome, mas queremos construir uma política mais ampla, de forma que a segurança alimentar e nutricional seja uma das principais bandeiras de nossa gestão — disse Sana [Gimenes][3].

Nada contra (nem a favor) um agrupamento político não medir esforços para manter e/ou ampliar o seu espaço de poder. Lutar para demarcá-lo não é crime nem pecado, sobretudo se a efetividade de um serviço público está em jogo. Mas cabe indagar se aquele espaço é ou não um espaço democrático. Este caracteriza-se pela abertura que a sociedade civil organizada tem para exercer o dissenso em processos de decisão coletiva. Se o CESAN é um divisor de águas como se pretende, é fortuito que o debate público seja ampliado para desfazer os nós em questões pendentes[4]. Contrapondo a fala da secretária com as proposições já descritas, não está claro onde começa a universalização e termina a focalização dessa política de segurança alimentar e nutricional.

Universalização e focalização são orientações normativas e não conceitos estanques, podendo ser conjugadas de diversas maneiras em casos concretos. Ao que tudo indica, há uma prevalência da focalização no estilo de política social que se quer adotar, ainda que o discurso oficial pareça dizer o contrário. Se isto é razoável ou não, dependerá do arranjo que se pactue entre a administração municipal e a sociedade civil, considerando que o município (Estado) pode ser um transferidor de renda para cima ou para baixo segundo a constelação de interesses que guie seus atos administrativos. Considerando a amplitude do conceito de segurança alimentar e nutricional, o experimento de proteção social anunciado em Campos dos Goytacazes pode ser também uma política redistributiva para a cidade. Para tanto, há de se esclarecer qual concepção de justiça social está posta na mesa.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Documentário "Auto de Resistência" - terça, 04/12/2018 - 18 horas


Um documentário sobre os homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em casos conhecidos como "autos de resistência".

O filme acompanha a trajetória de personagens que lidam com essas mortes em seus cotidianos, mostrando o tratamento dado pelo Estado a esses casos, desde o momento em que um indivíduo é morto, passando pela investigação da polícia, até as fases de arquivamento ou julgamento por um tribunal do júri.

Após a exibição do documentário, será realizado um debate com a participação da diretora do filme, Natasha Neri, o defensor público Tiago Abud e Dona Ivanir Mendes, mãe de vítima do Estado e ativista da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.

Local: Auditório da UFF de Campos dos Goytacazes

Rua José do Patrocínio, 71

Fonte: Facebook.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Samba, resistência e democracia - quarta, 28/11/2018 - 18 horas

Prezad@s,

Repassando convite do prof. Paulo Gajanigo do  Departamento de Ciências Sociais da UFF:

"(...) gostaria de divulgar evento que estou organizando em parceria com Giovane Nascimento, da UENF. Exibiremos o documentário 'Kizomba: 30 anos de um grito negro na Sapucaí', produzido pelo Departamento Cultural da Vila Isabel. Após a exibição ocorrerá uma roda de conversa com a presença da Velha Guarda da GRBS Os Psicodélicos e de Vinícius Natal (diretor do Dep. Cultural da Vila Isabel)."


O evento irá acontecer na próxima quarta-feira, dia 28/11, 18 horas, na quadra dos Psicodélicos aqui em Campos. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Falando em Bienal de Campos... Parte II

Prezad@s,

Texto de divulgação do lançamento do trabalho do Carlos Abraão Valpassos amanhã na Bienal campista.

Tema absolutamente fundamental em nossa conjuntura... Nunca foi tão necessário um olhar sério sobre esta questão e Abraão, meu colega de Departamento e amigo de outros carnavais, certamente tem muito a dizer sobre questão tão espinhosa em seu livro.

Divulguem e prestigiem!



Professor da UFF lança livro sobre abortos na Bienal

O doutor em antropologia cultural e professor da UFF, Carlos Abraão Valpassos lança neste sábado (24), na 10ª Bienal do Livro de Campos, o livro: "Abortos: Dramas Sociais e Histórias Sobre eles". O evento acontece às 20h no estande da universidade. O livro é o resultado de cinco anos de pesquisas e entrevistas sobre o tema, não se posicionando favorável ou contra a questão. A obra aborda as tensões em torno de um dos debates mais intensos do Brasil contemporâneo. Para ilustrar as perspectivas, o antropólogo trata de alguns dos principais eventos que marcaram a questão do aborto entre os anos de 2007 e 2010, formulando, a partir de múltiplas fontes empíricas, uma narrativa que expõe os conflitos e antagonismos em diferentes contextos. "Entender o debate em torno do aborto no Brasil é uma tarefa que implica, no mínimo, a consideração da cosmologia religiosa na formação de discursos que compõem a base dos argumentos 'pró-vida' apresentados nos debates sobre o tema. Do mesmo modo, seria impossível discutir essa questão sem considerar os discursos feministas e seus argumentos em defesa da legalização do Aborto", cita o autor.

