quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A censura que paira sobre nossas cabeças


NÃO ADIANTA PEDIR PERDÃO DAQUI A 50 ANOs

Por Eleonora de Lucena*

Ninguém poderá dizer que não sabia. É ditadura, é tortura, é eliminação física de qualquer oposição, é entrega do país, é domínio estrangeiro, é reino do grande capital, é esmagamento do povo. É censura, é fim de direitos, é licença para sair matando.

As palavras são ditas de forma crua, sem tergiversação – com brutalidade, com boçalidade, com uma agressividade do tempo das cavernas. Não há um mísero traço de civilidade. É tacape, é esgoto, é fuzil.

Para o candidato-nojo, é preciso extinguir qualquer legado do iluminismo, da Revolução Francesa, da abolição da escravatura, da Constituição de 1988.

Envolta em ódios e mentiras, a eleição encontra o país à beira do abismo. Estratégico para o poder dos Estados Unidos, o Brasil está sendo golpeado. As primeiras evidências apareceram com a descoberta do pré-sal e a espionagem escancarada dos EUA. Veio a Quarta Frota, 2013. O impeachment, o processo contra Lula e sua prisão são fases do mesmo processo demolidor das instituições nacionais.

Agora que removeram das urnas a maior liderança popular da história do país, emporcalham o processo democrático com ameaças, violências, assassinatos, lixo internético. Estratégias já usadas à larga em outros países. O objetivo é fraturar a sociedade, criar fantasmas, espalhar medo, criar caos, abrir espaço para uma ditadura subserviente aos mercados pirados, às forças antipovo, antinação, anticivilização.

O momento dramático não permite omissão, neutralidade. O muro é do candidato da ditadura, da opressão, da violência, da destruição, do nojo.

É urgente que todos os democratas estejam na trincheira contra Jair Bolsonaro. Todos. No passado, o país conseguiu fazer o comício das Diretas. Precisamos de um novo comício das Diretas.

O antipetismo não pode servir de biombo para mergulhar o país nas trevas.

Por isso, vejo com assombro intelectuais e empresários se aliarem à extrema direita, ao que há de mais abjeto. Perderam a razão? Pensam que a vida seguirá da mesma forma no dia 29 de outubro caso o pior aconteça? Esperam estar livres da onda destrutiva que tomará conta do país? Imaginam que essa vaga será contida pelas ditas instituições – que estão esfarrapadas?

Os arrivistas do mercado financeiro festejam uma futura orgia com os fundos públicos. Para eles, pouco importam o país e seu povo. Têm a ilusão de que seus lucros estarão assegurados com Bolsonaro. Eles e ele são a verdadeira escória de nossos dias.

A eles se submete a mídia brasileira, infelizmente. Aturdida pelo terremoto que os grandes cartéis norte-americanos promovem no seu mercado, embarcou numa cruzada antibrasileira e antipopular. Perdeu mercado, credibilidade, relevância. Neste momento, acovardada, alega isenção para esconder seu apoio envergonhado ao terror que se avizinha.

Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois, colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia – para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade está no cerne do jornalismo.

Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.

* Jornalista, ex-editora-executiva da Folha (2000-2010) e copresidente do serviço jornalístico TUTAMÉIA (tutameia.jor.br)

---

Fonte: Tutaméia.

Acesso: http://tutameia.jor.br/nao-adianta-pedir-perdao-daqui-a-50-anos/

domingo, 21 de outubro de 2018

Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 3)




Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 3)

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Sumariadas as linhas conceituais da “justiça com equidade” (ver parte 2), principiemos pela leitura do programa de governo de Fernando Haddad (PT)[1]. Tendo por fio condutor o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado para o decênio 2014-2024, nesse programa eleva-se a educação à condição de “prioridade estratégica” que obedece às seguintes diretrizes:

a) Forte atuação na formação dos educadores e na gestão pedagógica da educação básica, na reformulação do ensino médio e na expansão da educação integral;

b) Concretização das metas do PNE, em articulação com os planos estaduais e municipais de educação;

c) Institucionalização do Sistema Nacional de Educação, instituindo instâncias de negociação interfederativa; criação de política de apoio à melhoria da qualidade da gestão em todos os níveis e aperfeiçoamento do SAEB;

d) Criação de novo padrão de financiamento, visando progressivamente investir 10% do PIB em educação, conforme a meta 20 do PNE; implementação do Custo-Aluno-Qualidade (QAQ) e institucionalização do novo FUNDEB, de caráter permanente, com aumento da complementação da União; retomada dos recursos dos royalties do petróleo e do Fundo Social do Pré-Sal;

e) Fortalecimento da gestão democrática, retomando o diálogo com a sociedade na gestão das políticas bem como na gestão das instituições escolares de todos os níveis.

Das diretrizes expostas, chama-me atenção a proposta de redefinição dos padrões de financiamento para alcançar 10% de investimento do PIB em educação. Trata-se de uma meta que exigirá um verdadeiro rearranjo distributivo e cujas chances reais de ser efetuada perpassam o comprometimento das rendas petrolíferas com o investimento público em educação. Nos termos originais do marco regulatório da exploração dos campos do pré-sal, delimitavam-se 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde, além de 50% de todos os recursos do Fundo Social do pré-sal para ambos os setores. A base legal para essa repartição de investimentos, sancionada no então Governo Dilma[2], sofreu drásticas alterações sob o Governo Temer[3] e, na prática, tornou-se letra morta com a Emenda Constitucional nº 95, que restringe os gastos primários do governo federal por 20 anos e que, diga-se, teve o voto de aprovação do deputado federal Jair Bolsonaro[4].

