quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
Caricatura Oliver Hardy, o Gordo
Caricatura do ator Oliver Hardy, do Gordo e o Magro. Feita para a 3º Bienal Internacional da Caricatura. A exposição Cinema entra em cartaz nesta quinta no Solar de Botafogo.
Serviço:
ABERTURA: 20 DE DEZEMBRO DE 2018 (quinta), no CENTRO CULTURAL SOLAR DE BOTAFOGO (Rua General Polidoro, 180), a partir das 18:30 horas
Oscar Niemeyer e Brizola
Oscar Niemeyer e Brizola feitos a pedido da Aduenf, seção sindical da Uenf. Sempre é bom lembrar o legado estadista e popular do trabalhismo.
sábado, 15 de dezembro de 2018
Restaurante popular: notas para um debate
Restaurante popular: notas
para um debate
Por Paulo Sérgio
Ribeiro
Eis um tema que requer uma
crítica propositiva no campo progressista: a política municipal de segurança
alimentar e nutricional. Delinear tal crítica não é tarefa simples, sobretudo
pelo senso de urgência que a regressão dos indicadores sociais suscita no Brasil
pós-golpe. Em Campos dos Goytacazes-RJ, o retorno dessa pauta diz respeito ao
serviço, suspenso desde 2017, do "Restaurante Popular". No afã de
estabelecer sua marca distintiva, a atual gestão anuncia a mudança de nome do
restaurante em seu processo de reativação: "Centro de Segurança Alimentar
e Nutricional" (CESAN). Para Sana Gimenes, Secretária Municipal de
Desenvolvimento Humano e Social, trata-se não somente de rebatizá-lo, mas de
modificar o "modelo" dessa política social[1].
Para esboçar o que venha a ser
tal “modelo” no cenário local, temos de abordar preliminarmente o que é
segurança alimentar e nutricional. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)[2], órgão de assessoramento imediato da
Presidência da República, expõe a razão de ser dessa política: o direito
universal ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em
quantidade suficiente que não comprometa o acesso a outras necessidades
essenciais. Sua prioridade é a oferta pública de práticas alimentares benéficas
à saúde que tenham por fundamento o respeito à diversidade cultural e que sejam
ambiental e economicamente sustentáveis.
Trata-se, pois, de aplicar um
conjunto de ações intersetoriais na gestão da cadeia produtiva de
alimentos que não relegue ao segundo plano questões como, por exemplo, a
fiscalização do uso de agrotóxicos nas lavouras comerciais – quando resulte em
ganhos de produtividade em descompasso com a saúde dos(as) trabalhadores(as) –,
bem como a redução da desigualdade de acesso à terra urbana e rural e ao
território, o fomento à agricultura familiar e o fortalecimento da produção
orgânica e agroecológica de alimentos, a regulação dos meios (um palavrão para
os “liberais morenos” que temos...), notadamente a publicidade infantil, no que
toca à redução do estímulo ao consumo de alimentos prejudiciais à saúde ou que
nos distanciem de hábitos alimentares tradicionais que constituam um bem
coletivo.
Tomando por referência o conceito
adotado pelo CONSEA, discutir segurança alimentar e nutricional implica avaliar
o quão próximo ou distante estamos da condição de soberania alimentar: o
direito que assiste aos povos de definir com autonomia as políticas sobre o que
produzir, para que produzir e em que condições produzir. Topamos aqui com um
fato e um dado: a crescente incapacidade do Estado que conduzir sua política
social sob a captura do capital financeiro. O diagnóstico aqui quase sempre é
destinado aos Estados nacionais, porém, ensina a doutrina administrativista,
municípios também são uma expressão do poder estatal enquanto entes dotados de
autonomia política desde à Constituição de 1988.
Fazer-se “soberano”, no sentido
bem compreendido do termo para uma prefeitura municipal, leva-nos a avaliar
possibilidades e limites da participação popular nas instâncias de decisão
competentes para a política de segurança alimentar e nutricional que se desenha
no momento. Desse modo, creio que tão importante quanto dimensionar recursos e
restrições para a sua execução orçamentária, é diagnosticar problemas de
concepção dessa política, pois traduzi-la é em si mesmo um desafio para o campo
progressista que queira construir mediações para a cidadania ativa dos futuros
usuários do CESAN.
Como a Prefeitura propõe a
retomada do serviço?
Projeta-se um acréscimo de 1000
refeições em comparação com o que se ofertava na primeira versão do Restaurante
Popular (em torno de 2500 refeições) e a inclusão do jantar (antes se
restringia ao café da manhã e ao almoço). É previsto gratuidade para pessoas em
situação de pobreza, extrema pobreza e em situação de rua, conforme dados do
Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) e, também, preços reduzidos à
metade para pessoas inscritas no CadÚnico que não se enquadrem em nenhuma das
situações mencionadas acima. Demais pessoas pagarão preços “normais”. Os preços
da refeições e a localização do CESAN ainda não foram definidos. Seus dias de
funcionamento serão de segunda a sexta-feira.
A prestação do serviço será
descentralizada: de um lado, contração, mediante licitação, de empresa
especializada para o preparo das refeições e manutenção dos equipamentos e
maquinário; de outro, uma parceria com os permissionários do Mercado Municipal
que doarão alimentos inadequados para comercialização, mas próprios para o
consumo humano, destinados a um “Banco de Alimentos”, que responderá
parcialmente pelo abastecimento. Para este fim, também é prevista a
participação da agricultura familiar e das cooperativas em pelo menos 30% dos
alimentos ofertados; outra articulação com o setor privado – a Liga
Gastronômica de Campos – é proposta com o objetivo de assegurar o funcionamento
do CESAN nos fins de semana. Cogita-se ainda oferecer aos sábados refeições no
CESAN aos assistidos pelo Centro de Referência Especializado para População em
Situação de Rua (CentroPop).