I Encontro do Grupo de Estudo Paulo Freire

Em uma época na qual o vazio de pensamento campeia, é animador divulgar uma iniciativa tão oportuna como estudar a vida e obra de Paulo Freire:


quinta-feira, 22 de novembro de 2018

HOJE: I Fórum de Direitos Humanos de Campos dos Goytacazes

Chamada do I Fórum de Direitos Humanos de Campos dos Goytacazes

A Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS) convida para o I Fórum de Direitos Humanos de Campos dos Goytacazes, que irá acontecer no dia 22 de novembro, às 14h, no Teatro de Bolso Procópio Ferreira.

Comporão a mesa a Professora Dra. Fernanda Maria da Costa Vieira, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) da UFRJ; a Secretária de Desenvolvimento Humano e Social e Profa. Dra. da UNIFLU e da Universidade Cândido Mendes, Sana Gimenes; e a Assessora de Direitos Humanos e Cidadania da SMDHS, Vanessa Henriques.

Em 2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos de existência. O propósito deste fórum é debater questões pertinentes aos direitos humanos, sobretudo desmistificando noções equivocadas sobre o tema que permeiam o debate público. Dado o atual contexto nacional, faz-se mais que necessário criar espaços como esse para que possamos evitar retrocessos no campo dos direitos.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

domingo, 18 de novembro de 2018

Falando em Bienal de Campos.... Parte I

Prezad@s,

Mesmo com toda a histeria nada ingênua de certos grupos reacionários de Campos a 10ª Bienal realmente promete ser um sucesso. Um verdadeiro sopro de frescor nestes tempos que correm.

Contribuindo de forma brilhante para este esforço de inteligência em dias tão bicudos, venho chamar a atenção para os trabalhos de dois colegas do Departamento do Ciências Sociais da UFF-Campos que serão lançados no evento.

Andrea Paiva estará com seu trabalho, a reedição de sua dissertação de mestrado, lançado no dia 21 de novembro, 20 horas, conforme convite que inseri aqui neste post. O livro intitulado "Buraco Escuro: memória, espaço e identidade de uma comunidade mineira em festa por Nossa Senhora do Rosário" também terá seu espaço garantido para mais um lançamento no próprio stand da UFF/Campos no dia 23, sexta-feira, durante o evento.

Por fim e não menos importante: no dia 21 de novembro minha colega não estará sozinha. O polivalente Carlos Eugênio Soares, também membro do nosso Departamento de Ciências Sociais, na mesma ocasião lançará o seu livro "Vivendo em tempos de tirania - a Vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes - tão perto do Rio de Janeiro, tão longe do Espírito Santo (1808-1832)".

Prestigiem. A produção intelectual de qualidade, quem diria, tornou-se em si algo até subversivo na conjuntura. 



sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Bienal do Livro em Campos: território livre


Bienal do Livro em Campos: território livre

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Li de ponta a ponta a programação da 10ª Bienal do Livro em Campos dos Goytacazes[1]. Posso dizer sem medo de errar que está um primor. Sua curadoria foi muito feliz na eleição dos temas a serem abordados entre os dias 20 e 25 de novembro, confirmando a Bienal como um espaço aberto e plural: diferentes pessoas, com ou sem familiaridade com os códigos da cultura erudita, terão a oportunidade de se deixarem afetar pelo mundo da literatura, renovando suas perspectivas sobre a realidade brasileira e elevando suas exigências diante da mesma.

O fomento à leitura é bem-vindo, haja vista a aridez na qual o brasileiro médio cultiva sua subjetividade e, quiçá, um tanto urgente diante da epidemia de "terra-planismo" que assola uma população cuja vontade coletiva é suscetível a toda sorte de mistificação de fundo reacionário.