Diante deste contingenciamento, como o programa de Haddad focaliza a educação infantil e o ensino fundamental? Na primeira, em consonância com a educação integral, estabelece-se a expansão “com qualidade” das vagas em creches e o fortalecimento das políticas voltadas para a pré-escola. No segundo, são previstos ajustes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em contraponto a “imposições obscurantistas” - uma menção indireta a projetos de lei inconstitucionais sob o rótulo "Escola sem partido" -, assim como uma “forte política nacional de alfabetização” que confira tratamento qualificado às especificidades locais dos educandos. Para o ensino fundamental, também são previstas medidas de valorização e formação profissional dos professores e professoras a partir do fortalecimento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Por seu intermédio, estudantes universitários de Pedagogia e de Licenciatura atuarão nas escolas públicas em sinergia com a tentativa de promover um salto qualitativo no processo de alfabetização das crianças.

Como o programa de Jair Bolsonaro (PSL)[5] delineia esses dois segmentos da política educacional? A primeira menção a essa política é feita na seção “Linhas de ação” na forma de um binômio Saúde/Educação:

Saúde e Educação: eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas. Melhorar a saúde e dar um salto de qualidade na educação com ênfase na infantil, básica e técnica, sem doutrinar.

Na última oração – “sem doutrinar” – evidencia-se uma percepção do processo de ensino-aprendizagem que é, no mínimo, ilógica. Ora, a socialização escolar não se resume à transmissão de conhecimentos de ordem cognitiva, ainda que os seus agentes estivessem deliberadamente comprometidos com a exclusividade dessa função social da escola. Qualquer profissional de educação sabe melhor do que ninguém que há uma tensão permanente entre as famílias e a escola no tocante à expectativa de aquisição de comportamentos e declará-la extinta seria o mesmo que, digamos, revogar as leis da física newtoniana...  

Adiante, postula-se a tese de que “gastamos como os melhores” e “educamos como os piores”, aludindo à posição do país no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). De fato, nosso desempenho educacional encontra-se aquém do desejável. Os resultados colhidos através do PISA em 2015[6] sinalizam que os alunos brasileiros tiveram um desempenho abaixo da média dos alunos nos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Naquele ano, obtivemos em ciências 401 pontos, enquanto a média dos demais países ficou em torno de 493 pontos; em leitura 407 pontos, em comparação à média de 493 pontos; e em matemática 377 pontos, comparados à média de 490 pontos.

Diante das severas insuficiências na aprendizagem escolar, lança-se um prognóstico que, à primeira vista, parece auspicioso: inverter as prioridades, concentrando, pois, esforços na educação infantil, fundamental e média. Qual diagnóstico lhe serve de base? Mudar (sem precisar como) a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), eliminar a “aprovação automática” e expurgar a “ideologia de Paulo Freire” no processo de alfabetização. Uma vez mais, vaticina que um dos maiores entraves no setor é a “forte doutrinação”. Desnecessário dizer que tal afirmação vai de encontro ao que pedagogos e demais especialistas em diferentes latitudes do globo pensam. Basta lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) ratifica o reconhecimento de Paulo Freire como patrono na educação brasileira. Mas não nos distraíamos com bobagens. Fixemos o olhar em uma proposição sui generis contida em seu programa:

Educação à distância: deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais.

Eis uma resolução que, em sendo implementada, tornaria o Estado e a sociedade brasileiros divorciados daquilo que é, digamos, a quintessência do liberalismo. Recordemos: tornar-se gente, na acepção genuinamente liberal do termo, decorre de uma bem vinda “invasão” do Estado no reduto familiar com vistas a incorporar seus membros em um processo de cidadanização. Seu instrumento por excelência é a escola pública, universal e gratuita que, mesmo sem deixar de aclimatar-se às peculiaridades regionais, tem de promover a participação integral dos indivíduos na socialização de conhecimentos e comportamentos que seja a um só tempo causa e efeito de uma nação que se possa chamar de conclusa. Aqui, sequer podemos dizer que se adota uma concepção de justiça social afeita à liberdade natural, pois, como vimos, mesmo nesta versão minimalista do liberalismo social, é pressuposta a formação escolar em condições equitativas para que um indivíduo adulto tenha sido capacitado a empreender a si mesmo em uma economia competitiva de mercado.

Pasmem, qual o sentido de uma criança de uma família pobre do semiárido nordestino ou do Alto Amazonas ter acesso a um conteúdo didático por meios audiovisuais sem estar integrada à sala de aula? As famílias das áreas pouco acessíveis deveriam suportar em seus próprios ombros a socialização dos custos da integração nacional sem uma presença robusta do Estado na educação básica? Seria razoável negar a uma criança as virtualidades do saber não instituído que apenas a convivência em uma comunidade escolar mais ampla do que suas relações familiares podem assegurar? Contar-se-iam com pais e/ou responsáveis aptos a dirigir os estudos à distância das crianças sob sua guarda? 

A pertinência de tais perguntas ante os desafios que a “educação 2.0” está a exigir em uma sociedade complexa como a brasileira, atravessada pelas iniquidades de uma elevada desigualdade socioeconômica entre classes sociais, confirma a olhos vistos o quão iliberal é Bolsonaro em seu programa de governo. Os fantasmas alimentados em torno do comunismo não passam de um véu para as fragilidades de uma agenda educacional que carece de um plano de ação que encadeie objetivos e metas.

Conclusão: no programa de governo de Haddad, prevalece uma concepção de justiça social subjacente à igualdade liberal de oportunidades, na medida em que preconiza uma alocação redistributiva de recursos que gere oportunidades educacionais para segmentos da população em relativa desvantagem sem, necessariamente, sacrificar o estilo universalista da sua política social. Já no programa de Bolsonaro, predomina uma perspectiva da educação que, a considerar a recorrência das falácias em torno do “perigo vermelho”, acaba por traduzi-la em um problema moral sem outra fundamentação senão os velhos preconceitos de uma caserna militar que carece de luz e oxigênio.