Feita essa rápida descrição do
rol de proposições da Prefeitura, chamo atenção para uma declaração da
secretária municipal de Desenvolvimento Humano e Social que sinaliza o tamanho
da expectativa em torno da retomada do "Restaurante Popular" (ainda
que com outro nome) para um governo cuja popularidade está em xeque:
A gente trabalha com a perspectiva
imediata de combater a fome, mas queremos construir uma política mais ampla, de
forma que a segurança alimentar e nutricional seja uma das principais bandeiras
de nossa gestão — disse Sana [Gimenes][3].
Nada contra (nem a favor) um
agrupamento político não medir esforços para manter e/ou ampliar o seu espaço
de poder. Lutar para demarcá-lo não é crime nem pecado, sobretudo se a
efetividade de um serviço público está em jogo. Mas cabe indagar se aquele
espaço é ou não um espaço democrático. Este caracteriza-se pela abertura que a
sociedade civil organizada tem para exercer o dissenso em processos de decisão
coletiva. Se o CESAN é um divisor de águas como se pretende, é fortuito que o
debate público seja ampliado para desfazer os nós em questões pendentes[4].
Contrapondo a fala da secretária com as proposições já descritas, não está
claro onde começa a universalização e termina a focalização dessa política de
segurança alimentar e nutricional.
Universalização e focalização são orientações
normativas e não conceitos estanques, podendo ser conjugadas de diversas
maneiras em casos concretos. Ao que tudo indica, há uma prevalência da
focalização no estilo de política social que se quer adotar, ainda que o
discurso oficial pareça dizer o contrário. Se isto é razoável ou não, dependerá
do arranjo que se pactue entre a administração municipal e a sociedade civil,
considerando que o município (Estado) pode ser um transferidor de renda para
cima ou para baixo segundo a constelação de interesses que guie seus atos administrativos. Considerando a amplitude do conceito de segurança alimentar
e nutricional, o experimento de proteção social anunciado em Campos dos Goytacazes
pode ser também uma política redistributiva para a cidade. Para tanto, há de se
esclarecer qual concepção de justiça social está posta na
mesa.
terça-feira, 11 de dezembro de 2018
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
Documentário "Auto de Resistência" - terça, 04/12/2018 - 18 horas
Um documentário
sobre os homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em
casos conhecidos como "autos de resistência".
O filme acompanha a
trajetória de personagens que lidam com essas mortes em seus cotidianos,
mostrando o tratamento dado pelo Estado a esses casos, desde o momento em que
um indivíduo é morto, passando pela investigação da polícia, até as fases de
arquivamento ou julgamento por um tribunal do júri.
Após a exibição do
documentário, será realizado um debate com a participação da diretora do filme,
Natasha Neri, o defensor público Tiago Abud e Dona Ivanir Mendes, mãe de vítima
do Estado e ativista da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.
Local: Auditório da
UFF de Campos dos Goytacazes
Rua José do
Patrocínio, 71
Fonte: Facebook.
terça-feira, 27 de novembro de 2018
Samba, resistência e democracia - quarta, 28/11/2018 - 18 horas
Prezad@s,
Repassando convite do prof. Paulo Gajanigo do Departamento de Ciências Sociais da UFF:
"(...) gostaria de divulgar evento que estou organizando em parceria com Giovane Nascimento, da UENF. Exibiremos o documentário 'Kizomba: 30 anos de um grito negro na Sapucaí', produzido pelo Departamento Cultural da Vila Isabel. Após a exibição ocorrerá uma roda de conversa com a presença da Velha Guarda da GRBS Os Psicodélicos e de Vinícius Natal (diretor do Dep. Cultural da Vila Isabel)."
O evento irá acontecer na próxima quarta-feira, dia 28/11, 18 horas, na quadra dos Psicodélicos aqui em Campos.
sexta-feira, 23 de novembro de 2018
Falando em Bienal de Campos... Parte II
Prezad@s,
Texto de divulgação do lançamento do trabalho do Carlos Abraão Valpassos amanhã na Bienal campista.
Tema absolutamente fundamental em nossa conjuntura... Nunca foi tão necessário um olhar sério sobre esta questão e Abraão, meu colega de Departamento e amigo de outros carnavais, certamente tem muito a dizer sobre questão tão espinhosa em seu livro.
Divulguem e prestigiem!
Professor da UFF lança livro sobre abortos na Bienal
O doutor em antropologia cultural e professor da UFF, Carlos Abraão Valpassos lança neste sábado (24), na 10ª Bienal do Livro de Campos, o livro: "Abortos: Dramas Sociais e Histórias Sobre eles". O evento acontece às 20h no estande da universidade. O livro é o resultado de cinco anos de pesquisas e entrevistas sobre o tema, não se posicionando favorável ou contra a questão. A obra aborda as tensões em torno de um dos debates mais intensos do Brasil contemporâneo. Para ilustrar as perspectivas, o antropólogo trata de alguns dos principais eventos que marcaram a questão do aborto entre os anos de 2007 e 2010, formulando, a partir de múltiplas fontes empíricas, uma narrativa que expõe os conflitos e antagonismos em diferentes contextos. "Entender o debate em torno do aborto no Brasil é uma tarefa que implica, no mínimo, a consideração da cosmologia religiosa na formação de discursos que compõem a base dos argumentos 'pró-vida' apresentados nos debates sobre o tema. Do mesmo modo, seria impossível discutir essa questão sem considerar os discursos feministas e seus argumentos em defesa da legalização do Aborto", cita o autor.
I Encontro do Grupo de Estudo Paulo Freire
Em uma época na qual o vazio de pensamento campeia, é animador divulgar uma iniciativa tão oportuna como estudar a vida e obra de Paulo Freire:
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
HOJE: I Fórum de Direitos Humanos de Campos dos Goytacazes
Chamada do I Fórum de Direitos Humanos de Campos dos Goytacazes
A Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS) convida para o I Fórum de Direitos Humanos de Campos dos Goytacazes, que irá acontecer no dia 22 de novembro, às 14h, no Teatro de Bolso Procópio Ferreira.
Comporão a mesa a Professora Dra. Fernanda Maria da Costa Vieira, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) da UFRJ; a Secretária de Desenvolvimento Humano e Social e Profa. Dra. da UNIFLU e da Universidade Cândido Mendes, Sana Gimenes; e a Assessora de Direitos Humanos e Cidadania da SMDHS, Vanessa Henriques.
Em 2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos de existência. O propósito deste fórum é debater questões pertinentes aos direitos humanos, sobretudo desmistificando noções equivocadas sobre o tema que permeiam o debate público. Dado o atual contexto nacional, faz-se mais que necessário criar espaços como esse para que possamos evitar retrocessos no campo dos direitos.
segunda-feira, 19 de novembro de 2018
domingo, 18 de novembro de 2018
Falando em Bienal de Campos.... Parte I
Prezad@s,
Mesmo com toda a histeria nada ingênua de certos grupos reacionários de Campos a 10ª Bienal realmente promete ser um sucesso. Um verdadeiro sopro de frescor nestes tempos que correm.
Contribuindo de forma brilhante para este esforço de inteligência em dias tão bicudos, venho chamar a atenção para os trabalhos de dois colegas do Departamento do Ciências Sociais da UFF-Campos que serão lançados no evento.
Andrea Paiva estará com seu trabalho, a reedição de sua dissertação de mestrado, lançado no dia 21 de novembro, 20 horas, conforme convite que inseri aqui neste post. O livro intitulado "Buraco Escuro: memória, espaço e identidade de uma comunidade mineira em festa por Nossa Senhora do Rosário" também terá seu espaço garantido para mais um lançamento no próprio stand da UFF/Campos no dia 23, sexta-feira, durante o evento.
Por fim e não menos importante: no dia 21 de novembro minha colega não estará sozinha. O polivalente Carlos Eugênio Soares, também membro do nosso Departamento de Ciências Sociais, na mesma ocasião lançará o seu livro "Vivendo em tempos de tirania - a Vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes - tão perto do Rio de Janeiro, tão longe do Espírito Santo (1808-1832)".
Prestigiem. A produção intelectual de qualidade, quem diria, tornou-se em si algo até subversivo na conjuntura.
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
Bienal do Livro em Campos: território livre
Bienal do Livro em
Campos: território livre
Por Paulo Sérgio Ribeiro
Li de ponta a ponta a programação da 10ª Bienal do Livro em Campos dos
Goytacazes[1]. Posso dizer sem medo de
errar que está um primor. Sua curadoria foi muito feliz na eleição dos
temas a serem abordados entre os dias 20 e 25 de novembro, confirmando a Bienal
como um espaço aberto e plural: diferentes pessoas, com ou sem familiaridade
com os códigos da cultura erudita, terão a oportunidade de se deixarem afetar
pelo mundo da literatura, renovando suas perspectivas sobre a realidade
brasileira e elevando suas exigências diante da mesma.
O fomento à leitura é bem-vindo, haja vista a aridez na qual o
brasileiro médio cultiva sua subjetividade e, quiçá, um tanto urgente
diante da epidemia de "terra-planismo" que assola uma população cuja
vontade coletiva é suscetível a toda sorte de mistificação de fundo
reacionário.
Em que terreno pisamos aqui? Alguns dados da mais recente
pesquisa "Retratos da leitura no Brasil"[2] ajudam a nos situar. Na
metodologia empregada, definiu-se "leitor" como aquele que leu, integral ou parcialmente,
pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa e
"não-leitor" quem declarou não ter lido nenhum livro nos três meses
anteriores à pesquisa, ainda que tenha lido nos últimos 12 meses. Tendo por
base tais categorias de análise, os resultados indicam que 44% da população
podem ser considerados "não-leitores", equivalendo a mais de 80
milhões de brasileiros(as).
Embora a região Sudeste tenha o menor percentual de população
não-leitora (39%), não há por que subestimarmos os desafios postos à difusão da
leitura em terras fluminenses. Provavelmente, o mais árduo deles seja trazer para a argumentação racional uma extrema-direita local que, sob a égide do bolsonarismo, apregoa a censura às artes e à docência. Ora, se a referida pesquisa sinaliza que
quanto maior é o nível de escolaridade, mais recorrente é a menção a "atualização
cultural ou conhecimento geral" como motivações para ler um livro, é
provável que a campanha, em si patética, de boicote à Bienal do Livro não
seja de todo fruto de ignorância, senão de sua exploração sistemática para fins
moralmente duvidosos.
Por que precisaríamos da tutela de alguém para acessar um livro ou
qualquer outro bem cultural? Ainda que não devamos ser
inconsequentes ao dizer "sim" às nossas volições enquanto trabalhadores da cultura - algo que um comunicador como Silvio Santos, por exemplo, não se importa ao assediar
sexualmente uma cantora em rede nacional[3] - seria um verdadeiro desserviço cercear iniciativas como a Bienal do Livro. Fazê-lo vai de encontro ao debate sobre o que sejam fronteiras
legítimas entre arte, estética e moral, pois mataria no nascedouro aquilo que confere vitalidade
à esfera pública: o pluralismo político.