Em que terreno pisamos aqui? Alguns dados da mais recente pesquisa "Retratos da leitura no Brasil"[2] ajudam a nos situar. Na metodologia empregada, definiu-se "leitor" como aquele que leu, integral ou parcialmente, pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa e "não-leitor" quem declarou não ter lido nenhum livro nos três meses anteriores à pesquisa, ainda que tenha lido nos últimos 12 meses. Tendo por base tais categorias de análise, os resultados indicam que 44% da população podem ser considerados "não-leitores", equivalendo a mais de 80 milhões de brasileiros(as).

Embora a região Sudeste tenha o menor percentual de população não-leitora (39%), não há por que subestimarmos os desafios postos à difusão da leitura em terras fluminenses. Provavelmente, o mais árduo deles seja trazer para a argumentação racional uma extrema-direita local que, sob a égide do bolsonarismo, apregoa a censura às artes e à docência. Ora, se a referida pesquisa sinaliza que quanto maior é o nível de escolaridade, mais recorrente é a menção a "atualização cultural ou conhecimento geral" como motivações para ler um livro, é provável que a campanha, em si patética, de boicote à Bienal do Livro não seja de todo fruto de ignorância, senão de sua exploração sistemática para fins moralmente duvidosos.

Por que precisaríamos da tutela de alguém para acessar um livro ou qualquer outro bem cultural? Ainda que não devamos ser inconsequentes ao dizer "sim" às nossas volições enquanto trabalhadores da cultura - algo que um comunicador como Silvio Santos, por exemplo, não se importa ao assediar sexualmente uma cantora em rede nacional[3] - seria um verdadeiro desserviço cercear iniciativas como a Bienal do Livro. Fazê-lo vai de encontro ao debate sobre o que sejam fronteiras legítimas entre arte, estética e moral, pois mataria no nascedouro aquilo que confere vitalidade à esfera pública: o pluralismo político.

Sintoma dessa interdição do pensamento é a nota de repúdio de um vereador campista a um dos convidados para a Bienal deste ano:


"Não estou fazendo nenhum julgamento dele, mas questiono a sua vinda à nossa cidade..."[4]. Desafio alguém a encontrar algum nexo lógico no posicionamento de Marcelo Perfil. Um lembrete ao vereador e àqueles que o têm "cobrado nas redes sociais": Wagner Schwartz é um homem livre para dialogar conosco sobre notícias falsas ou quaisquer outros assuntos de interesse público e a alusão que fazem ao seu trabalho artístico no Museu de Arte Moderna (MAM) prova apenas a fragilidade de argumentos moralistas.

Sim, Wagner Schwartz ficou nu no MAM. E daí? Ao contrário do que sugere a nota acima, a performance de Schwartz foi completamente distorcida com a repercussão dada a mesma por parlamentares e lideranças religiosas (cada vez mais indistinguíveis entre si nas casas legislativas deste país) cujos ativos políticos são capitalizados pelo chauvinismo de classe média


Wagner Schwartz em "La Bête".

Contextualizemos: em setembro de 2017, Wagner Schwartz ofertou ao público a performance La Bête ("O Bicho") como um exercício de intertextualidade com a obra de Lygia Clark, uma das mais consagradas artistas brasileiras. Aliás, não foi a primeira vez que atuou em "La Bête": desde 2005, apresentava-a no Brasil e na Europa e, em todas as ocasiões, a plateia se tornava co-partícipe ao manipular seu corpo nu como se fosse uma das figuras geométricas dobradiças da pintora e escultora mineira[5]

A circulação de um fragmento daquela performance - um vídeo que expõe uma criança, acompanhada de sua mãe, tocando o tornozelo de Schwartz - foi o estopim para acusá-lo de "pedófilo", impondo-lhe desde então severos constrangimentos (inclusive, ameaças de morte) devido a uma calúnia que ganhou ares de verdade com a atuação hiperativa dos haters com suas milícias virtuais. 

Afinal de contas, por que tanto pavor-pânico? O corpo humano é um elemento tangível que adquire plasticidade conforme os significados que possamos lhe atribuir no domínio das artes. Tive o prazer de assistir ao monólogo "Alma imoral", interpretado magistralmente por Clarice Niskier, que se inicia com um belo nu frontal e, também, poderia citar uma cena hilária do não menos inesquecível "Capitão Fantástico", filme que assume contornos metalinguísticos quando a personagem "Ben" indaga a um casal de velhinhos (e aos milhões de espectadores de Hollywood) o porquê do espanto ao vê-lo despido ("just a penis... every man has one"). 