Por fim, é bom lembrar: um governo estadual ousou recentemente navegar contra a maré montante do neoliberalismo no país. Trata-se do governo do Maranhão[7], que incluiu em sua carta náutica uma medida de recomposição salarial na educação básica que propiciou um novo piso remuneratório a servidores efetivos e contratados, comprometendo 115 milhões na sua folha de pagamento. Um professor iniciando a carreira no Maranhão com jornada semanal de 40 horas terá remuneração de R$ 5.750,83. Já o que inicia com jornada de 20 horas, receberá R$ 2.875,41. De longe, a melhor remuneração para a docência nos níveis fundamental e médio dentre os estados da federação, efetuada no governo de um comunista, Flávio Dino (PCdoB). Surpreendente? Nem tanto.



[1] http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos
[2] http://www.brasil.gov.br/governo/2013/09/sancionada-lei-que-destina-royalties-do-petroleo-para-saude-e-educacao
[3] https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/10/partidos-que-hoje-querem-mudar-regras-do-pre-sal-se-posicionaram-de-forma-diferente-anos-atras-6194.html
[4] http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/10/saiba-como-cada-deputado-votou-em-relacao-pec-do-teto-de-gastos.html
[5] http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos
[6] http://portal.inep.gov.br/web/guest/acoes-internacionais/pisa/resultados
[7] https://www.cpp.org.br/informacao/noticias/item/10576-com-reajuste-maranhao-pagara-mais-alto-salario-de-professor

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

IFF em defesa do Estado Democrático de Direito

Em defesa da autonomia universitária, reproduzimos abaixo nota do CONSUP/IFF:

O Conselho Superior do IFFluminense, diante de questionamentos e denuncismos vazios que vem ocorrendo nos campi do instituto, divulga um manifesto em defesa da liberdade de expressão. Leia o texto na íntegra clicando na imagem abaixo:


Fonte: IFF.

Acesso: http://portal1.iff.edu.br/reitoria/noticias/conselho-superior-divulga-manifesto

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 2)


Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 2)

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Traçados os pressupostos para a questão educacional (ver parte 1), definamos os pontos de referência na tradição liberal que facilitarão uma abordagem comparativa dos programas de governo de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Para interligá-los, é fortuito indagarmos como uma visão de mundo igualitária pode ou não se concretizar em uma sociedade nacional.

Segundo Álvaro de Vita[1], ninguém melhor do que John Ralws sistematizou teoricamente a defesa do igual valor dignitário dos indivíduos sem, contudo, abrir mão das premissas liberais da ideia de autonomia que a modernidade nos legou. Seguindo os passos da “justiça rawlsiana”, Vita elenca três tipos de bens que devem ser considerados no tocante à gestão dos conflitos distributivos:

- Renda, riqueza, acesso a oportunidades educacionais e ocupacionais, provisão de serviços (bens passíveis de distribuição);

- Conhecimento e auto-respeito (bens não passíveis de serem distribuídos diretamente, mas que são afetados pelo modo como os primeiros são distribuídos);

- Capacidades físicas e mentais de uma pessoa (bens cuja distribuição em dada população não são condicionados pela distribuição de outros bens).

O primeiro e segundo tipos constituem os "bens primários", que, embora vinculem a todos pelo valor intrínseco que possuem, são afetados por contingências naturais e sociais que impedem ou, ao menos, dificultam os indivíduos retirarem deles um benefício mútuo. Sendo assim, como assegurar a cooperação social entre os mais e menos dotados de recursos escassos de todo tipo? Para Vita, o enfoque liberal-igualitário de Ralws vislumbra três princípios distintos para a distribuição de benefícios sociais e econômicos.

O primeiro deles seria a liberdade natural, do qual se extrai a visão política mais aproximada do liberalismo econômico, uma vez que esse princípio sugere a combinação de ordem social competitiva com igualdade formal de oportunidades como condição suficiente para garantir a todos os mesmos direitos de acesso às melhores posições sociais. Nesta versão do liberalismo, tão decantada no senso comum pela ideologia da mérito, não se ofereceria, na prática, uma solução a contento para as desigualdades raciais, de gênero e étnicas que as relações de mercado acomodam em contrariedade àquilo que prometem: a inexistência de barreiras legais para o exercício dos próprios talentos e capacidades sob o veredicto escolar.

A tentativa de superar um padrão de desigualdade atribuível a fatores naturais e sociais que estão fora do alcance da escolha individual e que, portanto, tende a se perpetuar de modo arbitrário, redundou no segundo princípio, a igualdade liberal de oportunidades. Nesta forma de igualação, tenta-se viabilizar um ponto de partida em que não haja constrangimentos externos à vontade dos indivíduos que tenham destrezas semelhantes, bem como motivação para realizá-las conforme suas predileções. Para tanto, todo um complexo institucional haveria de ser erguido em torno da efetiva igualdade de status de cidadania, liberando assim os indivíduos de contingências (lugar de origem, caracteres raciais adscritos, entre outras) que limitassem suas perspectivas de realização pessoal. Aqui, importa reconhecer que a estratificação social não deveria ser a medida de todas coisas para o senso de pertencimento dos indivíduos a uma civilização que seria em si mesma um bem comum.

Não obstante, um ponto de partida desigual será assumido in totum se aceitarmos que o horizonte histórico não transcenderá, até prova em contrário, a sociedade de classes capitalista. No primeiro princípio (liberdade natural), não se daria margem alguma a ponderações desse tipo. Já no segundo (igualdade liberal de oportunidades), esse condicionante estrutural apareceria de maneira subliminar como um problema. A desigualdade de classe se mantem na medida em que recursos intangíveis (background familiar, capital cultural) são transmissíveis de geração a geração sob um verniz meritocrático que ocultaria a falta de contrapartida aos desprovidos de vantagens sociais herdadas, condenando-os, pois, à condição de (sub)cidadãos.