Sintoma dessa interdição do pensamento é a nota de repúdio de um vereador campista a um dos convidados para a Bienal deste ano:
"Não estou fazendo nenhum julgamento dele, mas questiono a
sua vinda à nossa cidade..."[4]. Desafio alguém a
encontrar algum nexo lógico no posicionamento de Marcelo Perfil. Um lembrete
ao vereador e àqueles que o têm "cobrado nas redes sociais": Wagner
Schwartz é um homem livre para dialogar conosco sobre notícias
falsas ou quaisquer outros assuntos de interesse público e a alusão que fazem ao
seu trabalho artístico no Museu de Arte Moderna (MAM) prova apenas a fragilidade de argumentos moralistas.
Sim, Wagner Schwartz ficou nu no MAM. E daí? Ao contrário do que sugere a nota acima, a performance de Schwartz foi completamente distorcida com a repercussão dada a mesma por parlamentares e lideranças religiosas (cada vez mais indistinguíveis entre si nas casas legislativas deste país) cujos ativos políticos são capitalizados pelo chauvinismo de classe média.
Contextualizemos: em setembro de 2017, Wagner Schwartz ofertou ao público a performance La Bête ("O Bicho") como um exercício de intertextualidade com a obra de Lygia Clark, uma das mais consagradas artistas brasileiras. Aliás, não foi a primeira vez que atuou em "La Bête": desde 2005, apresentava-a no Brasil e na Europa e, em todas as ocasiões, a plateia se tornava co-partícipe ao manipular seu corpo nu como se fosse uma das figuras geométricas dobradiças da pintora e escultora mineira[5].
A circulação de um fragmento daquela performance - um vídeo que expõe uma criança, acompanhada de sua mãe, tocando o tornozelo de Schwartz - foi o estopim para acusá-lo de "pedófilo", impondo-lhe desde então severos constrangimentos (inclusive, ameaças de morte) devido a uma calúnia que ganhou ares de verdade com a atuação hiperativa dos haters com suas milícias virtuais.
Wagner Schwartz em "La Bête".
Contextualizemos: em setembro de 2017, Wagner Schwartz ofertou ao público a performance La Bête ("O Bicho") como um exercício de intertextualidade com a obra de Lygia Clark, uma das mais consagradas artistas brasileiras. Aliás, não foi a primeira vez que atuou em "La Bête": desde 2005, apresentava-a no Brasil e na Europa e, em todas as ocasiões, a plateia se tornava co-partícipe ao manipular seu corpo nu como se fosse uma das figuras geométricas dobradiças da pintora e escultora mineira[5].
Afinal de contas, por que tanto pavor-pânico? O corpo humano
é um elemento tangível que adquire plasticidade conforme os significados que possamos lhe atribuir no domínio das artes. Tive o prazer de assistir ao monólogo "Alma imoral", interpretado magistralmente por Clarice Niskier, que se inicia com um belo nu frontal e, também, poderia citar uma cena hilária do não menos inesquecível "Capitão Fantástico", filme que assume contornos metalinguísticos quando a personagem "Ben" indaga a um casal de velhinhos (e aos milhões de espectadores de Hollywood) o porquê do espanto ao vê-lo despido ("just a penis... every man has one").
Haveria outros tantos exemplos no teatro e no cinema que me fogem agora à lembrança. Fiquem à vontade para elencá-los. Diante desse leque
de possibilidades, é tão difícil assim entender que a nudez possa ser objeto de
fruição estética sem necessariamente se confundir com indução ao ato sexual?
Noutros temos, Wagner Schwartz terá de ser censurado previamente em tributo à
mediana mediocridade de alguns dos meus conterrâneos?
Talvez essa histeria detonada por uma performance no MAM que, pasme, reverbera em nossa Bienal do Livro, evidencie o quão indispostos estamos diante da crise da identidade masculina. Um corpo masculino cuja nudez seja entregue em plena passividade à experimentação artística torna-se inadmissível dentro um imaginário social que compromete a todo tempo homens com um ideal de virilidade casta. Não surpreende, pois, que um homem de pau mole dentro de um museu assuste mais que a dengue...
Observemos de perto esta possível instrumentalização de pânicos morais por parte da extrema-direita no desenrolar da Bienal do Livro sem, contudo, deixar de saborear a agenda pública que a sua programação nos convida a participar: relações étnico-raciais, feminismo, legalização das drogas, a questão LGBT, laicidade do Estado, violência urbana, fake news entre outros.
Que a literatura seja o nosso escudo e a nossa pátria comum.
#euvouàbienal
Talvez essa histeria detonada por uma performance no MAM que, pasme, reverbera em nossa Bienal do Livro, evidencie o quão indispostos estamos diante da crise da identidade masculina. Um corpo masculino cuja nudez seja entregue em plena passividade à experimentação artística torna-se inadmissível dentro um imaginário social que compromete a todo tempo homens com um ideal de virilidade casta. Não surpreende, pois, que um homem de pau mole dentro de um museu assuste mais que a dengue...
Observemos de perto esta possível instrumentalização de pânicos morais por parte da extrema-direita no desenrolar da Bienal do Livro sem, contudo, deixar de saborear a agenda pública que a sua programação nos convida a participar: relações étnico-raciais, feminismo, legalização das drogas, a questão LGBT, laicidade do Estado, violência urbana, fake news entre outros.
Que a literatura seja o nosso escudo e a nossa pátria comum.
#euvouàbienal
[4] https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1852994351462681&set=a.285601264868672&type=3&theater
[5] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/12/opinion/1518444964_080093.html
segunda-feira, 12 de novembro de 2018
Memória e resistência
Memória e resistência
Por Paulo Sérgio Ribeiro
Há quase oito meses, jaz um silêncio ensurdecedor sobre o assassinato de Marielle Franco (PSOL), vereadora pela capital fluminense, e de seu motorista, Anderson
Gomes. Se muito, os militares que conduzem a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro lançam
mão de declarações protocolares sobre o andamento da investigação criminal que,
ao fim e ao cabo, evidenciam condições favoráveis a um estado de compromisso entre mandantes e
executores daquele crime político. O
silêncio, no entanto, é uma operação sujeita a reveses. Estes se manifestam por meio de iniciativas de
tributo à vida de Marielle Franco, as quais relevam ser a memória social um magma
capaz de provocar pequenas fissuras no solo aparentemente rígido da
história oficial.