Haveria outros tantos exemplos no teatro e no cinema que me fogem agora à lembrança. Fiquem à vontade para elencá-los. Diante desse leque de possibilidades, é tão difícil assim entender que a nudez possa ser objeto de fruição estética sem necessariamente se confundir com indução ao ato sexual? Noutros temos, Wagner Schwartz terá de ser censurado previamente em tributo à mediana mediocridade de alguns dos meus conterrâneos? 

Talvez essa histeria detonada por uma performance no MAM que, pasme, reverbera em nossa Bienal do Livro, evidencie o quão indispostos estamos diante da crise da identidade masculina. Um corpo masculino cuja nudez seja entregue em plena passividade à experimentação artística torna-se inadmissível dentro um imaginário social que compromete a todo tempo homens com um ideal de virilidade casta. Não surpreende, pois, que um homem de pau mole dentro de um museu assuste mais que a dengue...

Observemos de perto esta possível instrumentalização de pânicos morais por parte da extrema-direita no desenrolar da Bienal do Livro sem, contudo, deixar de saborear a agenda pública que a sua programação nos convida a participar: relações étnico-raciais, feminismo, legalização das drogas, a questão LGBT, laicidade do Estado, violência urbana, fake news entre outros. 

Que a literatura seja o nosso escudo e a nossa pátria comum. 

#euvouàbienal

[4] https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1852994351462681&set=a.285601264868672&type=3&theater
[5] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/12/opinion/1518444964_080093.html  

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Memória e resistência


Memória e resistência

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Há quase oito meses, jaz um silêncio ensurdecedor sobre o assassinato de Marielle Franco (PSOL), vereadora pela capital fluminense, e de seu motorista, Anderson Gomes. Se muito, os militares que conduzem a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro lançam mão de declarações protocolares sobre o andamento da investigação criminal que, ao fim e ao cabo, evidenciam condições favoráveis a um estado de compromisso entre mandantes e executores daquele crime político. O silêncio, no entanto, é uma operação sujeita a reveses. Estes se manifestam por meio de iniciativas de tributo à vida de Marielle Franco, as quais relevam ser a memória social um magma capaz de provocar pequenas fissuras no solo aparentemente rígido da história oficial.

Lembrar Marielle Franco na UENF implica reconhecer esta instituição como um território em disputa no momento em que a violência estatal e a estupidez indômita dos bolsonaristas tornam vulneráveis os espaços nos quais o pensamento seja elaborado como crítica do poder pelas próprias possibilidades facultadas por sua livre expressão do ponto de vista científico. Para exemplificar essa vulnerabilidade na UENF, bastaria lembrar que também paira uma névoa de mistério em torno da invasão da sala do professor Marcos Pedlowski por um grupo que se identificou a serviço da Justiça Eleitoral, ação cuja autoria fora negada pelo TRE-RJ.

Evocar o nome de Marielle Franco é assegurar um lugar de pertencimento a memórias coletivas subterrâneas a partir da empatia que sua trajetória pública suscita para com os grupos dominados. Mais do que isso, mostra-nos a posição defensiva em que se encontra a sociedade civil vinculada com as agendas às quais a vereadora carioca se fazia porta-voz diante de uma sociedade majoritária com perturbadores sintomas de fascistização. Tais sintomas tiveram um registro emblemático na destruição da placa em homenagem à Marielle Franco protagonizada por Rodrigo Amorim e Daniel Silveira, ambos candidatos pelo PSL, partido de Jair Bolsonaro, em ato de campanha ainda no primeiro turno das eleições fluminenses. Tal afronta, diga-se, ocorreu sob o olhar complacente de Wilson Witzel (PSC), eleito governador no segundo turno.


Nada surpreendente. 

O Governo Witzel será a continuidade, em vestes civis, do modus operandi da intervenção federal desde que passou a vocalizar a lógica do “inimigo interno” como fio condutor das ações na segurança pública. "A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo", disse Witzel sem maiores pudores nos primeiros dias após o pleito. Há objeções factuais à retórica belicista com a qual o futuro governador pretende estabelecer sua marca política em consonância com o senso comum sobre a violência urbana.