Frente ao caráter inconcluso daquele problema, vem à tona um terceiro princípio, a igualdade democrática. Aqui encontramos uma espécie de especulação sobre a motivação moral de um indivíduo para que um novo padrão distributivo tenha eficácia. Ora, testar o seu próprio desempenho para fins de classificação em carreiras profissionais privilegiadas e, sobretudo, instrumentalizar-se para tal são disposições de agir específicas, isto é, implicam uma socialização de certas atitudes de classe que, digamos, faça com que as (auto)profecias se realizem. Se não escolho livremente os dotes genéticos nem a circunstância social que me facultam desenvolver talentos naturais suscetíveis de serem mais valorizados do que outros em um dado arranjo socioeconômico, por que seria legítimo supor que poucos devam obter a maior parte dos frutos da cooperação social? Vita lembra que essa arguição na obra de Ralws é controversa, já que lançaria um ataque frontal à “cidadela última para onde políticos e economistas conservadores recuam quando querem justificar as desigualdades sociais existentes”. O igual valor dignitário dos indivíduos não encontraria rival à altura se a fraternidade fosse, de fato, o ponto médio de um pêndulo que oscilasse entre as aspirações à liberdade e à igualdade:

O princípio de igualdade democrática requer que os mais privilegiados abram mão de tirar proveito das circunstâncias sociais e naturais que os beneficiam, a não ser quando fazê-lo beneficia também os que têm o menor quinhão de bens primários (VITA, 1999, p.48).

Revistas essas concepções normativas de justiça social em seu sentido amplo, passaremos à leitura dos programas de governo na terceira e última parte desse texto (a publicar). Inicialmente, cogitei avaliá-los já nesta segunda parte, porém creio não ser construtivo fatigá-los com um texto demasiado extenso. Adianto apenas que o recorte que farei das agendas educacionais propostas por Haddad e Bolsonaro privilegiará as ações voltadas ao ensino pré-escolar e fundamental, por entender que esse período da aprendizagem é crucial para ampliar as possibilidades de superação das desigualdades frente à cultura.



[1] Vita, Álvaro de. Uma concepção liberal-igualitária de justiça distributivaRevista Brasileira de Ciências Sociais, Fev. 1999, vol. 14, nº 39, p.41-59. ISSN 0102-6909

Georg Simmel: um clássico da Sociologia


terça-feira, 16 de outubro de 2018

Os ardis da autocrítica pregada aos outros


Pichações nazistas em uma igreja católica de São Pedro da Serra, distrito de Nova Friburgo/RJ.

Os ardis da autocrítica pregada aos outros

Por Lara Luna da Silveira*

Li algumas críticas pertinentes sobre a responsabilidade da esquerda e a falta de autocrítica do PT no fenômeno de adesão em massa a Bolsonaro e, cercada de pessoas que votam nele, tenho convicção para afirmar que, de fato, "aquela tia" ou "aquele colega" não são fascistas, mas convictamente antipetistas.

O mesmo cuidado que pedimos para não misturar "comunismo" com PT (e mesmo com toda preguiça de ver o nome Venezuela e "ditadura petista" em memes que "viajam na maionese") estou tentando ter para não encaixar qualquer um, dentre quase 50 milhões de pessoas, no rótulo de fascista. Se tem mulher, negro, pobre e gay votando nele, no mínimo, tenho curiosidade em entender essa adesão.

Dito isto, acho que a ojeriza à corrupção não explica tudo. Não sabemos o percentual de eleitores que estão votando porque ele é um "mito" que fala aquilo que querem ouvir; nem dos eleitores que votam "apesar do que ele fala", a título de voto de veto.

Fato é que também vejo pessoas como eu, que não queriam o PT no segundo turno, que queriam que o PT reconhecesse que não é só vítima de interpretações enviesadas, de difamações, mas que também permitiu e cometeu não apenas erros de estratégia eleitoral, mas inclusive corrupção, que é sim um problema sério. Mas a coisa é complexa. Não caio no maniqueísmo de odiar o PT, porque apesar de seus erros foi, para mim, de longe o governo que mais tentou incluir pessoas e enfrentar as desigualdades sociais. Também é um problema sério, muito sério aliás, ter gente passando fome. A minha crítica ao PT, assim entendo, passa longe de ser esse antipetismo que vocifera nas redes. Prefiro fazê-la entre aqueles que estão ainda mais à esquerda que a socialdemocracia adotada pelo partido, porque tentamos sair desse lugar comum e repetido de falar em corrupção, considerando haver todos os incentivos estruturais para que ela não acabe e que candidato nenhum vai "dar jeito" nela nem "messianicamente".

Há, assim, quem vai votar no Haddad no estilo "apesar de" também (particularmente, gosto muito de sua biografia, admiro-o muito enquanto político).

Mas, agora, chego aonde quero: apesar do voto de veto, o que mais tem pautado a disputa é o argumento moral. E aí o antipetismo vem agregando “fake news”, ignorância e maledicência. Não falo isso porque estou do outro lado trincheira, sei que há “fake news” do lado de cá também. Mas já é sabido o quanto a campanha do Bolsonaro tem sido feita pura e simplesmente pelas redes, particularmente pelo Whatsapp, com apoio de especialistas que sabem como gerar medo. Medo de sermos uma Venezuela, medo de seu filho ter que dividir banheiro com transexuais, medo do comunismo, medo de andar desarmado. Não importam os debates, não importam os projetos estruturais (economia, educação, saúde, saneamento, etc.), não importa a experiência em gestão. Não importa nem saber o que era, de fato, o projeto "Escola sem homofobia".

Isso explica a adesão de religiosos. Não porque a preocupação maior seja com a mensagem de paz, que se escandaliza com a apologia à tortura. Mas porque a regulação da sexualidade ainda é hoje instrumento de biopolítica, de controle de corpos não só dos integrantes das nossas famílias, mas de todos aqueles que atravessam a rua. Por isso, a violência física a certas minorias, apesar de vir de uma parte restrita do eleitorado, encontra-se no mesmo candidato catalisador do voto daqueles que são contra a agressão física, mas que não acolhe a diversidade por motivos de ordem moral. O candidato não era o único antipetista disponível. Era o que, em nuances diferentes, conversava sim com a mentalidade de muita gente, "apesar de...".

Não quero que o medo nem o ódio pautem as decisões da minha vida, mesmo sabendo que os tenho. Meu voto é, assim, uma decisão racional, de posicionamento de valores. Considero-me mais liberal "raiz" em muitos quesitos que muita gente que se diz de direita: não quero o Estado cerceando direitos civis. Entretanto, quero-o provendo direitos sociais porque não somos nenhum país de Primeiro Mundo que possa abrir mão disso. Choca-me termos milhões de analfabetos e uma proposta de ensino à distância para crianças não chocar as pessoas! Como alguém no meio da caatinga sem um livro vai acessar o ensino "à distância"?! Mas aí eu entro na pauta estrutural e o que vale é discutir o "sexo dos anjos"!

Esse "textão" chato vai ser jogado em resposta a todo mundo que vier com o papo de "mas o PT isso...". Eu também sei votar movida por valores, "apesar de"...

* Doutora em Sociologia Política (UENF).

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 1)


Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 1)

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Nestes dias que parecem durar décadas, tornou-se corriqueiro vermos nas redes virtuais textos e imagens depreciativos do comunismo ou do socialismo tomado como seu sinônimo. Quem o faz assume, em regra, um posicionamento contrário ao Partido dos Trabalhadores e aos demais partidos situados à esquerda no espectro político, aos movimentos populares e aos coletivos criados a partir de pautas identitárias. Neste 2º turno da corrida presidencial, tal posicionamento é francamente pró-Bolsonaro, uma vez que ele personificaria uma luta bíblica contra o "perigo vermelho".

Os alardes sem pé nem cabeça em torno do comunismo apenas confirmam que estamos imersos numa geleia geral em que muitos ignoram o que desejam - um governo autoritário - e desejam o que ignoram - a violência física arbitrária contra qualquer um(a) que pratique o dissenso. Nesta circunstância, existe a tentação de recairmos na condição de escravos que Platão, magistralmente, descreveu em "O Mito da Caverna", já que podemos muito bem confundir a nós mesmos com as sombras que projetamos em nossas bolhas na Internet. Sim, concedo, é muito difícil a esta altura dos acontecimentos pararmos para esmiuçar quais critérios adotamos para defender ou atacar uma visão de mundo. O tempo urge.

Mas, como nos ensina o metodólogo Pedro Demo, se ideologia "esperta" é aquela que não diz que o é, penso ser oportuno analisar a luta ideológica da qual não podemos nos retirar por decreto. Faço isso sem querer devolver aos bolsonaristas o mesmo tom agressivo com o qual tratam a nós, democratas, para demarcar o seu lugar no mundo ou, melhor dizendo, para se safar das fobias que têm por viver em um mundo cujas mudanças não compreendem. Fazê-lo somente os incitaria a reforçar sua posição, já que muitos deles são, além de eleitores, "seguidores" de Jair Bolsonaro e este equipara-se ao seu eleitor médio numa verdadeira simbiose. Ademais, foi-se o tempo que os postulantes ao cargo público de maior autoridade da nação desempenhavam uma função pedagógica na articulação do discurso político. Talvez o presidenciável Ciro Gomes fosse o mais preparado neste quesito, mas tirou férias do Brasil...

É muito curiosa essa fixação dos eleitores/seguidores de Bolsonaro com o tema do comunismo. Pasmem, até a minha mãe passou a se preocupar com ele! Desculpem, já me alonguei demais nessa introdução.

A pergunta é "simples": quem pragueja contra o comunismo sabe, afinal de contas, o que é liberalismo?

Em ciências sociais, sabemos que os "ismos" comportam diferentes linhagens de pensamento e que seus cruzamentos podem transgredir o significado compartilhado em seu contexto de origem. Comunismo e liberalismo têm o seu grão de verdade e se fosse para arriscar uma síntese, escolheria para o primeiro a célebre frase de Karl Marx: "De cada um, segundo suas capacidades; a cada um, conforme suas necessidades". Já para o último, bem poderíamos ficar com Ortega & Gasset ao interpretá-lo como o "direito assegurado pela maioria às minorias e, portanto, o apelo mais nobre que ressoou no planeta... A determinação de conviver com o inimigo e ainda, o que é mais, com um inimigo fraco". Trocando em miúdos: o aprendizado coletivo para lidar com frustrações diante de resultados eleitorais desfavoráveis sem pôr a perder as instituições que garantem, como prêmio à tolerância ao adversário, uma nova chance na eleição seguinte.

De 2016 para cá, constatamos com sangue derramado (Marielle Franco e Anderson Gomes, Moa do Katendê) que estamos longe de consumar tal aprendizado e, provavelmente, esse déficit de consciência democrática continuará a cobrar o seu preço enquanto não reabilitarmos o debate público. Desse modo, creio que discutir o liberalismo seja um convite ao diálogo destinado àqueles(as) que votam em Bolsonaro. Por quê? Simplesmente, porque o seu programa de governo, bem como o de Fernando Haddad, transigem em diferentes pontos com essa tradição do pensamento político, ao contrário do que uma oposição estanque "Comunismo/Socialismo versus Liberalismo/Capitalismo" faz crer a partir do vazio de pensamento que nos engole nesta época em que todos falam e ninguém se escuta.

Vou limitar a comparação ao tema da educação. Não se trata de uma escolha aleatória. Ora, ainda que quiséssemos retroceder à versão mais ortodoxa do liberalismo que resumisse a vida social à manutenção da ordem legal dos contratos e da segurança pública – o velho “Estado vigia noturno” -, ainda assim, a educação seria dotada de centralidade na concepção/execução da política estatal, pois, ensina-nos T. H. Marshall em seu clássico “Cidadania, classe social e status” (1967), a autonomia civil que o liberalismo preconizou para o indivíduo moderno – empreender suas aptidões e habilidades por sua conta e risco em uma economia de mercado – só se faz efetiva por meio dos instrumentos da educação escolar. 