Lembrar Marielle Franco na UENF implica reconhecer esta instituição como um território em
disputa no momento em que a violência estatal e a estupidez indômita dos bolsonaristas tornam vulneráveis os espaços nos quais o pensamento seja elaborado
como crítica do poder pelas próprias possibilidades facultadas por sua livre
expressão do ponto de vista científico. Para exemplificar essa vulnerabilidade na UENF, bastaria lembrar que
também paira uma névoa de mistério em torno da invasão da sala do professor Marcos Pedlowski por um grupo que se identificou a serviço da Justiça Eleitoral,
ação cuja autoria fora negada pelo TRE-RJ.
Evocar o nome de Marielle Franco é assegurar um
lugar de pertencimento a memórias coletivas subterrâneas a partir da empatia
que sua trajetória pública suscita para
com os grupos dominados. Mais do que isso, mostra-nos a posição defensiva em que se encontra a sociedade civil vinculada com as agendas às quais a vereadora carioca se fazia porta-voz diante de uma sociedade majoritária com perturbadores sintomas de fascistização. Tais sintomas tiveram um registro emblemático na
destruição da placa em homenagem à Marielle Franco protagonizada por Rodrigo Amorim e Daniel
Silveira, ambos candidatos pelo PSL, partido de Jair Bolsonaro, em ato de
campanha ainda no primeiro turno das eleições fluminenses. Tal afronta,
diga-se, ocorreu sob o olhar complacente de Wilson Witzel (PSC), eleito governador no segundo turno.
Nada surpreendente.
O Governo Witzel será a
continuidade, em vestes civis, do modus operandi da intervenção
federal desde que passou a vocalizar a lógica do “inimigo interno” como
fio condutor das ações na segurança pública. "A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo", disse Witzel sem maiores pudores nos primeiros dias após o pleito. Há objeções factuais à retórica belicista com a qual o futuro governador pretende estabelecer sua marca política em consonância com o senso comum sobre a violência urbana.
Os mercados ilegais que fomentam tamanha insegurança não se organizam à sombra do aparelho de Estado, mas dele participam na medida em que os bens e serviços que transacionam são mais ou menos passíveis de incriminação conforme as hierarquias sociais que edificam sua estrutura de poder. Dito de outro modo, é irrelevante autorizar a "caça" aos pobres recrutados nas periferias para desempenhar funções subalternizadas nos mercados ilegais, enquanto o controle repressivo estiver dissociado de serviços de inteligência cuja integração ofereça uma visão global das redes que se articulam nesses mercados e cujos principais elos localizam-se nos espaços urbanos dotados de legitimidade social.
Imprimir eventuais reformas ao código penal ditadas pelo punitivismo não desmente a ineficiência da "guerra ao crime", senão ratifica a eficácia de sua seletividade. Essa é a constatação que sociólogos da violência e da criminalidade reiteram com sólida base empírica em suas pesquisas. Menos evidente é indagar por que algumas pessoas são mais "matáveis" do que outras e como essa clivagem acabou sendo um ponto de inflexão na eleição do terceiro estado mais populoso da federação.
A representação política exercida por Marielle Franco foi uma tentativa de produzir uma resposta crítica e propositiva à questão social na cidade do Rio de Janeiro, que, via de regra, é reduzida ao acordo tácito que separa "gente" de "não gente" através de um cordão sanitário entre morro e asfalto sustentado por velhos preconceitos em torno das "classes perigosas". Para tal empreitada, combinava em seu mandato elementos do ativismo identitário com a visão programática de um Estado social que superasse o Estado de exceção vivenciado de maneira nua e crua pelos subempregados e inempregáveis que o nosso capitalismo periférico produziu numa urbanização caótica ao longo do século XX.
Ante a consolidação de um Estado policial que reflete o eterno retorno das soluções autoritárias, redefinir fronteiras sociais (o atual "sair da bolha") é um trabalho de reconstrução política e este implica novos enquadramentos da memória social, de modo que a distância entre o dito e o não-dito seja encurtada nos embates do presente e do futuro para a afirmação de uma civilização comum. Assim sendo, conferir posteridade ao nome de Marielle Franco é uma forma de resistência que permite à UENF entrecruzar referências do campo popular da política fluminense com a defesa de sua autonomia na guarda de um patrimônio universal: o conhecimento científico.
Marielle e Anderson vivem.
Os mercados ilegais que fomentam tamanha insegurança não se organizam à sombra do aparelho de Estado, mas dele participam na medida em que os bens e serviços que transacionam são mais ou menos passíveis de incriminação conforme as hierarquias sociais que edificam sua estrutura de poder. Dito de outro modo, é irrelevante autorizar a "caça" aos pobres recrutados nas periferias para desempenhar funções subalternizadas nos mercados ilegais, enquanto o controle repressivo estiver dissociado de serviços de inteligência cuja integração ofereça uma visão global das redes que se articulam nesses mercados e cujos principais elos localizam-se nos espaços urbanos dotados de legitimidade social.
Imprimir eventuais reformas ao código penal ditadas pelo punitivismo não desmente a ineficiência da "guerra ao crime", senão ratifica a eficácia de sua seletividade. Essa é a constatação que sociólogos da violência e da criminalidade reiteram com sólida base empírica em suas pesquisas. Menos evidente é indagar por que algumas pessoas são mais "matáveis" do que outras e como essa clivagem acabou sendo um ponto de inflexão na eleição do terceiro estado mais populoso da federação.