Os mercados ilegais que fomentam tamanha insegurança não se organizam à sombra do aparelho de Estado, mas dele participam na medida em que os bens e serviços que transacionam são mais ou menos passíveis de incriminação conforme as hierarquias sociais que edificam sua estrutura de poder. Dito de outro modo, é irrelevante autorizar a "caça" aos pobres recrutados nas periferias para desempenhar funções subalternizadas nos mercados ilegais, enquanto o controle repressivo estiver dissociado de serviços de inteligência cuja integração ofereça uma visão global das redes que se articulam nesses mercados e cujos principais elos localizam-se nos espaços urbanos dotados de legitimidade social.

Imprimir eventuais reformas ao código penal ditadas pelo punitivismo não desmente a ineficiência da "guerra ao crime", senão ratifica a eficácia de sua seletividade. Essa é a constatação que sociólogos da violência e da criminalidade reiteram com sólida base empírica em suas pesquisas. Menos evidente é indagar por que algumas pessoas são mais "matáveis" do que outras e como essa clivagem acabou sendo um ponto de inflexão na eleição do terceiro estado mais populoso da federação.

A representação política exercida por Marielle Franco foi uma tentativa de produzir uma resposta crítica e propositiva à questão social na cidade do Rio de Janeiro, que, via de regra, é reduzida ao acordo tácito que separa "gente" de "não gente" através de um cordão sanitário entre morro e asfalto sustentado por velhos preconceitos em torno das "classes perigosas". Para tal empreitada, combinava em seu mandato elementos do ativismo identitário com a visão programática de um Estado social que superasse o Estado de exceção vivenciado de maneira nua e crua pelos subempregados e inempregáveis que o nosso capitalismo periférico produziu numa urbanização caótica ao longo do século XX.

Ante a consolidação de um Estado policial que reflete o eterno retorno das soluções autoritárias, redefinir fronteiras sociais (o atual "sair da bolha") é um trabalho de reconstrução política e este implica novos enquadramentos da memória social, de modo que a distância entre o dito e o não-dito seja encurtada nos embates do presente e do futuro para a afirmação de uma civilização comum. Assim sendo, conferir posteridade ao nome de Marielle Franco é uma forma de resistência que permite à UENF entrecruzar referências do campo popular da política fluminense com a defesa de sua autonomia na guarda de um patrimônio universal: o conhecimento científico.

Marielle e Anderson vivem.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Eleições fluminenses – brevíssimas notas


Eleições fluminenses – brevíssimas notas

George Gomes Coutinho

O que explica Witzel para além do divã? Não é mais a pergunta de um milhão de dólares. Há padrões que podem ser mobilizados. Não exatamente usando o histórico de eleições anteriores. Essa eleição foi eivada de novidades. Há várias e irei apenas sintetizar algumas, sem pretensão de aprofundar cada uma delas.

Antes cabe notar o seguinte: as eleições estaduais de 2018 devem ser analisadas caso a caso.  Mesmo com todas as novidades destas eleições, as dinâmicas não foram idênticas em todos os estados da federação. Em parte dos estados brasileiros houve uma dinâmica “normal”, que encontra paralelo com eleições anteriores e atores políticos tradicionais em disputa.

Porém, no caso particular do Rio, as novidades ajudam a explicar sim. Decerto o menor tempo de campanha, conforme já disse publicamente em inúmeras oportunidades, foi uma questão importante nestas eleições. Neste sentido, o menor tempo de divulgação e contraste entre as propostas disponíveis no mercado político, em um cenário de crise generalizada, deu brecha para ações singulares como o uso intensivo de redes sociais enquanto via de propagação de “marcas políticas”. Por marcas políticas estou chamando as chapas propriamente nas eleições majoritárias. Nesse caldo as “fake news”, e a justiça eleitoral sofrendo da mais franca incompetência técnica no combate às mesmas, produziram uma deterioração pronunciada da opinião pública em proporções tão profundas que a erosão talvez só possa ser devidamente dirimida com o passar dos próximos anos.

Houve também a demanda pela novidade, pela mudança, o que permitiu que outsiders tivessem êxito. Nestes termos, Witzel, não desconsiderando seus méritos, que ainda estão para serem conhecidos na gestão da máquina pública, encontrou um cenário francamente favorável. Eduardo Paes teve sua experiência e proximidade profissional com o poder, dadas as particularidades dessas eleições, contando negativamente. O eleitorado viu em Witzel “o novo”.