Não se justificaria, portanto, temer a ação direta do Estado nesse setor da política pública. Esta intervenção estatal não poderia ser tomada por constrangimento e restrição ao curso da ação desejado por alguém, pois o direito social à educação refere-se tanto a uma responsabilidade individual (educar-se) quanto a uma responsabilidade coletiva (educar as gerações futuras), o que vincula a ideia de autonomia civil com a dimensão cívica da cidadania – a capacidade de agir solidariamente para cumprir o dever público de homens e mulheres adultos terem sido educados para o exercício da livre escolha. Noutros termos, qualquer pretensão de atrelar a noção neoliberal de “Estado mínimo” à educação escolar seria, no mínimo, uma impropriedade.    

Até aqui, creio que lançamos as bases para uma comparação das agendas educacionais propostas por Bolsonaro e Haddad, que será desenvolvida na segunda parte desse texto (a ser publicado).

domingo, 14 de outubro de 2018

O Dia que Durou 21 Anos + Debate ‘Ditadura Nunca Mais!’




Como o discurso contra a corrupção e as críticas justas ao PT se transformaram num ódio cego que parece ser capaz de levar ao poder, através do voto, um indivíduo que fez carreira desprezando a democracia e que continua defendendo abertamente ditadura e tortura, além de questionar a própria legitimidade do processo eleitoral? 

Após 30 anos de fortalecimento contínuo, as instituições democráticas erguidas pela Constituição de 1988 se veem diante de sua mais grave ameaça. E a consternação é generalizada.

Democratas tanto de esquerda quanto de direita – liberais, conservadores ou socialistas –, todos se unem à comunidade internacional num mesmo sentimento: “como chegamos a esse ponto?” 

Todas as partes cometeram erros e têm sua parcela de culpa, mas continuamos distantes de respostas. Trata-se de fenômeno novo, alimentado por uma guerra sem precedentes de desinformação em bolhas na internet que ainda não compreendemos, mas cujas consequências já sentimos na carne. 

Ainda que Bolsonaro descumpra tudo que prometeu ao longo da vida e tente respeitar a democracia, pode ser tarde demais. Seu discurso de ódio já está fazendo mulheres, LGBTs e opositores em geral serem caçados nas esquinas do país. 

Sem falar do seu vice General, que coerente com a cultura militar de hierarquia, já deu diversos sinais de que pretende tomar o poder do presidente de patente inferior. Se eleito, Bolsonaro deve ser engolido pelas cobras ao seu redor, e o que acontecerá depois?

Daí a importância dos democratas brasileiros se unirem nesse momento histórico dramático em torno da candidatura de Fernando Haddad, liderança que tem uma vida pública de compromisso com a democracia. A eleição continua em aberto, e os que querem preservar nossos direitos e liberdades são maioria no Brasil.

No próximo sábado, estaremos juntos, em Campos dos Goytacazes, assistindo a 'O Dia que Durou 21 Anos’, documentário que traz provas reveladoras sobre os bastidores do golpe militar de 1964. É o momento de refletir sobre o nosso passado para salvar nosso futuro. 

A democracia brasileira resistirá a essa grave ameaça. 



PROGRAMAÇÃO

18h – Início do evento 

19h – Exibição de ‘O Dia que Durou 21 anos’ (2013), documentário de Camilo Tavares sobre os bastidores do golpe militar de 1964

20h30 – Debate aberto ‘DITADURA NUNCA MAIS!”

Fonte: Facebook.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

O 2º TURNO É UMA POLARIZAÇÃO ENTRE DOIS EXTREMOS?

O prof. José Luis Vianna da Cruz* traz importantes alertas sobre as escolhas políticas a serem feitas neste 2º turno.

---

Publicado no Facebook:

O 2º TURNO É UMA POLARIZAÇÃO ENTRE DOIS EXTREMOS?

Quais são os extremos? “Extrema direita” contra “extrema esquerda”? Os rótulos impedem que se examine os conteúdos para que cada um possa chegar à sua própria conclusão: estamos em um confronto entre os extremos, ou não? Em primeiro lugar, qual seria a “extrema esquerda” representada pelo HADDAD? 

Fatos concretos para que se possa analisar:

O PT governou por 14 anos. Nesses 14 anos, houve algum sinal das atitudes de extrema esquerda de que o Haddad e o PT são acusados? Pensem em tudo o que faz o PT ser rotulado de extrema esquerda e vejam se existe alguma coisa dos extremos de que o acusam. Na minha opinião, o que esse rótulo esconde é uma não-aceitação da política do PT de distribuição de renda, do aumento real do salário mínimo, da manutenção do controle nacional sobre nossas riquezas principais, da proteção para os aposentados, empregadas domésticas, trabalhadores, negros, mulheres e LGBTs, dentre outros. Isso que seria ser "extrema esquerda", na verdade, no pensamento dos que o criticam. 

Por que afirmo isso? 

Porque a pretexto da luta contra a corrupção, as atitudes mais importantes do Governo Temer e do Programa de Governo do Bolsonaro são as reformas que tiram direitos dos aposentados e dos trabalhadores, que congelam os gastos com saúde, educação e programas sociais, que entregam nosso petróleo e outras riquezas aos estrangeiros, que enfraquecem o banco do brasil e a caixa econômica federal, dentre outros. Em resumo: o PT é social-democrata, extremamente criticado pela extrema esquerda, porque, no seu governo, apesar da melhoria para os mais pobres, os bancos e os mais ricos enriqueceram ainda mais.


Em segundo lugar, qual seria a “extrema direita” representada pelo Bolsonaro?

O Bolsonaro é um capitão e o Vice um general. Já de início, é importante você pensar se você quer ser governado por quem passou a vida inteira em regime de caserna, em que “um manda e todos obedecem”. Pela própria natureza, a hierarquia na carreira militar é autoritária, não é democrática, não há liberdade de organização, opinião e manifestação. Só existe mandar e obedecer e usar a força para manter esse tipo de ordem. Transpor isso para um Governo de um país vai contra as bases da democracia. A noção de ordem de um militar é o oposto do republicanismo, da democracia, que é a de liberdade de opinião, organização e manifestação, de todas as correntes de pensamento. 

Outra questão importante: o Estado democrático é laico por excelência. Ou seja, o Estado e o governo têm que garantir a liberdade religiosa e não podem se posicionar em favor e/contra qualquer religião. E as religiões não podem ser partidárias. Tem que ser Religião Sem Partido. A Igreja Católica já se posicionou contra se definir por um candidato ou partido. As Igrejas Evangélicas se tornaram militantes de um candidato e inimigas declaradas e, em alguns casos, violentas, em outros casos, com argumentos pseudo-religiosos se sobrepondo aos argumentos das políticas públicas. 

Finalmente, em termos de propostas de Governo, o lado do Bolsonaro está comprometido com a privatização total de tudo, o enfraquecimento dos bancos, universidades, escolas e sistemas públicos; está comprometido com o avanço na retirada dos direitos da previdência, da aposentadoria e dos direitos trabalhistas; e com o uso da força contra ativistas dos direitos humanos e sociais. Mas, o principal aspecto do futuro Governo deste candidato é o aval, o empoderamento, o estímulo, a omissão, aos grupos violentos da sociedade contra os homossexuais, os negros, os pobres das favelas e periferias, e contra os direitos feministas; e o aval aos discursos dos grupos favoráveis à violência, à tortura e à Ditadura Militar. Eles já estão se sentindo à vontade para demonstrar como vai ser o dia a dia na nossa sociedade se o Bolsonaro vencer as eleições; eles já estão agredindo e matando. É porrada, violência e morte aos ativistas dos direitos humanos e democráticos. Isso, sim é EXTREMA DIREITA, ISSO É FASCISMO, SIM.

ESTAMOS DIANTE DA ESCOLHA ENTRE UMA SOCIAL-DEMOCRACIA E UMA EXTREMA DIREITA FASCISTA. NÃO SÃO DOIS EXTREMOS. SÓ HÁ UM EXTREMO, A EXTREMA DIREITA ANTI-DEMOCRÁTICA, DITATORIAL. O OUTRO LADO, DO HADDAD, É MODERADO, DEMOCRÁTICO E LIBERAL.

---

* Doutor em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ) e Professor Colaborador da UFF/Campos dos Goytacazes.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A agenda econômica de Jair Bolsonaro: um salto no escuro



A agenda econômica de Jair Bolsonaro: um salto no escuro

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Definidos os candidatos ao cargo de Presidente da República: Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT).

Segundo turno a pleno vapor.

A esta altura, muitos devem estar exaustos com uma disputa eleitoral cujas solicitações são alucinantes nas redes sociais. Outros tantos, mais do que exaustos, estão enfadados com uma eleição que mais parece um “terceiro turno” ampliado. O que está posto? A ruptura institucional de 2016 como limite que as classes dominantes (sim, uso o termo) impuseram à ampliação da democracia social e da soberania nacional (marco regulatório original do Pré-Sal e realinhamento geopolítico com a formação dos BRICS) perseguida pelos governos do PT com os seus acertos e erros. Em seu lugar, observou-se desde então uma luta nua e crua entre os interesses corporativos da alta burocracia do Estado (Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, Forças Armadas entre outros) e experimentos inviáveis no médio e longo prazos como a Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional nº 95.

Passados mais de dois anos daquele ano que não terminou, ninguém anteciparia com exatidão um cenário tão aterrador como a onda de violência política dos seguidores de Bolsonaro[1] que desfigura o espaço público a ponto de intimidar até mesmo quem investiu no antipetismo como linha demarcatória de um projeto de poder. Concordo com Luís Felipe Miguel que a direita derrotada nas quatro últimas eleições nem liberal o é, uma vez que seus melhores quadros se mostraram dúbios diante do manejo das pautas morais como balizador da luta política que sufoca as liberdades individuais. Tais pautas são o mote preferencial da produção de conteúdo a ser difundido no ambiente virtual, mobilizando afetos primários – “eu odeio porque odeio!” - que nivelam por baixo o debate programático.

Contudo, os programas de governo são efetivos, ainda que o eleitor médio não tenha por hábito avaliá-los. Os seguidores de Bolsonaro talvez parassem na página 2 se lhes fossem dado ler mais do que correntes anônimas no WhatsApp. Em respeito aos mesmos, dei-me ao trabalho de olhar de perto o programa do candidato da extrema-direita[2], que se inicia com uma frase de teor aparentemente ufanista - “Brasil acima de tudo” -, mas que, em verdade, é uma apropriação do slogan “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles) adotado por Adolf Hitler no regime totalitário que comandou na Segunda Guerra Mundial.

O que esse programa de inspiração nazista revela sobre uma das principais controvérsias de sua corrida presidencial (ou louca cavalgada, diriam alguns), a saber, economia? Na seção dedicada ao tema “Liberalismo econômico”, Bolsonaro expõe uma visão de Brasil bem ao gosto dos editorialistas de nossa imprensa tradicional:

Corruptos e populistas nos legaram um déficit primário elevado, uma situação fiscal explosiva, com baixo crescimento e elevado desemprego. Precisamos atingir um superávit primário já em 2020.

Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro votou a favor da Emenda Constitucional nº 95[3], que limita os gastos primários do governo federal por 20 anos. Por gastos primários, compreende-se o investimento público orientado para necessidades sociais (educação, saúde, cultura, segurança pública, entre outras) que, numa sociedade complexa como a brasileira, são um universo em constante expansão. A EC 95, porém, deixa de lado os chamados gastos financeiros - pagamento do principal da dívida pública, juros da dívida e debentures –, equivalentes a mais da metade do orçamento anual.

Ora, como fazer crer que o déficit público possa diminuir sem intervir no principal fator de endividamento? Manutenção de taxas de juros elevadas para conter a inflação (como meio usual de garantir a ferro e fogo o superávit primário) pode perfeitamente conviver com uma curva crescente de gastos financeiros, castrando, assim, as chances de um ciclo econômico sustentável. Mas Bolsonaro não se abala. Para o “capitão”, o liberalismo com “L” maiúsculo seria uma vara de condão a resolver todos os males:

As economias de mercado são historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social. Graças ao Liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo.

A crença no mercado livre e autorregulado é simplesmente um ato de fé. Ora, se é plausível admitir que o indivíduo moderno conheceu oportunidades de realização pessoal inauditas no capitalismo em comparação com o modo de produção feudal e o mercantilismo, também é forçoso reconhecer que esse sistema econômico nunca gerou solidariedade social suficiente para distribuir de forma justa a riqueza nele produzida. Nesse sistema, que esculpiu o mundo à sua imagem e semelhança com sucessivas crises de acumulação capitalista, desenvolveu-se um mercado financeiro cuja dinâmica destronou a ideologia do lasseiz-faire, tornando-se o expediente da concentração de capital mediante cartéis e monopólios.

Ora, se nunca existiu uma economia de mercado realmente livre, a defesa da ausência de regulamentação do Estado seria, no mínimo, uma inconsequência em face dos desafios que envolvem a busca de equilíbrio entre as relações de mercado e a garantia de direitos sociais previstos constitucionalmente. Voltando à famigerada EC 95, à qual Bolsonaro deu o seu voto de aprovação na Câmara, o que nos é oferecido? Poderíamos resumir na forma de um “modelinho” de causa e efeito: o governo paga uma taxa de juros alta (1); o mercado financeiro acomoda-se à taxa básica de juros aumentando as suas taxas para o crédito ao consumidor e às empresas (2); o crédito caro reduz a demanda das pessoas e as empresas reagem reduzindo o investimento (3); demanda menor implica, tendencialmente, queda da inflação (4); esta é alcançada assumindo-se, todavia, a queda do crescimento econômico e o aumento da taxa de desemprego sob o estresse da manutenção do pagamento do principal e dos juros da dívida (5). Daí, fecha-se um círculo vicioso no debate econômico, reduzindo este ao discurso de austeridade fiscal (“não cabem todos no orçamento”) que oculta a submissão do interesse nacional ao rentismo financeiro (“o país honra os seus contratos”).

Bolsonaro seria exceção à regra? Apoiando-se na retórica do “Estado mínimo”, o presidenciável retoma o ideário das “privatizações e concessões” enquanto instrumentos de gestão que “deverão ser obrigatoriamente utilizados para o pagamento da dívida pública”. Uma vez mais, verifica-se a postulação de um mercado livre que, entregue a si mesmo, consumaria à perfeição o sonho liberal:

[...] devemos ressaltar que a linha mestra de nosso processo de privatizações terá como norte o aumento na competição entre empresas. Afinal, com mais empresas concorrendo no mercado a situação do consumidor melhora e ele passa a ter acesso a mais opções, de melhor qualidade e a um preço mais barato.

Quais seriam os critérios para delimitar interesses estratégicos nessa proposta (ameaça?) de uma política agressiva de alienação dos ativos nacionais? O programa de Bolsonaro talvez ofereça alguma pista ao tropegar pelo tema do comércio internacional. Aqui, no entanto, topamos com premissas temerárias. Inicia-se com um pretenso diagnóstico: seríamos um dos países menos abertos ao comércio internacional e, portanto, estaríamos menos aptos a competir em mercados de alta tecnologia. O remédio? Lançarmo-nos de peito aberto à competição internacional com a redução de alíquotas de importação e de barreiras não-tarifárias e, não menos, com a instituição de novos acordos bilaterais. Para o “capitão”, o comércio internacional lograria um “choque tecnológico positivo”, caracterizando a senha para os ganhos de produtividade e o crescimento econômico. Nos termos propostos, a fusão (em andamento) da Embraer com a Boeing seria um salto qualitativo para nossa aviação comercial...

O que ignora por completo Bolsonaro et caterva? Na atual divisão internacional do trabalho, os verdadeiros saltos se dão pela acumulação técnico-científica feita em casa, na medida em que o progresso técnico se irradia através de produtos protegidos por patentes. Estas, por óbvio, tendem a cristalizar a diferença qualitativa no intercâmbio comercial de países industrialmente avançados com outros que, tais como o Brasil, não priorizam C&T, lembrando que enfrentamos um severo processo de desindustrialização, cenário no qual o aceno para o livre-cambismo feito por Bolsonaro pode intensificar a crise da receita pública.

Por fim, tive um trabalho adicional neste castigo que foi passar a limpo o programa do “capitão”: contar as ocorrências das palavras “privatizar”, “privatização” ou “privatizações”. Estas foram mencionadas nove vezes. Em contrapartida, a palavra “soberania” foi citada uma só vez.

Sob a enxurrada de notícias falsas e “memes”, uma agenda ultraliberal se impõe com demonstrações raivosas de adesão ao pretendente a führer tropical.

Ah!, sim, a bandeira deles é verde-amarela...




[1] http://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/brasil/53635/apoiadores-de-bolsonaro-realizaram-pelo-menos-50-ataques-em-todo-o-pais
[2] http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos
[3] https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/os-366-deputados-que-aprovaram-pec-241-proposta-que-congela-investimentos.html