domingo, 25 de dezembro de 2016

A chamada “pós-verdade”

A chamada “pós-verdade”*

George Gomes Coutinho **

Há expressões e palavras que demarcam uma época e/ou gerações. Por vezes enunciar uma delas denuncia até mesmo a idade do interlocutor. Em outros casos, meramente funciona como um indicador frágil de erudição.

Na contemporaneidade o termo” pós-verdade” (post-truth) se apresenta com certa notoriedade. Uma espécie de demarcador interpretativo dos tempos em que vivemos. Não por acaso a Universidade de Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano de 2016. Isto é sintomático, embora o fenômeno em si não seja exatamente uma novidade.

Não é de hoje que mentiras e manipulações diversas, conscientes ou não, são utilizadas como mecanismo de interação e produzem efeitos concretos na realidade. Nem sempre o bom e velho “boato” fica somente no plano discursivo. Cabe lembrar que o tribunal de bar, cantado por Herbert Vianna em 1991 no disco Grãos dos Paralamas do Sucesso, fez, faz e fará vítimas, o que inclui o linchamento de inocentes. Basta a disseminação de uma informação e a convicção dos que estão dispostos em abandonar o Estado Democrático de Direito em prol da justiça feita pelas próprias mãos. Mesmo que seja com enorme custo.

O que muda nos tempos que correm é a extensão dessas ondas discursivas, o que certamente amplifica a fofoca, o boato e a informação de má qualidade. Na era das redes sociais, onde estas são utilizadas até mesmo como via para obtenção de informação, uma mentira espontânea ou “plantada” por algum grupo ou indivíduo replica-se de forma incontrolável. O termo “viral” é didático. Ainda, o caráter anárquico da produção de informação, até então restrita aos profissionais dos meios de comunicação, agências governamentais e políticos, torna o cenário potencialmente mais explosivo. Hipoteticamente não importa a origem ou a qualidade da informação. Basta que caia como uma luva ante as convicções do receptor.

A “pós-verdade”, por exemplo, é uma das variáveis mobilizadas para entender a vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA. Tal como o curioso adágio atribuído ao jovem Procurador da República Deltan Dellagnol, importam mais convicções do que fatos. E nem isso ele disse.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 24 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 18 de dezembro de 2016

Um liberalismo miserável

Um liberalismo miserável *

George Gomes Coutinho **

“No Brasil, o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada, atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever, apenas respirando.”. A irritação do conservador Nelson Rodrigues citada é uma crítica contundente ao marxismo vulgar. Porém, igualmente poderíamos utilizar esse mesmo tom para demolir um liberalismo miserável.

Grandes tradições de pensamento são verdadeiros continentes. Seja o judaísmo, ou sua vertente expressa no cristianismo, o evolucionismo, o confucionismo, o platonismo, enfim, todo grande esforço de reflexão contém um conjunto de elementos articulados complexos. Afirmam o que seria a natureza humana, se esta é boa ou má e, para além disso, tentam responder: que bicho é esse, o homem? Ainda, indicam caminhos morais e éticos. Projetam uma idéia de sociedade, etc..

O liberalismo é, neste sentido, também um continente. Desde o século XVII o debate interno nesta tradição nunca cessou. Há idas e vindas, como em todo movimento de pensamento, o que inclui controvérsias e críticas internas. Mas, se trata de uma vastíssima e rica tradição que permite, inclusive, o diálogo com diversas bandeiras progressistas bastante arejadas. Talvez até mais do que as que encontramos em diversos grupos tradicionais na esquerda do espectro político.

O que espanta é a versão raquítica e adestrada deste liberalismo que circula no mainstream tupiniquim. Um liberalismo pobre, simplesmente “anti-Estado” armado de um discurso afetivo e ressentido quase edipiano. Como se não bastasse, não desconsiderando as contribuições liberais para a democracia alhures, nosso liberalismo flerta com o autoritarismo. É um oximoro. Tal como os marxistas vulgares, boa parte dos liberais de verde-amarelo se contentam em repetir palavras de ordem preguiçosamente. Finalizando, padecem de covardia intelectual ao não levarem as últimas conseqüências suas próprias premissas. Mal sabem que defendem mais o atraso do que imaginam.

Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 17 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Periódicos para graduandos e recém graduados em ciências sociais.

Em diversas conversas nos Departamentos de Ciências Sociais e afins, muitas vezes se apresenta a ideia de construir mais um periódico para a área. Nem sempre considero a proposta das melhores. Afinal, há no Brasil um grande número de periódicos na área e, sobretudo em instituições ou Departamentos que são muito jovens, os desafios são tantos que um periódico pode mais tirar do foco da rotinização de pesquisa, extensão e formação dos graduandos e pós-graduandos, do que propriamente produzir bons resultados.

Ao mesmo tempo há a demanda dos graduandos e recém graduados por espaços de publicação de seus trabalhos de pesquisa.

Pensando especificamente nesta demanda absolutamente legítima, recomendo que conheçam este periódico que descobri por acaso hoje: o "Todavia" da UFRGS.

A Revista Todavia opera com os seguintes objetivos: "A Revista Todavia é uma publicação eletrônica voltada para a divulgação da produção acadêmica de alunos dos cursos de graduação, ou recém formados em temas ligados a área de Humanidades.
Ela tem como objetivos principais estimular a publicação de trabalhos científicos dos alunos de graduação na área acima citada, e propiciar um espaço para discussão de temas acadêmicos concernentes a área de Humanidades.".

Toda e qualquer informação pode ser obtida no próprio site da Revista: http://www.ufrgs.br/revistatodavia/index.html. Obviamente, os objetivos que citei foram copiados de lá.

Por fim, um outro periódico bastante tradicional é o "Três Pontos" (http://www.revistatrespontos.org/) da UFMG também voltado para a graduação. Mas, pelo que notei, a Revista está parada desde 2014, algo que é certamente lamentável. Já a Todavia prossegue na ativa. 


domingo, 11 de dezembro de 2016

Judicialização e crise institucional

Judicialização e crise institucional*

George Gomes Coutinho **

Nesta semana a imprensa decidiu massificar os termos “crise institucional”.  A motivação foi a liminar que objetivou provocar o afastamento de Renan Calheiros (PMDB/AL) da presidência do Senado Federal a partir da decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello do STF.

O que me causa espécie é que só agora, com este fato, a imprensa fale em uma crise institucional. Na verdade, o imbróglio do momento entre legislativo e judiciário é mais um acontecimento grave dentre outros  no Brasil já há algum tempo. O último evento não é pouca coisa. Contudo, não foi a primeira ocorrência e nem será a derradeira a nos arrepiar.

A reverberação objetiva da decisão de Marco Aurélio Mello é a da interferência de um poder formal e constituído sobre outro. A separação entre poderes não é mero adorno teórico proposto pela filosofia política.  Em última instância, mantém o objetivo prático de evitar que os poderes canibalizem uns aos outros. Nesta tese, a não interferência de um sobre o outro permite o que seria o horizonte mais eficiente de atuação dos agentes: a fiscalização das ações do vizinho. Ainda, é a separação formal e prática entre poderes que permite no processo de tomada de decisões os legítimos checks and balances, os pesos e contrapesos, onde um poder pode até reconsiderar tomadas de posição ocorridas no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas, é vedada a interferência direta nos ritos e no funcionamento cotidiano de X sobre Y.  

A crise institucional em que vivemos deriva também de uma profunda e lenta judicialização da sociedade brasileira que não foi criada agora. No Brasil pós-Constituição de 1988 houve considerável empoderamento do judiciário como agente político que não é submetido ao controle democrático, sendo este agente o mediador preferencial das relações sociais em uma série de escalas. Sem dúvida há avanços civilizatórios inegáveis produzidos pelo judiciário. Contudo, da forma como estamos caminhando, tanto poder colocado no colo de juízes ou promotores sem controle social produzirá mais danos do que benefícios ao Estado Democrático de Direito. Não precisamos de um Leviatã jurídico nesta altura do campeonato. Precisamos, em verdade, é do restabelecimento das relações entre sociedade civil e o sistema político.

*  Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 10 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

NOTA SOBRE A TRAMITAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO - ABECS

Reproduzo abaixo nota da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, a ABECS, sobre as propostas de mudança do ensino médio que estão sendo apresentadas pelo Governo Temer. 

Recebi o texto da professora Adelia Maria Miglievich Ribeiro da UFES.



NOTA SOBRE A TRAMITAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO


Desde a publicação da Medida Provisória (MP) 746/2016 que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) vem acompanhando com preocupação um conjunto de medidas arbitrárias em relação ao ensino médio.

No último dia 30 de novembro de 2016, a comissão mista do Congresso Nacional aprovou o parecer do relator da matéria e encaminhou o Projeto de Lei de Conversão nº 34/2016. Neste documento, foi confirmada a perda do caráter obrigatório das disciplinas de Filosofia e Sociologia do currículo, desconsiderando diversas manifestações contrárias de entidades científicas e de especialistas da área da educação.

Seguindo a linha adotada por entidades científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), bem como pelo Movimento em Defesa do Ensino Médio, a ABECS manifesta sua contrariedade ao projeto apresentado e apóia a revogação da MP 746/2016 e, consequentemente, do PLC 34/2016.

Repudiamos a exclusão de disciplinas que representam áreas científicas fundamentais para a formação de nossos jovens sem um amplo debate com a comunidade escolar e acadêmica. De forma específica, o fim da obrigatoriedade da Sociologia no ensino médio significa grande retrocesso que desconsidera a produção científica e o debate especializado feito há duas décadas no Brasil, além de desconsiderar o campo internacional que existe na área de sociologia há mais de meio século e por representar nitidamente uma escolha do Governo Temer por uma formação educacional que privilegie a formação técnica, mercadológica e pragmática em contraposição à reflexão humanística e crítica. Cabe ressaltar que a formação escolar não é apenas para uma profissão ou uma técnica, mas algo para a vida em geral. 

Na atualidade, depois de amplo debate desde a LDB de 1996, a Sociologia é uma disciplina obrigatória desde a Lei nº 11.684/2008 e possui seis livros didáticos nas escolas da rede pública por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Além disso, novos cursos de Licenciatura em Ciências Sociais foram criados dentro do processo recente de expansão de matrículas na educação superior, ações concretas de formação inicial para a docência foram realizadas junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e diversos encontros científicos estudantis e sindicais foram realizados sobre conteúdos e metodologia de ensino em Ciências Sociais/Sociologia. Queremos ser ouvidos porque temos o que dizer.

Dessa forma, a ABECS convida as instituições públicas e a sociedade civil para realizarmos um grande debate visando à qualificação do ensino médio e da própria educação básica. Não é possível a simples exclusão do caráter obrigatório da disciplina de Sociologia em uma tramitação apressada no Congresso Nacional sem ouvir especialistas e profissionais que atuam na área, sem ouvir a rede de escolas, sem ouvir estudantes, sem ouvir pais e a sociedade civil em geral, o que reforça o caráter autoritário e unitário da medida que vem imposta de cima para baixo.

Assim, não mediremos esforços para a defesa da disciplina de Sociologia na educação básica e, particularmente, no ensino médio. Estamos convictos de que o ensino de Sociologia é importante para a formação crítica e cidadã de nossa juventude, ofertando referencial científico para a compreensão dos grandes dilemas postos neste século XXI.

Em uma sociedade marcada por diversas contradições, conflitos e disputas, a ausência do debate científico proporcionado pela disciplina de Sociologia, que engloba a Antropologia e a Ciência Política, é inaceitável e representa, sem dúvida, um retrocesso social, cultural e cientifico inestimável. 

Repudiamos também os retrocessos nos direitos sociais que se vislumbram com a PEC 55/2016 (antiga PEC 241), que congela gastos públicos e concursos por 20 anos e que é o início da destruição da educação pública e da saúde, abrindo uma ampla frente para privatização e precarização, e com as reformas trabalhista e previdenciária, assim como projetos como o “Escola sem Partido”, absolutamente na contramão do debate educacional progressista da atualidade.

Esperamos que o Congresso Nacional repense a inapropriada e aligeirada tramitação desta importante matéria (da MP 746) e promova imediatamente um Projeto de Lei de Reforma do ensino médio brasileiro a partir de ampla e irrestrita participação dos mais diversos segmentos sociais sob a liderança do Conselho Nacional de Educação, que é o espaço adequado para a discussão de qualquer reforma educacional responsável.

É preciso denunciar e resistir.

Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2016.

Diretoria da ABECS.             

domingo, 4 de dezembro de 2016

O topo da pirâmide

O topo da pirâmide*

George Gomes Coutinho **

Há tempos os críticos questionam de forma dura, por vezes irônica, o uso do termo “elite” tal como é apresentado pelos militantes dos movimentos sociais, sindicatos, etc.. Diziam, não sem alguma razão, que “elite” teria algo de amorfo, não explicava o que pretendia explicar. Afinal, conceitos devem ter a pretensão da precisão. De outro modo nada elucidam.

Neste âmbito os dados que começaram a ser divulgados este ano ainda no governo Dilma Rousseff pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda são bem precisos acerca de quem seria, pelo menos, a “elite econômica” brasileira. Esta mantém rendimentos que permitem um estilo de vida inimaginável para a esmagadora maioria da população.

Os dados foram elaborados utilizando informações da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio), do Censo e, a grande novidade, se pauta também pelas informações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). É este o ponto onde podemos olhar de perto uma economia fortemente concentradora de riquezas em funcionamento, algo que dá razão a analistas que vão desde Karl Marx no século XIX até Thomas Piketty no nosso século XXI. A grande verdade é que a economia de mercado, seguindo as regras que lhe são particulares, não distribui riquezas de forma eficiente. A tendência é de concentração, salvo intervenções redistributivas por parte do Estado.

No Brasil em especial os dados sobre o “topo da pirâmide” dizem muitíssimo. Trata-se de 0,3% da população. Pouco mais de 70 mil pessoas, sendo que a projeção da população total de brasileiros para 2016 é de 206 milhões de pessoas. Esta parcela ínfima mantém rendimentos mensais per capita de mais de 160 salários mínimos. É o grupo social que paga menos impostos proporcionalmente e teve redução de alíquotas em comparação com os outros grupos de declarantes de imposto de renda. É este o grupo mais protegido pela opção de tributação adotada no Brasil, profundamente centrada na circulação de mercadorias e não na renda.

Em uma conjuntura de crise econômica os perdedores são quase sempre evidentes. Mas, há os vencedores. Estes ainda permanecem ocultos no palco da opinião pública brasileira.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 03 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 27 de novembro de 2016

O senso do senso comum

O senso do senso comum*

George Gomes Coutinho **

A sociologia, na sua tarefa hercúlea de compreender nada menos que as relações sociais e a sociedade, observa que há um tipo de conhecimento muito específico utilizado no cotidiano. A este conhecimento chamamos de “senso comum”. É utilizado como mediador nas interações cotidianas e representa, sem qualquer idealização, os valores mais marcantes de um determinado momento histórico em uma dada configuração societária. Entramos aí no “conhecimento da vida cotidiana” como os austríacos/americanos Peter Berger e Thomas Luckman queriam. Ou, em uma vertente francesa, a boa e velha doxa de Pierre Bourdieu.  

O poder deste tipo de conhecimento é imensurável. Justamente por não admitir ser questionado, há no senso comum ares de naturalidade e auxilia a dar o formato das relações sociais. Hierarquias valorativas são construídas, o que inclui definir o bom e o mau gosto estético, agrupamentos sociais são bem recebidos ou estigmatizados, comportamentos são censurados ou exaltados, etc.. A lista de efeitos obtidos é imensa. Justamente pelo fato deste conhecimento não ser meramente contemplativo o efeito é concreto. Mirando na enorme capacidade humana de produzir abstrações, certamente o senso comum é o campeão em decantar na realidade.

O único remédio possível seria o da crítica sistemática da “mera opinião”. O rei está e sempre esteve nu. Hierarquias sociais, de toda e qualquer expressão, são construções humanas. Não são naturais e inatacáveis. Contudo, o senso comum, por se apresentar muitas vezes na forma de juízos práticos, atua de forma repressiva em prol de sua própria existência. Embora muitas vezes frágil na sua construção, é este senso comum que permite, dentre outras variáveis, que a vida prática na sociedade permaneça tal qual ela se apresenta. O conjunto de idéias vitoriosas em angariar corações e mentes luta de forma conservadora em prol de sua sobrevivência. O grande vencedor é o status quo. Eis o senso do senso comum.

Por isso na grande área de humanidades, onde seus profissionais vivem “inventando moda”, sociologia, história ou filosofia costumam ficar na berlinda em conjunturas como a nossa. E não é por outra razão que o anti-intelectualismo voltou com tanta energia nos tempos que correm.


* A versão original deste texto foi publicada no jornal Folha da Manhã em 26 de novembro de 2016.

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 20 de novembro de 2016

Economia e política no Rio de Janeiro

Economia e política no Rio de Janeiro*

George Gomes Coutinho **

O título deste artigo é somente provocativo. Trata-se de uma óbvia alusão aos últimos acontecimentos da política fluminense. As prisões de Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, ambos ex-governadores do Rio de Janeiro, colocam o estado em evidência nas páginas político-policiais  (ultimamente quase um sinônimo). Contudo, advirto ao leitor que a conexão entre economia e política não é algo exclusivo do Rio de Janeiro. Na verdade, a relação entre estas duas esferas fundamentais da vida social ocorre em todos os outros estados e países.

Políticos são agentes de um determinado sistema. Empresários operam em outra esfera, a econômica. Políticos operam com o poder formal, onde lidam com processos de tomada de decisão e o “poder de veto” propriamente. O empresariado, no sistema econômico, produz indubitavelmente inovação e outros efeitos sociais palpáveis diversos sendo estes efeitos perversos ou benéficos. Mas, o objetivo, salvo se encontrarmos um híbrido improvável entre George Soros e Francisco de Assis, é inegavelmente acumular, enriquecer.  Neste ínterim há o Estado, o aparato estatal, que materializa o maior agente econômico em toda e qualquer nação. As demandas objetivas do Estado, envolvendo infra-estrutura por exemplo, tornam os negócios estatais profundamente atraentes para os agentes do sistema econômico. De outro lado, o poder normativo do Estado é atraente para lobbies de toda ordem. Por fim, ainda há a mera razão econômica interferindo e distorcendo decisões eleitorais no caso de compra de votos.

Agentes dos dois sistemas se encontraram, se encontram e se encontrarão. As interferências, distorções e outras tantas ressonâncias são parte do cotidiano de sociedades complexas.

Na última semana vimos demonstrações diferentes da relação entre economia e política. No caso Cabral o contexto histórico de grandes eventos internacionais explica o assédio de políticos a empresários, sendo a recíproca libidinosamente verdadeira, na disputa por executar obras de grande monta. Não há inocentes. Com Garotinho há a interferência do argumento econômico na decisão do voto em uma sociedade desigual. Só que a margem de escolha da população empobrecida é muito menor. São reféns. Empreiteiros, por outro lado, são beneficiários.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 19 de novembro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 13 de novembro de 2016

The DayTrippers no Lord Pub em Campos - dia 08/12/2016

Senhoras e senhores. Ladies and genitals.

Eu e os outros membros da quadrilha faremos um som no Lord Pub aqui em Campos. Será no próximo 08 de dezembro, dia de Oxum ou de Nossa Senhora da Conceição entre os católicos. Talvez por isso seja uma catarse.

Adianto... Vossas senhorias não escutarão hits. Seja de quem for. Nem da banda a quem nos devotamos, os Beatles. Será uma rock band tocando canções dos Beatles, no formato de quarteto, colocando vísceras e alma no palco em um dos lugares mais aconchegantes da planície para esse exercício.

De resto, nada prometo. Será também o momento para lembrarmos os 36 anos da morte do Lennon. Todo o restante, em termos de emoções e outros adendos, caberá a nós todos. Particularmente espero que seja inesquecível.


Guarde em sua agenda o dia 08/12/2016. Prometo que faremos o melhor.

A globalização e a crítica conservadora

A globalização e a crítica conservadora*

George Gomes Coutinho **

O mundo ficou atônito com as notícias de 09 de novembro. Parte não escondia a euforia com a eleição de Trump. Outro grupo, este mais numeroso na opinião pública mundial, não disfarçava sua perplexidade com a vitória do republicano.

Cabe refletirmos. O que afinal o eleitorado norte-americano quer dizer com esse resultado?