Junto a isso, “o novo” dialogou ironicamente com os setores tradicionais sem qualquer pudor. Crivella foi um apoio importante, angariando o voto dos setores cristãos reacionários. Aliado a isso, a tentativa de simbiose da campanha de Witzel com a do clã Bolsonaro igualmente atraiu eleitores.

Como se não bastasse, a contundência discursiva de Witzel funcionou para o eleitor fluminense como canto de sereia. A solução de questões de segurança pública que dialogam diretamente com o senso comum do cidadão mediano, permitindo uma polícia com licença para matar, se apresentou como um mote extremamente eficiente. Cabe sempre lembrar que estamos ainda no estado que vivencia uma intervenção federal prolongada expressa na presença do exército na capital. Tudo isso a despeito das seqüelas geradas e da evidente ineficiência em solucionar a violência urbana que se propôs.

As particularidades da conjuntura do Rio explicam. Inclusive a baixa eficácia dos prefeitos do interior em angariar votos para Eduardo Paes. Este expediente era algo que faria sentido em outros momentos da história eleitoral. Mas, não nesse. Tudo foi muito sui generis.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Novidade quae sera tamem - Bem-vindo Nico, novo colaborador do blog


Prezadxs Leitorxs,

Venho lhes apresentar, ainda que tardiamente, a excelente novidade costurada no último feriadão de finados: teremos mais um colaborador no blog. E não se trata de qualquer um. Eis que Márcio Malta, conhecido nas quebradas artísticas e de cartoons como Nico, engrossa as fileiras do Autopoiese e Virtu.

Para quem não teve ainda o prazer de conhecê-lo farei uma breve apresentação. Márcio é professor de Ciência Política na UFF-Campos. Sua obtenção do título de doutor em Ciência Política se deu com uma tese nada ordinária. Malta esmiuçou a coluna “Cartas da Mãe” publicada nos anos de chumbo na revista “Isto É” escrita por ninguém menos que o saudoso mestre Henfil. Tive a honra e o prazer de resenhar o trabalho de Malta na versão da tese publicada em livro há algum tempo atrás.

Além de doutor em Ciência Política pela UFF, Malta também é mestre na mesma área de conhecimento pela UFRJ. No âmbito acadêmico produziu trabalhos em teoria política e social, análises de conjuntura, enveredou na sociologia da literatura e da música e também no pensamento social na periferia do capitalismo. Porém, o traço fino do analista político une toda sua produção, algo que o leitor detecta sem qualquer esforço.

Não obstante todos estes predicados, Malta ainda foi agraciado com o prêmio HQ Mix em 2009 na categoria de melhor livro teórico e participou da aventura do Pasquim21, a breve reedição do célebre Pasquim neste século.

Bem-Vindo Nico! Nos devemos uma cerveja!

domingo, 4 de novembro de 2018

Dos perigos na esquina


Há perigo na esquina. O verso do músico Belchior está mais atual do que nunca. No caso específico do Brasil não se trata de uma esquina literal, mas sim de uma dobra histórica em que o país irá entrar e que representa uma guinada à direita conservantista e reacionária da maneira mais bruta.
A opção feita através das urna pela maioria do eleitorado ao eleger o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro para o posto máximo de Presidente da República significa que no próximo governo teremos uma série de retrocessos dos mais variados. Para além dos impactos institucionais que se avizinham, como privatização das estatais e o desmonte do Estado, o que está em jogo também são conquistas sociais, civis e políticas. Antes mesmo da posse do referido já é possível perceber o empoderamento dos agentes públicos da segurança, que agem ao seu próprio talante nas ruas, assim como já observamos, por exemplo, perseguição às religiões de matrizes africanas nas semanas seguintes ao pleito.
Um conjunto de conquistas identitárias dos movimentos sociais está em risco. O medo toma conta dos Lgbtis e negros, que sabem o que representam uma pauta conservadora e de perseguição às suas existências.
No plano da educação o cenário que se avizinha é também desalentador haja vista que existe a promessa de transferir o Ensino Superior do Ministério da Educação para o Ministério da Ciência e Tecnologia a vir ser comandado por um astronauta, também militar da reserva. Para além disso, a retomada da discussão do projeto de lei Escola sem Partido também entrou em curso de maneira veloz, sendo que até mesmo uma aprovação açodada em tempo recorde no Congresso está em jogo. Contando com ameaças aos educadores através do incentivo a que jovens alunos filmem seus professores em sala de aula, constituindo uma grave afronta ao direito de cátedra dos mestres. A sinalização de que nenhum novo aporte de investimentos será feito é catastrófica. Afinal temos de lição episódios recentes, tal como o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro por conta justamente da falta de repasses para o setor.
Em termos econômicos o modelo neoliberal capitaneado pelo especulador financeiro Paulo Guedes aponta para uma grave crise de recessão. Pois historicamente os países que optaram por esse arcabouço já demonstraram que o receituário do Banco Mundial de enxugamento estatal não contribui em nada para a retomada do crescimento mas sim o contrário.
O exercício da Democracia exige o respeito às liberdades de oposição e contestação. As ameaças de “varrer” os vermelhos, ou os candidatos opositores derrotados não contribuem em nada para a saúde de uma já combalida democracia. Para além das urnas, a resistência deve ser feita nas ruas, priorizando uma cultura de conscientização e denúncia do quão lesivos são os movimentos que estão em debate no cenário político do momento.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Solidariedade à Cássia Maria Couto