A representação política exercida por Marielle Franco foi uma tentativa de produzir uma resposta crítica e propositiva à questão social na cidade do Rio de Janeiro, que, via de regra, é reduzida ao acordo tácito que separa "gente" de "não gente" através de um cordão sanitário entre morro e asfalto sustentado por velhos preconceitos em torno das "classes perigosas". Para tal empreitada, combinava em seu mandato elementos do ativismo identitário com a visão programática de um Estado social que superasse o Estado de exceção vivenciado de maneira nua e crua pelos subempregados e inempregáveis que o nosso capitalismo periférico produziu numa urbanização caótica ao longo do século XX.
Ante a consolidação de um Estado policial que reflete o eterno retorno das soluções autoritárias, redefinir fronteiras sociais (o atual "sair da bolha") é um trabalho de reconstrução política e este implica novos enquadramentos da memória social, de modo que a distância entre o dito e o não-dito seja encurtada nos embates do presente e do futuro para a afirmação de uma civilização comum. Assim sendo, conferir posteridade ao nome de Marielle Franco é uma forma de resistência que permite à UENF entrecruzar referências do campo popular da política fluminense com a defesa de sua autonomia na guarda de um patrimônio universal: o conhecimento científico.
Marielle e Anderson vivem.
domingo, 11 de novembro de 2018
terça-feira, 6 de novembro de 2018
Eleições fluminenses – brevíssimas notas
Eleições
fluminenses – brevíssimas notas
George Gomes
Coutinho
O que explica
Witzel para além do divã? Não é mais a pergunta de um milhão de dólares. Há padrões que podem ser
mobilizados. Não exatamente usando o histórico de eleições anteriores. Essa
eleição foi eivada de novidades. Há várias e irei apenas sintetizar algumas,
sem pretensão de aprofundar cada uma delas.
Antes cabe notar
o seguinte: as eleições estaduais de 2018 devem ser analisadas caso a
caso. Mesmo com todas as novidades
destas eleições, as dinâmicas não foram idênticas em todos os estados da
federação. Em parte dos estados brasileiros houve uma dinâmica “normal”, que
encontra paralelo com eleições anteriores e atores políticos tradicionais em
disputa.
Porém, no caso
particular do Rio, as novidades ajudam a explicar sim. Decerto o menor tempo de
campanha, conforme já disse publicamente em inúmeras oportunidades, foi uma
questão importante nestas eleições. Neste sentido, o menor tempo de divulgação
e contraste entre as propostas disponíveis no mercado político, em um cenário
de crise generalizada, deu brecha para ações singulares como o uso intensivo de
redes sociais enquanto via de propagação de “marcas políticas”. Por marcas
políticas estou chamando as chapas propriamente nas eleições majoritárias.
Nesse caldo as “fake news”, e a justiça eleitoral sofrendo da mais franca incompetência
técnica no combate às mesmas, produziram uma deterioração pronunciada da
opinião pública em proporções tão profundas que a erosão talvez só possa ser
devidamente dirimida com o passar dos próximos anos.
Houve também a
demanda pela novidade, pela mudança, o que permitiu que outsiders tivessem
êxito. Nestes termos, Witzel, não desconsiderando seus méritos, que ainda estão
para serem conhecidos na gestão da máquina pública, encontrou um cenário
francamente favorável. Eduardo Paes teve sua experiência e proximidade
profissional com o poder, dadas as particularidades dessas eleições, contando
negativamente. O eleitorado viu em Witzel “o novo”.
Junto a isso, “o
novo” dialogou ironicamente com os setores tradicionais sem qualquer pudor.
Crivella foi um apoio importante, angariando o voto dos setores cristãos reacionários.
Aliado a isso, a tentativa de simbiose da campanha de Witzel com a do clã
Bolsonaro igualmente atraiu eleitores.
Como se não
bastasse, a contundência discursiva de Witzel funcionou para o eleitor
fluminense como canto de sereia. A solução de questões de segurança pública que
dialogam diretamente com o senso comum do cidadão mediano, permitindo uma
polícia com licença para matar, se apresentou como um mote extremamente
eficiente. Cabe sempre lembrar que estamos ainda no estado que vivencia uma
intervenção federal prolongada expressa na presença do exército na capital. Tudo
isso a despeito das seqüelas geradas e da evidente ineficiência em solucionar a
violência urbana que se propôs.
As
particularidades da conjuntura do Rio explicam. Inclusive a baixa eficácia dos
prefeitos do interior em angariar votos para Eduardo Paes. Este expediente era
algo que faria sentido em outros momentos da história eleitoral. Mas, não
nesse. Tudo foi muito sui generis.
segunda-feira, 5 de novembro de 2018
Novidade quae sera tamem - Bem-vindo Nico, novo colaborador do blog
Prezadxs
Leitorxs,
Venho lhes
apresentar, ainda que tardiamente, a excelente novidade costurada no último feriadão
de finados: teremos mais um colaborador no blog. E não se trata de qualquer um.
Eis que Márcio Malta, conhecido nas quebradas artísticas e de cartoons como
Nico, engrossa as fileiras do Autopoiese e Virtu.
Para quem não
teve ainda o prazer de conhecê-lo farei uma breve apresentação. Márcio é
professor de Ciência Política na UFF-Campos. Sua obtenção do título de doutor
em Ciência Política se deu com uma tese nada ordinária. Malta esmiuçou a coluna
“Cartas da Mãe” publicada nos anos de chumbo na revista “Isto É” escrita por
ninguém menos que o saudoso mestre Henfil. Tive a honra e o prazer de resenhar o trabalho de Malta na versão da tese publicada em livro há algum tempo atrás.
