segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Oportunismo de caserna

Oportunismo de caserna*

George Gomes Coutinho **

Mais uma de nossas assombrações históricas resolveu dar as caras. Reencarnada na fala de um general do exército em palestra que ocorreu em uma loja maçônica, local dos mais apropriados para aparições fantasmáticas, a intervenção militar nos avisou que não morreu.

Não se trata de novidade. Aqui estamos falando de reaparições históricas. Militares, moralistas atemporais e o lado insurrecional das esquerdas propõem, de tempos em tempos, a interrupção da ordem institucional como solução de curto prazo a nos redimir. Podemos sintetizar o drama no jargão “estamos contra tudo o que está aí”. Então, em um passe de mágica onde as metáforas de higienização são utilizadas aos borbotões, reiniciamos a História e a sociedade mediante a “limpeza” acurada e sem tréguas de nossas instituições. Parte do judiciário de hoje aparentemente confessa a mesma fé.

 Voltemos ao general e seu discurso.  Ele colocou os seguintes termos: caso o judiciário não conclua sua assepsia de forma eficiente (eficiente para quem ou para o que?) a solução militar não deve ser descartada enquanto opção de ação. Decerto contou com aplausos de diversos setores da sociedade. Mais ainda, algo que considero patológico, o general obteve a devida condescendência do alto comando do exército. Trata-se de chantagem grave e me causa espécie a forma branda com que esta fala foi recepcionada pelo governo Temer até agora.

Este episódio diz muito sobre nós e nossos exorcismos incompletos. É conseqüência de um processo de anistia mal ajambrado que tornou a ditadura civil-militar uma gestalt aberta. Somos dos poucos países latino-americanos que não levaram adiante a punição dos crimes praticados pelos agentes de Estado no período. Sem punição, investigação e congêneres consideramos tacitamente que estes atos não seriam sequer crimes. Aqui está o problema. Na miopia conservadora há instituições ou grupos da sociedade “santificados”, vide as próprias Forças Armadas cujos agentes teriam sido recrutados em outra galáxia e por isso seriam incapazes de praticar essas coisas vulgares de corrupção. Este pensamento distorcido e idiota só alimenta o oportunismo de caserna que ressurge sempre que julga conveniente.    

* Texto publicado em 23 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 17 de setembro de 2017

Autocrítica, PSDB e PT

Autocrítica, PSDB e PT *

George Gomes Coutinho **

Há semanas atrás, ainda no mês de agosto, o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB, apresentou uma propaganda partidária que suscitou reações acaloradas e estranhamento entre gregos, troianos e baianos. Será impossível debater aqui neste espaço todas as contradições ali presentes. Todavia causa perplexidade a crítica de FHC ao que ele anda chamando ultimamente de “presidencialismo de cooptação”, tema apresentado na propaganda partidária, sem reconhecer que parte do DNA deste tipo de relação entre legislativo e executivo é tucano.

Porém ressalto algo que considero importante para a conjuntura. Há a tentativa de realizar a autocrítica. Mesmo que o texto veiculado seja insuficiente, inegavelmente superficial e por vezes piegas, o exercício da autocrítica tenta estabelecer uma nova relação entre partido e eleitorado. Ou seja, para além de seus convertidos, os tucanos sabem que precisam abrir o diálogo com amplos setores da sociedade em virtude da desconfiança endêmica dos cidadãos com seus representantes.   

O Partido dos Trabalhadores, doravante PT, anda seguindo caminho diverso neste momento em que os partidos e a classe política são alvejados diariamente no espaço público.

O PT sem dúvida sofreu diversos reveses nos últimos anos e conta com a fadiga de material causada pelos anos sucessivos no executivo federal. Para além disso tem atuado, em termos táticos, cuidando de outras questões: 1) a denúncia das não poucas contradições do processo de impeachment de Dilma Roussef, onde apresentam a tese do golpe parlamentar; 2) o combate à “lawfare” (guerra jurídica) cujos alvos seriam Lula em particular e o PT em geral.

Não desconsiderando a seriedade destas questões, que fazem parte da guerra de narrativas em voga, o PT peca para além de seu círculo de militantes e/ou simpatizantes. Ou seja, tanto a lawfare quanto o golpe parlamentar até o momento só enternecem os integrados. O auto-elogio também não tem ajudado. Serei excessivamente redundante para fins didáticos: é como Cristo pregando a cristandade entre os cristãos. Por isso a autocrítica, para além de abrir o diálogo com grupos não petistas, pode ser uma excelente terapia em um sistema político em estado terminal.