Solidariedade à Cássia Maria Couto

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Um lembrete rápido: ironia é um recurso semântico da Língua Portuguesa. Trata-se de uma figura de linguagem (mais precisamente, uma figura de pensamento) pela qual enunciamos o contrário do que queremos dizer com o objetivo de questionar atitudes e maneiras de pensar, revelando, assim, o seu ridículo e, por conseguinte, suscitando a curiosidade para algo passível de crítica.

Eis o que a professora Cássia Maria Couto fez no Facebook como contraponto à censura do pensamento nos espaços escolares que tomou corpo, sobremaneira, no 2º turno da corrida presidencial. O que a professora disse de tão perturbador assim? A frase, um tanto marota, “Indo ali doutrinar uns alunos e já volto”, seguida de um já consagrado #LulaLivre. Também não desconsideremos o texto visual que compunha a sua camisa (ver a foto acima).

Desde então, os mais de 100 comentários à postagem de Cássia Couto em sua página têm de tudo um pouco: agressões verbais odiosas e palavras de apoio de estudantes, profissionais da educação e de outros campos de atuação, o que somente confirma a polarização em torno do que venha a ser a autonomia didático-científica e o acirramento a que estamos entregues desde que tal questão fora instrumentalizada nessas eleições da maneira mais vulgar possível.

A postagem de Cássia Couto em si não seria nada demais, haja vista a torrente infinda de posicionamentos contrários ou favoráveis aos presidenciáveis nos ambientes virtuais. Porém, a ironia da professora tornou-se, digamos, uma sacudida “existencial” na planície goytacá. Tal repercussão é devida, em parte, a uma reportagem do jornal Notícia Urbana[1] que tem circulado com certa amplitude pelo WhatsApp e aplicativos afins.

Verifiquemos o que diz a reportagem.  

Eis a sua lead: a professora é acusada de “doutrinar” alunos com “ideologias partidárias”, o que seria “extremamente” vetado pelo “Ministério da Educação”. Vedações ao servidor público são definidas pelo legislador e, uma vez violadas, implicam sanções aplicáveis pela administração pública em obediência ao devido processo legal, entre outros princípios. Logo, uma primeira retificação: o MEC não impõe proibição alguma, pois é um órgão do Poder Executivo Federal que, junto a demais atores institucionais e à sociedade civil organizada, traça diretrizes nacionais para a educação e coordena as ações e programas executados pelos entes da federação. Sendo o Estado do Rio de Janeiro e a Prefeitura de Campos dos Goytacazes não subordinados hierarquicamente à União, o regime disciplinar ao qual a professora Cássia Couto se submete não se situa na esfera federal. Nesta primeira parte, afirma-se ainda que “a denúncia foi feita por uma rede social”. Qual rede social? O próprio Facebook? Outra rede? Fica a critério da imaginação do leitor.