Além de doutor
em Ciência Política pela UFF, Malta também é mestre na mesma área de
conhecimento pela UFRJ. No âmbito acadêmico produziu trabalhos em teoria
política e social, análises de conjuntura, enveredou na sociologia da literatura
e da música e também no pensamento social na periferia do capitalismo. Porém, o
traço fino do analista político une toda sua produção, algo que o leitor detecta
sem qualquer esforço.
Não obstante
todos estes predicados, Malta ainda foi agraciado com o prêmio HQ Mix em 2009
na categoria de melhor livro teórico e participou da aventura do Pasquim21, a
breve reedição do célebre Pasquim neste século.
Bem-Vindo Nico!
Nos devemos uma cerveja!
domingo, 4 de novembro de 2018
Dos perigos na esquina
Há perigo na
esquina. O verso do músico Belchior está mais atual do que nunca. No caso
específico do Brasil não se trata de uma esquina literal, mas sim de uma dobra
histórica em que o país irá entrar e que representa uma guinada à direita
conservantista e reacionária da maneira mais bruta.
A opção feita
através das urna pela maioria do eleitorado ao eleger o capitão da reserva do
Exército Jair Bolsonaro para o posto máximo de Presidente da República significa
que no próximo governo teremos uma série de retrocessos dos mais variados. Para
além dos impactos institucionais que se avizinham, como privatização das
estatais e o desmonte do Estado, o que está em jogo também são conquistas
sociais, civis e políticas. Antes mesmo da posse do referido já é possível
perceber o empoderamento dos agentes públicos da segurança, que agem ao seu
próprio talante nas ruas, assim como já observamos, por exemplo, perseguição às
religiões de matrizes africanas nas semanas seguintes ao pleito.
Um conjunto de
conquistas identitárias dos movimentos sociais está em risco. O medo toma conta
dos Lgbtis e negros, que sabem o que representam uma pauta conservadora e de
perseguição às suas existências.
No plano da
educação o cenário que se avizinha é também desalentador haja vista que existe
a promessa de transferir o Ensino Superior do Ministério da Educação para o
Ministério da Ciência e Tecnologia a vir ser comandado por um astronauta,
também militar da reserva. Para além disso, a retomada da discussão do projeto
de lei Escola sem Partido também entrou em curso de maneira veloz, sendo que
até mesmo uma aprovação açodada em tempo recorde no Congresso está em jogo.
Contando com ameaças aos educadores através do incentivo a que jovens alunos
filmem seus professores em sala de aula, constituindo uma grave afronta ao
direito de cátedra dos mestres. A sinalização de que nenhum novo aporte de
investimentos será feito é catastrófica. Afinal temos de lição episódios
recentes, tal como o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro por conta
justamente da falta de repasses para o setor.
Em termos
econômicos o modelo neoliberal capitaneado pelo especulador financeiro Paulo
Guedes aponta para uma grave crise de recessão. Pois historicamente os países
que optaram por esse arcabouço já demonstraram que o receituário do Banco
Mundial de enxugamento estatal não contribui em nada para a retomada do
crescimento mas sim o contrário.
O exercício da
Democracia exige o respeito às liberdades de oposição e contestação. As ameaças
de “varrer” os vermelhos, ou os candidatos opositores derrotados não contribuem
em nada para a saúde de uma já combalida democracia. Para além das urnas, a
resistência deve ser feita nas ruas, priorizando uma cultura de conscientização
e denúncia do quão lesivos são os movimentos que estão em debate no cenário
político do momento.
sexta-feira, 2 de novembro de 2018
Solidariedade à Cássia Maria Couto
Solidariedade
à Cássia Maria Couto
Por Paulo
Sérgio Ribeiro
Um
lembrete rápido: ironia é um recurso semântico da Língua Portuguesa. Trata-se
de uma figura de linguagem (mais precisamente, uma figura de pensamento) pela
qual enunciamos o contrário do que queremos dizer com o objetivo de questionar
atitudes e maneiras de pensar, revelando, assim, o seu ridículo e, por
conseguinte, suscitando a curiosidade para algo passível de
crítica.
Eis o que
a professora Cássia Maria Couto fez no Facebook como contraponto à censura do
pensamento nos espaços escolares que tomou corpo, sobremaneira, no 2º turno da
corrida presidencial. O que a professora disse de tão perturbador assim? A
frase, um tanto marota, “Indo ali doutrinar uns alunos e já volto”, seguida de
um já consagrado #LulaLivre. Também não desconsideremos o texto visual que
compunha a sua camisa (ver a foto acima).
Desde
então, os mais de 100 comentários à postagem de Cássia Couto em sua página têm
de tudo um pouco: agressões verbais odiosas e palavras de apoio de
estudantes, profissionais da educação e de outros campos de atuação, o que
somente confirma a polarização em torno do que venha a ser a autonomia
didático-científica e o acirramento a que estamos entregues desde que tal
questão fora instrumentalizada nessas eleições da maneira mais vulgar possível.
A postagem
de Cássia Couto em si não seria nada demais, haja vista a torrente infinda de
posicionamentos contrários ou favoráveis aos presidenciáveis nos ambientes
virtuais. Porém, a ironia da professora tornou-se, digamos, uma sacudida
“existencial” na planície goytacá. Tal repercussão é devida, em parte, a uma
reportagem do jornal Notícia Urbana[1] que tem circulado com
certa amplitude pelo WhatsApp e aplicativos afins.
Verifiquemos
o que diz a reportagem.
Eis a
sua lead: a professora é acusada de “doutrinar” alunos com
“ideologias partidárias”, o que seria “extremamente” vetado pelo “Ministério da
Educação”. Vedações ao servidor público são
definidas pelo legislador e, uma vez violadas, implicam sanções aplicáveis pela administração pública em obediência
ao devido processo legal, entre outros princípios. Logo, uma primeira
retificação: o MEC não impõe proibição alguma, pois é um órgão do Poder
Executivo Federal que, junto a demais atores institucionais e à sociedade civil
organizada, traça diretrizes nacionais para a educação e coordena as ações e
programas executados pelos entes da federação. Sendo o Estado do Rio de Janeiro e a Prefeitura de Campos dos Goytacazes não subordinados hierarquicamente à União, o regime disciplinar ao
qual a professora Cássia Couto se submete não se situa na esfera federal. Nesta primeira parte, afirma-se ainda que “a
denúncia foi feita por uma rede social”. Qual rede social? O próprio Facebook?
Outra rede? Fica a critério da imaginação do leitor.
Na
sequência da reportagem, afirma-se que tal denúncia é anônima, já que “a
professora ameaçava quem tentasse discordar de seus pensamentos dentro de sala
de aula”. De que ameaça estamos falando? Reprovação escolar? Que poder absoluto
é este que uma professora teria?! A instituição escolar é dotada de controle
interno e a comunidade escolar que a engloba é (ou deveria ser) co-partícipe no
seu projeto político-pedagógico. Ademais, os alunos são livres para se
expressarem sobre o seu processo de ensino-aprendizagem, sendo vedado, contudo,
o anonimato aos mesmos. Quem o diz? A Constituição Federal (Art. 5º, inciso
IV). Aqui, não cabe qualquer confusão com o sigilo da fonte enquanto garantia
do exercício profissional do jornalista, pois a denúncia fora colhida em uma
rede social, conforme consta na reportagem. Preciosismo? Não, pois elevar
o anonimato de uma denúncia (referida a uma rede social que não se sabe qual é) à
condição de evidência autossuficiente pode ser um terreno fértil para o
assassinato de reputações.
Para o
leitor que chegou até aqui, peço um pouco mais de paciência. Apesar de não
gostar tanto de assumir este papel, vejo-me obrigado a ser o “Padrasto do texto
ruim” ao esmiuçar o terceiro parágrafo da reportagem. Assim se inicia: “Mesmo
sendo acusada, a professora relatou em sua conta pessoal que estão tentando
calar a sua voz”. Ora, justamente por estar sendo acusada, ela tem desde já o
direito de defender-se! A indistinção entre suspeição e culpa era uma
característica das práticas processuais do Tribunal do Santo Ofício, lembra-nos
Lana Lima[2]. Mas a prova de
“imparcialidade” da reportagem vem a seguir:
Outros apoiadores de Lula se
manifestaram em defesa da professora, incluindo a presidente do Sindicato
Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) de Campos, Odisséia Pinto de
Carvalho, que se manifestou dizendo: “Minha total solidariedade a professora
Cassia. Não ao fascismo”. O Sepe, é o mesmo sindicato onde, na última semana,
fiscais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) fez apreensão de materiais de
campanha.
Eu e
demais pessoas que prestaram solidariedade à Cássia Couto somos um conjunto
heterogêneo no que diz respeito à filiação partidária (eu, por exemplo, sequer
sou filiado a partido político) ou às visões de mundo. Convergimos,
fundamentalmente, no que diz respeito à valorização do(a) professor(a) e à
defesa da liberdade de pensamento enquanto atributo do ato de ensinar. A
reportagem recai em uma inverdade: o material apreendido no Sindicato Estadual
dos Profissionais de Educação (SEPE) não se destinava a nenhuma campanha, pois
se tratava do boletim informativo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), um trabalho jornalístico produzido por e para os profissionais
de educação que é tão legítimo quanto o realizado pelo Notícia Urbana.
No quarto
e último parágrafo, a reportagem atira no que vê e acerta no que é incapaz de
enxergar: “De acordo com a lei eleitoral, nas escolas públicas, não é permitida
a propaganda eleitoral de qualquer natureza”. De fato, há restrições da
propaganda eleitoral em bens públicos e de uso comum, bem como no exercício da
função pública que devem ser respeitadas[3]. Mas levantar essa lebre
com o intuito de demarcar o que é passível de ser coibido no ensino/aprendizagem
pode deturpar a própria lógica deste processo. Se, por um lado, não cabe fazer
das salas de aula um ato panfletário que negue a bem vinda contraposição de
ideias e valores, por outro, a reivindicação de “neutralidade” do espaço
escolar por parte do movimento “Escola sem partido” pode retirar daquele espaço
a sua criatividade, quando o compromete de modo unilateral com visões de mundo
tradicionais e/ou religiosas. O apego as mesmas comprovam uma tentativa inútil de
tornar a escola um "oásis" diante da dificuldade de assimilar as
mudanças comportamentais e de compreender o mal-estar que elas provocam.
O que a camisa com a silhueta do
Lula trajada por Cássia Couto diz a respeito do que ela ensina? O mesmo que uma
camisa com a foto do Roger Waters diria: nada. O que a perseguição à sua livre
expressão diz sobre o debate educacional em nossa cidade? Que a “família
brasileira” precisa deitar no divã.
[1]
https://noticiaurbana.com.br/professora-de-campos-e-acusada-de-tentar-doutrinar-alunos-com-ideologias-partidarias/?fbclid=IwAR1jFTR4o6YNDSM91z1gjQceOITji7BAScc94CGI0V8-phR5bkZX8oJ8sHw
[2]
LIMA, Lana Lage da Gama. O Tribunal do Santo Ofício
da Inquisição: o suspeito é o culpado. Rev. Sociol. Polit., Curitiba , n. 13, p. 17-21, Nov.
1999. Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44781999000200002&lng=en&nrm=iso>.
access on 02 Nov. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44781999000200002.
[3]
http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/cartilha-pode-x-nao-pode-propaganda-eleitoral
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