Dentre as possíveis chaves de análise de um fenômeno complexo como esse, irei apostar em somente uma delas. Não irei esgotar a questão. Apenas concentrarei a interpretação em um ponto que pode ser articulado com outras perspectivas. A minha se centra na globalização como promessa de projeto civilizatório para este século XXI.

Retornando para a década de 1990, as promessas de um mundo conectado, horizontalizado, sem fronteiras, com alta mobilidade de pessoas, culturas, capitais e mercadorias era bastante sedutor. Era o mundo pós-Guerra Fria e o inimigo externo do capitalismo, o comunismo, já não assustava. Porém, como muitas promessas úmidas feitas ao pé do ouvido, as sussurradas pelo otimismo liberal pró-globalização no final do século passado não decantaram na realidade.

A globalização “real” produziu diversos efeitos colaterais. Citarei apenas três que aqui importam na construção de meu argumento: 1) A alta mobilidade dos postos de trabalho que produziu desemprego nos países sede das multinacionais; 2) Os  imigrantes provenientes de diversas origens e motivados por diversas razões foram um alento conveniente por aceitarem condições de trabalho subalternas. Contudo, após a adaptação até geracional, estes passam a competir junto aos nativos por vagas escassas no mercado de trabalho; 3) A desindustrialização, que se reflete na redução ou desaparecimento de setores industriais inteiros.

O voto em Donald Trump foi, sem sombra de dúvidas, um voto crítico a todo este processo. O problema é o conteúdo, o direcionamento. A retórica nacionalista, a nostalgia que quase sempre mente sobre um passado glorioso, faz deste um voto crítico conservador. Não se olha para o futuro e sim para o passado. Além de não enfrentar de fato o grande vencedor das últimas décadas: o capital financeiro, predatório e volátil. Muda-se tudo para não se modificar nada.

 * Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 12 de novembro de 2016


*Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 5 de novembro de 2016

Hillary, Trump e o vira-latismo

Hillary, Trump e o vira-latismo *

George Gomes Coutinho **

A maneira pela qual parte da grande mídia nacional tem acompanhado as eleições norte-americanas não tem conseguido superar os cacoetes da sociedade do espetáculo. A estética dos reality shows simplesmente é transposta para o noticiário político sem grandes adaptações. Tudo se passa como se fosse uma corrida de cavalos onde apostadores ávidos tentam praticar o risível exercício de adivinhação antevendo qual dos candidatos ganhará.  Neste ínterim, chamadas na programação da TV brasileira apresentam o maniqueísmo como elemento demarcador, onde supostamente Donald Trump seria o “mal” e Hillary Clinton representante do “bem”, com tudo entremeado por teatralização, chistes e comentários nonsense.

Porém, fiquei pensando se haveria algum tipo de aprendizado para o eleitor brasileiro neste contexto das eleições que transcorrem no Grande Irmão do Norte.

Uma das primeiras coisas que me ocorrem é a oportunidade, até agora desperdiçada, de enfrentarmos nosso vira-latismo. O brasileiro comum sofre da síndrome da jabuticaba auto-depreciativa: acredita que nossos males são únicos, só encontráveis aqui. Nossa classe política é a pior, nossas instituições são um lixo e pedidos emocionados de intervenção yankee por vezes são apresentados no espaço público.Também poderia ser exorcizada a idealização da sociedade norte-americana como “the land flowing with milk and honey” ou, em outros termos,  um paraíso terrestre construído pela sociedade de mercado onde se vende rifles no supermercado.

Os ataques pessoais, flertando com o baixo calão, mostram que a baixaria não é um privilégio da política brazuca. Mesmo em países centrais este tipo de prática ocorre, sendo a disputa Trump/Clinton só um exemplo dentre outros tantos.  Ao mesmo tempo o vazio propositivo do populismo de Trump, temperado com xenofobia, sexismo e preconceitos em geral, diz muito sobre o “americano médio”. A arrogância imperial não encontra em Trump um fenômeno isolado. Na verdade, o republicano dá voz e personifica parte daquela sociedade. Voltando ao eleitor brasileiro, cabe pensarmos se ainda vamos insistir nos EUA como meta a ser seguida, disseminada e imitada. Por tudo que disse, espero sinceramente que não.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 05 de novembro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 30 de outubro de 2016

Nossa UENF agoniza

Nossa UENF agoniza *

George Gomes Coutinho **

Dentre as viagens que já fiz por conta do ofício, não era evento raro encontrar pessoas que se referiam à instituição universitária pública local com ares de deferência. A despeito da posição ocupada no mercado de trabalho, muitos, de taxistas a gerentes de restaurante, evocavam determinada Universidade utilizando o pronome possessivo na primeira pessoa do plural: “nossa”. O termo empregado remetia a sentimentos de orgulho, respeito e admiração.

Justamente neste ano em que a UENF completou seus 23 anos de existência a instituição, talvez como nunca antes, esteja precisando encontrar forças na sua comunidade local para um enfrentamento que envolve sua sobrevivência. Campos precisa abraçar a UENF e chamá-la de “nossa UENF”. Digo isso não somente por seus números impressionantes em pouco mais de duas décadas de história. Segundo dados apresentados na “Carta para a população” elaborada pela Associação de Docentes da UENF, a ADUENF, a UENF formou quase 2000 mestres e 700 doutores nesta instituição que, de forma ousada, foi pensada por Darcy Ribeiro como celeiro da pós-graduação no Norte Fluminense. Ainda, muitos de seus egressos na graduação, quando não prosseguiram sua formação na própria Universidade, circularam entre os melhores centros de pesquisa no Brasil e no exterior. O envolvimento da UENF no processo de produção de conhecimento igualmente merece ser mencionado, pois para além de teses, dissertações e monografias, como se estas já não fossem parâmetro indiscutível, docentes e discentes participam rotineiramente de eventos e publicações científicas nacionais e internacionais.

Mesmo com tudo isso a profecia funesta do reitor Luis Passoni de que a UENF corre risco de fechar suas portas em 2017 se apresenta como factível por um conjunto de fatores. Irei assinalar um deles: todos pagamos pelas opções do Governo do Estado que infantiliza o topo da pirâmide. Os incentivos fiscais para o empresariado recusaram os princípios da ética da responsabilidade. Por outro lado, instituições de inegável importância nacional como a UENF agonizam. Pensando na sociedade civil local, torço para que cada campista chame a Universidade de “nossa” e faça dela sua trincheira nos tempos obscuros que se avizinham.


* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 29 de outubro de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 23 de outubro de 2016

O amor na alta modernidade

O amor na alta modernidade *

George Gomes Coutinho **

Peço licença ao editor para sair da seara dos processos de tomada de decisão sem abandonar a reflexão sobre as mudanças que ocorrem em nossos tempos. A política é das manifestações mais evidentes, tal como a economia, de que o mundo que conhecemos no século XX desmoronou. Mas, há outras formas mais sutis para pensarmos essas mesmas mudanças. Uma delas é justamente a esfera das relações íntimas.

O leitor menos próximo das trincheiras onde decidi fincar bandeira pode perguntar com ares de perplexidade: o que sociólogos em particular ou cientistas sociais em geral podem dizer sobre o amor? A resposta soa desconcertante. As relações afetivas são objeto de pesquisa, ensaios e produções diversas há muito na sociologia. São espaços onde se estruturam, de forma prática e em narrativas, formas de convivência que redundam tanto na reprodução humana quanto em maneiras de conviver.  Flertes, namoros, casamentos, amantes, dizem muito sobre o nosso processo civilizatório. Cada período apresenta os seus próprios critérios de legitimidade tal como ocultam e reprimem outros formatos.  Afinal, desde sempre há o “amor que ousa dizer seu nome” e circula nas catacumbas da esfera pública.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman em sua série liquida sobre a sociedade observa com certo ceticismo saudoso o status adquirido pelas relações afetivas no atual momento. Bauman argumenta que o caráter demasiado efêmero adotado pelo amor hoje mantém afinidades com as práticas de consumo. Tudo é descartável, o que inclui os seres humanos. Desta maneira, os nossos amantes não duram mais que uma estação. As raízes não se estabelecem e o vazio afetivo viceja.

Eu sou menos nostálgico que Bauman. Talvez na faceta contemporânea do amor onde “tudo que é sólido se desmancha no ar” esteja a possibilidade de sairmos dos últimos resquícios ossificados da tradição e do imaginário trágico shakespeareano. Um cenário onde indivíduos independentes e livres se relacionam pelos sentimentos em si e por nenhuma outra razão. Que valha a adaptação que fiz de Étienne de La Boétie: “Porque era eu, porque eras tu” e nada mais.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 22 de outubro de 2016

**Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

PEC 241 e seus contornos

PEC 241 e seus contornos*

George Gomes Coutinho **

Na última segunda-feira a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a PEC 241. Não é o final do debate. Foi apenas um primeiro round. Certamente uma vitória governista importante, mas, ainda foi só a primeira grande batalha do governo Temer neste campo.

Em um cenário desta magnitude salta aos olhos do analista uma torrente de elementos. Neste texto não poderei aprofundar todos eles, apresentar os detalhes que seriam necessários para uma análise com pretensões definitivas. Contudo, penso ser viável pontuar algumas questões. A PEC 241, onde o eufemismo asséptico chama simplesmente de “reforma fiscal”, não é pouca coisa. Caso aprovada em definitivo, ela irá reestruturar políticas sociais e atividades “fim” do Estado por nada menos que nos próximos 20 anos. Quando digo “reestruturar”, estou querendo dizer que pode não haver investimento real. O texto recomenda a atualização das cifras em acordo com a inflação do ano anterior. Ou seja, na prática, a chamada “Constituição Cidadã” de 1988, que jamais alcançou sua plenitude factual por buracos diversos de regulamentação, torna-se simplesmente uma bela e ficcional peça histórica.

O argumento conjuntural em defesa da PEC se concentra no tamanho de nossa dívida pública e as medidas ambicionam priorizá-la enquanto esforço de Estado. Ou seja, a partir de um argumento construído no curtíssimo prazo são traçadas ações que engessam médio/longo prazos. Igualmente trata como sinônimos gastos e investimentos, dado o nome midiático propagado, a “PEC dos gastos”. Confundem alhos com bugalhos e operam uma constrangedora redução de complexidade onde as pastas de saúde e educação, dotadas de especificidades diversas, são colocadas em pé de igualdade com outras demandas de naturezas particulares.

Por fim, há três ruidosos silêncios sobre o nosso curtíssimo prazo convenientemente ignorados. O primeiro envolve a nossa taxa de juros que incide não só sobre a dívida pública, mas, igualmente afeta famílias, empresas, etc.. O segundo ponto é sobre a proteção deliberada ao topo da pirâmide social. O terceiro é sobre quem está escalado para pagar a conta. O último grupo, que inclui classe média assalariada e trabalhadores em geral, só por vezes é lembrado.
   

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 15 de outubro de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 9 de outubro de 2016

A morte da política?

A morte da política? * 

George Gomes Coutinho **

Eis que a política tem mais uma vez sua morte decretada por diversos analistas e políticos profissionais. Não é a primeira vez que declaram de forma equivocada seu óbito. Justamente por esta razão, dentre outras que irei expor nas próximas linhas, considero o diagnóstico distorcido.

O juízo que avalia a morte da política encontra alguma razão de ser quando observamos os resultados das últimas eleições municipais em diversas cidades brasileiras de médio e grande porte, especialmente se nos concentrarmos nas disputas majoritárias.  A derrota de lideranças históricas, o surgimento de novos nomes “fabricados” pelo marketing político ou daqueles construídos organicamente em face das demandas apresentadas pela sociedade, o esmaecimento da política partidária tradicional e a presença do discurso tecnificado sobre a coisa pública levam água ao moinho das perspectivas mais pessimistas.

Porém, a política ainda é um dos grandes instrumentos onde a sociedade torna vinculante decisões de impacto coletivo. É a forma, radicalmente mundana, de projetar em ações qual maneira de viver decantará em detrimento de outras. A questão é que sociedades complexas são formadas por grupos, estratos, classes sociais e na democracia representativa liberal projetos societários encontram-se em disputa. Neste sentido a política não morreu.

Eleições são fenômenos que não deveriam ser observados em uma perspectiva atomizada. Sendo um fenômeno complexo, as eleições refletem demandas e momentos históricos, não obstante o elemento invariável que caracteriza o pleito: o interesse. Eleitores e políticos profissionais guiam-se por seus interesses e é este gatilho que dinamiza o mercado eleitoral.

Cabe discutirmos evidentemente quais apostas se plasmaram nas urnas neste outubro de 2016 nos municípios brasileiros. Em uma conjuntura fortemente demarcada por um discurso seletivo pautado por valores morais, em alguns casos a técnica se apresentou como saída hipoteticamente “neutra”. O marketing político, dadas as regras do jogo, também foi bem sucedido. Mas, não se trata da morte da política. É apenas sua nova e um tanto frustrante faceta histórica. Só cabe um alerta final: nem a política e tampouco a história estão congeladas.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 08 de outubro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 2 de outubro de 2016

Ecos do garotismo

Ecos do garotismo *

George Gomes Coutinho **

Nestes dias que antecedem as eleições municipais de 2016 tomei o cuidado de retomar as entrevistas realizadas pela Folha da Manhã com os candidatos que disputam a prefeitura de Campos. Há nuances evidentes de estilo e diferenças nas propostas. Não obstante as inegáveis variações, encontrei a onipresença de um personagem fundamental em pouco mais de três décadas na política local: Anthony Matheus, o Garotinho.

Entre os discursos apresentados nas entrevistas neste jornal, não há quem não faça referência aos elementos simbólicos, culturais e práticos da maneira de fazer política de Garotinho. Gostemos ou não, o garotismo se tornou estruturante. A questão neste âmbito que diferencia os aspirantes a prefeito é se estes consideram as conseqüências do garotismo uma herança louvável ou se devemos avaliar que se trata de algo nefasto.

 Irei simplificar as duas opções postas. Os defensores confessos do legado do garotismo, cada vez em menor número dentre a opinião pública, tentam recauchutar o modus operandi do clientelismo que tomou parte de todas as classes sociais em âmbito local. Não sejamos ingênuos. Não desconsiderando a primeira eleição de Garotinho para a prefeitura, onde as oligarquias locais foram feridas de morte, o sucesso eleitoral posterior do garotismo e de seus continuadores encontra no clientelismo transclassista uma explicação de peso. Parcela dos empresários, profissionais liberais, pobres das periferias, dentre outros, mantém sua sobrevivência vinculada ao conjunto de concessões, contratos e políticas sociais deste orçamento municipal que é dos mais pujantes de todo o país.

Já no anti-garotismo há a promessa de modernização do aparato público municipal, apostando nas necessárias medidas que ampliem a transparência e promovam boa governança. Propostas mais ousadas prometem o enfrentamento da lógica do clientelismo, seja incrementando o critério de impessoalidade ou se engajando no empoderamento de amplos setores da sociedade. Cabe pensarmos se estas propostas não encontrarão forte resistência mesmo que ansiadas. Os ecos do garotismo na Campos profunda tendem a não evaporar com o rito das eleições.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 01 de outubro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 25 de setembro de 2016

Cultura de Estupro

Cultura de Estupro *

George Gomes Coutinho **

Durante a semana o Datafolha, instituto privado de pesquisas, trouxe para a opinião pública dados feitos sob encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública acerca da percepção dos brasileiros sobre uma questão abjeta: o estupro. A repercussão foi imediata em diversas mídias, ainda mais pelo resultado alcançado no que tange a questão de se a vestimenta da mulher seria uma motivação legítima para a violência sexual. No universo de 3.625 entrevistados, 30%, dentre homens e mulheres, disseram sim. A vestimenta de uma mulher é justificativa para que seu corpo seja violado. Que a vítima não reclame. A partir daí a sociedade viu o reflexo do monstro que ela própria alimenta na divulgação da pesquisa.

Esta resposta certamente não surpreende em uma sociedade hipererotizada. Mas, apavora qualquer um que deseje um marco civilizatório onde impere a igualdade civil, política e social a despeito de gênero. Ou seja, dentro do estereótipo do crime sexual, usualmente onde a imaginação social projeta o cenário de uma mulher no espaço público solitária ou não, o tipo de roupa que se usa é um convite. Portanto, a perspectiva de que as mulheres são donas de seu próprio corpo é ignorada em dois aspectos: a) ela não deve utilizar a roupa que julgar melhor para si. A moral não permite a priori; b) se utilizar, dado que não deve haver transgressão sem punição, que não reclame se sofre assédio, abuso ou simplesmente o estupro em si.

Quando utilizamos o termo “cultura” estamos nos referindo a um conjunto de elementos simbólicos, expressos materialmente ou não, que articulados conferem identidade a indivíduos, grupos, práticas, etc.. Legitimam ações e instituições. Neste sentido, se não há uma cultura de estupro legítimo entre nós, realmente não sei o que mais os números supracitados poderiam nos informar. Afirmo isto a despeito dos outros 70% que discordam da vestimenta ser um pretexto para violência sexual. Minha preocupação é com os 30% que irão reproduzir a barbárie.

Só restou uma luz tênue no final do túnel. Dentre indivíduos com diploma universitário, a justificativa da vestimenta para o crime sexual cai para 16%. Ou seja, a educação formal pode amenizar as coisas. Contudo, só pelos 16% persistentes, já sabemos que não fará milagres.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 24 de setembro de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes


domingo, 18 de setembro de 2016

Consenso de Washington reloaded

Consenso de Washington reloaded*

George Gomes Coutinho **

Matrix, trilogia cinematográfica orquestrada pelos irmãos Wachowski, causou furor na virada do século XX para o nosso século XXI. O segundo filme da seqüência, lançado em 2003, foi batizado de “Matrix Reloaded” e desde então o termo “reloaded” é utilizado como referência para sensações de continuidade nem sempre alvissareiras em diversas reflexões. Nesta toada, a sensação de déjà vu com os anos 1990 causada pela agenda do governo Temer nos remete necessariamente ao inglório Consenso de Washington. Interpreto como um verdadeiro Consenso de Washington reloaded.

Situando o leitor, o Consenso de Washington encabeçado pelo tesouro norte-americano agradou elites financeiras dos países mais ricos do mundo e diversos grupos da América Latina, o que inclui parte de suas oligarquias. Na prática consistiu em um conjunto de remédios liberais amargos que quase levou os seus pacientes a óbito. Naquela ocasião, propostas de privatização, desregulamentação de direitos trabalhistas e sociais, liberalização da economia, desmantelamento do Estado e sua capacidade de investimento afloraram como soluções inquestionáveis pretensamente capazes de produzir o paraíso terrestre.

O conjunto de medidas recessivas se traduziu em nações com baixa capacidade de distribuição de renda e a perda de soberania decisória dos executivos nacionais no que tange o gerenciamento de suas próprias economias. Naquele momento o Fundo Monetário Internacional gozava de prerrogativas que negavam até mesmo a mais remota pretensão de soberania.

Neste 2016, o FMI não é o mesmo e reconhece em prosa e verso os equívocos que destruíram economias ao redor do mundo com seu receituário. Todavia, o mea culpa parece não ter seduzido os tomadores de decisão nativos. Cabe um alerta: as medidas recessivas produziram um efeito não desejado para os liberais de então e pode se repetir agora com a resistência derivando na aglutinação de movimentos sociais, sindicatos e partidos na esquerda do espectro político. Os resultados eleitorais todos sabemos. Medidas recessivas não são sedutoras mesmo que tentem vender hoje o mesmo discurso de pouco mais de duas décadas atrás.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 17 de setembro de 2016.


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Show - The Daytrippers - Beatles Rock Band - 11º Encontro de Motociclistas de São Fidélis - 23/09/2016

Prezad@s,
No dia 23/09, uma sexta-feira, a banda The Daytrippers fará sua estréia no 11º Encontro de Motociclistas de São Fidélis.

A banda é composta por este que vos escreve (guitarra/voz), Bruno Cartaxo Gastrol (guitarra solo),Sérgio Gomes (baixo/voz) e Emil Mansur (bateria). Trata-se de um repertório constituído por canções dos Beatles em uma leitura menos ortodoxa.

Também advirto que não se trata de um repertório com os lugares comuns que vocês estão acostumados... Nada contra obviamente, mas, não tocaremos Help, Twist and Shout e congêneres.. Contudo, prometemos mostrar versões que irão divertir vocês.
Quem for de São Fidélis ou estiver de passagem por lá na ocasião, sintam-se convidad@s. Está no pacote de promessas fazer uma apresentação memorável após alguns meses de ensaio. 



:)