Na sequência da reportagem, afirma-se que tal denúncia é anônima, já que “a professora ameaçava quem tentasse discordar de seus pensamentos dentro de sala de aula”. De que ameaça estamos falando? Reprovação escolar? Que poder absoluto é este que uma professora teria?! A instituição escolar é dotada de controle interno e a comunidade escolar que a engloba é (ou deveria ser) co-partícipe no seu projeto político-pedagógico. Ademais, os alunos são livres para se expressarem sobre o seu processo de ensino-aprendizagem, sendo vedado, contudo, o anonimato aos mesmos. Quem o diz? A Constituição Federal (Art. 5º, inciso IV). Aqui, não cabe qualquer confusão com o sigilo da fonte enquanto garantia do exercício profissional do jornalista, pois a denúncia fora colhida em uma rede social, conforme consta na reportagem. Preciosismo? Não, pois elevar o anonimato de uma denúncia (referida a uma rede social que não se sabe qual é) à condição de evidência autossuficiente pode ser um terreno fértil para o assassinato de reputações.

Para o leitor que chegou até aqui, peço um pouco mais de paciência. Apesar de não gostar tanto de assumir este papel, vejo-me obrigado a ser o “Padrasto do texto ruim” ao esmiuçar o terceiro parágrafo da reportagem. Assim se inicia: “Mesmo sendo acusada, a professora relatou em sua conta pessoal que estão tentando calar a sua voz”. Ora, justamente por estar sendo acusada, ela tem desde já o direito de defender-se! A indistinção entre suspeição e culpa era uma característica das práticas processuais do Tribunal do Santo Ofício, lembra-nos Lana Lima[2]. Mas a prova de “imparcialidade” da reportagem vem a seguir:

Outros apoiadores de Lula se manifestaram em defesa da professora, incluindo a presidente do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) de Campos, Odisséia Pinto de Carvalho, que se manifestou dizendo: “Minha total solidariedade a professora Cassia. Não ao fascismo”. O Sepe, é o mesmo sindicato onde, na última semana, fiscais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) fez apreensão de materiais de campanha.

Eu e demais pessoas que prestaram solidariedade à Cássia Couto somos um conjunto heterogêneo no que diz respeito à filiação partidária (eu, por exemplo, sequer sou filiado a partido político) ou às visões de mundo. Convergimos, fundamentalmente, no que diz respeito à valorização do(a) professor(a) e à defesa da liberdade de pensamento enquanto atributo do ato de ensinar. A reportagem recai em uma inverdade: o material apreendido no Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE) não se destinava a nenhuma campanha, pois se tratava do boletim informativo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), um trabalho jornalístico produzido por e para os profissionais de educação que é tão legítimo quanto o realizado pelo Notícia Urbana.

No quarto e último parágrafo, a reportagem atira no que vê e acerta no que é incapaz de enxergar: “De acordo com a lei eleitoral, nas escolas públicas, não é permitida a propaganda eleitoral de qualquer natureza”. De fato, há restrições da propaganda eleitoral em bens públicos e de uso comum, bem como no exercício da função pública que devem ser respeitadas[3]. Mas levantar essa lebre com o intuito de demarcar o que é passível de ser coibido no ensino/aprendizagem pode deturpar a própria lógica deste processo. Se, por um lado, não cabe fazer das salas de aula um ato panfletário que negue a bem vinda contraposição de ideias e valores, por outro, a reivindicação de “neutralidade” do espaço escolar por parte do movimento “Escola sem partido” pode retirar daquele espaço a sua criatividade, quando o compromete de modo unilateral com visões de mundo tradicionais e/ou religiosas. O apego as mesmas comprovam uma tentativa inútil de tornar a escola um "oásis" diante da dificuldade de assimilar as mudanças comportamentais e de compreender o mal-estar que elas provocam.

O que a camisa com a silhueta do Lula trajada por Cássia Couto diz a respeito do que ela ensina? O mesmo que uma camisa com a foto do Roger Waters diria: nada. O que a perseguição à sua livre expressão diz sobre o debate educacional em nossa cidade? Que a “família brasileira” precisa deitar no divã.



[1] https://noticiaurbana.com.br/professora-de-campos-e-acusada-de-tentar-doutrinar-alunos-com-ideologias-partidarias/?fbclid=IwAR1jFTR4o6YNDSM91z1gjQceOITji7BAScc94CGI0V8-phR5bkZX8oJ8sHw
[2] LIMA, Lana Lage da Gama. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: o suspeito é o culpado. Rev. Sociol. Polit.,  Curitiba ,  n. 13, p. 17-21, Nov.  1999. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44781999000200002&lng=en&nrm=iso>. access on  02  Nov.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44781999000200002.
[3] http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/cartilha-pode-x-nao-pode-propaganda-eleitoral