* Texto publicado em 16 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 9 de setembro de 2017

Personalidades Autoritárias

Personalidades Autoritárias*

George Gomes Coutinho **

Hã questões que se não forem devidamente trabalhadas, discutidas e exorcizadas retornam implacavelmente nas almas dos vivos. Eis uma inspiração marxista e também freudiana bastante útil para indivíduos e coletividades. Dentre as nossas questões que retornam de maneira constrangedora no Brasil polarizado de hoje as garras do autoritarismo arranham os porões e muitas vezes alcançam de maneira desavergonhada o espaço público.

Revisitei o clássico “Authoritarian Personality” de Theodor W. Adorno (1903-1969) et. al.. O livro, publicado originalmente em 1950 nos EUA apresenta a famosa “escala F” que pretendia mensurar, mediante a aplicação de um teste, o grau de “Fascismo” reproduzido nos valores e atitudes de um indivíduo.

Já Umberto Eco (1932-2016) em seu “Ur-Fascism”, artigo publicado na New York Review of Books em 1995, argumenta que o “Fascismo Histórico”, aquele experimentado no período em que Mussolini (1883-1945) dominou politicamente a Itália no século passado, foi um regime autoritário inegavelmente de extrema-direita. Não obstante a falência do “Fascismo Histórico”, Eco se encontra com o diagnóstico de Adorno ao indicar que há um fascismo em nossos dias. Menos como regime de Estado e mais como constelação de atitudes e discursos. Os lamentáveis episódios promovidos ultimamente pela extrema-direita nos arredores do globo confirmam de forma sinistra esta interpretação.

Contudo, o autoritarismo enquanto prática e valor político jamais foi monopólio da direita. Em verdade a esquerda igualmente flertou e flerta com soluções e posturas autoritárias aqui e alhures. Neste sentido falarmos em “personalidades autoritárias” no plural soa melhor dado que o autoritarismo se reencarna nos dois lados do espectro político. Eu diria que tanto a direita quanto a esquerda em suas aparições autoritárias neste momento caminham de mãos dadas, como em outros momentos em nosso país, no desprezo aos aprendizados lentos proporcionados pela democracia política. O que atordoa é que se juntam a estes grupos o pragmatismo amoral dos grandes agentes de mercado que igualmente nutrem asco pela democracia política.

* Texto publicado em 09 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 3 de setembro de 2017

UFF – 55 anos em Campos

UFF – 55 anos em Campos*

George Gomes Coutinho **

Campos dos Goytacazes se tornou neste início de século o maior pólo universitário do interior do estado do Rio de Janeiro, somando cursos de graduação e pós-graduação das instituições públicas e privadas aqui instaladas. É uma vantagem estratégica formidável. Estamos falando de geração de um capital humano para Campos e regiões vizinhas de valor incomensurável. São os egressos que operacionalizam políticas públicas, agregam valor aos processos produtivos, formam outros agentes nos processos de educação formal e geram cultura. O capital humano de alto valor agregado tem impactos que são multivariados, embora nem sempre mensuráveis de maneira imediata.

Porém, este processo complexo de formação ocorre tijolo após tijolo, não é exatamente visível como a inauguração de um viaduto ou avenida e tampouco costuma mobilizar a atenção cotidiana fora do circuito acadêmico. Não é espetacularizado. Deriva do trabalho contínuo e discreto de ensino, pesquisa e formação de todos(as) os(as) envolvidos(as), passando por estudantes, técnicos, setor administrativo e, obviamente, docentes.

Por essa razão, olhando em retrospectiva e mirando tanto o presente quanto o futuro, a cidade deve comemorar junto de nossa comunidade acadêmica os 55 anos de instalação da UFF em Campos dos Goytacazes. São 55 anos de história institucional onde formaram-se algo em torno de 5.500 assistentes sociais que atuam em Campos, no RJ e em outros estados brasileiros. Consoante à idéia de que processos de construção de uma ampla estrutura de formação e de conhecimento são paulatinamente alicerçados, o curso de Serviço Social merece todo reconhecimento por ter sido em décadas o único curso público, gratuito e de qualidade em uma cidade que guarda em seu histórico o lastro de ser brutalmente excludente. Trata-se de uma trincheira aberta pelo curso e por seus profissionais que considero altamente subversiva dado o contexto. Hoje existe na cidade uma rede complexa e diversa de ensino público superior gratuito federal e estadual. Contudo, não custa lembrar: há entre nós o Serviço Social que é, a um só tempo, combativo antecessor e contemporâneo nesta trajetória.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 02 de setembro de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes