Não se pode comprar a glória eterna*
Criaram uma narrativa para fazer parecer que o futebol europeu é, naturalmente, superior ao sul-americano. No entanto, nas décadas de 1980 e 1990, o futebol inglês era sinônimo de jogo feio. Os campeonatos alemão e francês tinham menos qualidade do que o glorioso Campeonato Carioca. O Campeonato Espanhol era menos competitivo que o Mineiro, com apenas duas forças dominantes. Já o Campeonato Italiano se salvava graças aos jogadores latinos: Maradona, Zico, Careca, Francescoli.
De lá pra cá, eles puderam comprar e aprender um pouquinho com os melhores sul-americanos para construir a “Champions League” como o verdadeiro campeonato dos melhores do mundo. Pode ser. Mas os europeus desdenham da Copa do Mundo de Clubes e do antigo Mundial (Intercontinental) por puro eurocentrismo que, no fim das contas, é o “recibo” da história. Deve ser muito aterrorizante — mas não é nenhuma surpresa — imaginar que esse investimento feito na América Latina (nos jogadores e nas técnicas que levaram daqui para lá) esteja agora ameaçado por um outro campeonato que, remotamente, pode revelar que os produtos embalados com fita de ouro (também levada daqui) não são tão bons quanto o mundo pensava. Em outras áreas da economia, eles já teriam mobilizado a elite vira-lata, as baionetas e o Fundo Monetário Internacional para sufocar qualquer ameaça.
Felizmente — eu acho — no futebol isso não será possível. Resta continuar mobilizando os vira-latas (aliás, que adjetivo horrível! Os verdadeiros vira-latas não merecem isso) e tentar desdenhar dos times sul-americanos e da Copa do Mundo de Clubes. No fim das contas, provavelmente, eles vão ganhar. A FIFA, que organiza a competição, não é menos eurocentrica. Mas ela apostou que faria dinheiro e, no fim, a superioridade europeia sairia intacta. É mais uma forma de explorar o futebol sul-americano. No fim, é o jogador daqui que acaba jogando quase 100 partidas por ano — quase o dobro dos colegas que estão na Europa. Por isso mesmo, acho essa competição uma porcaria. Preferia que o Flamengo se concentrasse no Brasileirão e na Libertadores (que é mil vezes mais charmosa do que a Champions League — a começar pelo nome da competição, que fica entalado na garganta dos europeus). Mas agora, diante da soberba eurocêntrica, quero mais é que o Flamengo humilhe os times do Velho Continente. É um ato revolucionário.
* Roberto Moll
Professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.