domingo, 30 de julho de 2017

Bipolaridade redistributiva

Bipolaridade redistributiva*

George Gomes Coutinho **

No último número da revista Novos Estudos CEBRAP, publicada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento em junho deste ano, um artigo me instigou. “O Brasil tornou-se mais conservador?” foi o provocativo título e não é pouca coisa na desnorteante conjuntura brasileira.

O artigo foi escrito por Marta Arretche, professora de ciência política na USP cuja carreira é direcionada desde o início da década de 1990 por análises de políticas públicas, e por Victor Araújo, doutorando e orientando de Arretche no Programa de Pós-Graduação em Ciência da USP. Não irei entrar nos meandros metodológicos que os autores adotaram. Por enquanto basta que o(a) leitor(a) saiba que a dupla se utilizou de dados coletados em diferentes momentos entre 2008 e 2014 para tentar responder a pergunta do título do artigo.

Mas, antes de prosseguir, Arretche e Araújo definem o conservadorismo tomando como referência o Estado e sua atuação. Em outros termos: conservadora seria a perspectiva que defende uma atuação distanciada do Estado na intervenção em questões sociais, como, por exemplo, na redução das disparidades sociais.

A resposta para a pergunta sobre o aumento de nosso conservadorismo, mesmo que ainda inconclusiva por necessitar de outras pesquisas e abordagens, é sim. Há um pequeno aumento de nosso conservadorismo espantosamente entre as camadas mais pobres. Porém o aumento desta preferência conservadora não é dramático e não modifica de forma substantiva a preferência majoritária nas diferentes classes sociais por um Estado interventor no enfrentamento das nossas desigualdades.

Contudo, há algo que causa perplexidade e deve ser considerado com seriedade tanto por agentes políticos tradicionais quanto pelos analistas. Não obstante a preferência progressista sobre a atuação do Estado, apresenta-se o rechaço na maioria da população quanto a uma maior taxação enquanto fonte para financiar a atuação do mesmo Estado. É bipolar! A maioria deseja uma sociedade menos desigual. Todavia, sem fontes que financiem esse projeto coletivo. Não por acaso os discursos gerenciais fazem tanto sucesso com o eleitorado neste momento.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 29 de julho de 2017.


*Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 23 de julho de 2017

Distopias e retrotopia

Distopias e retrotopia*

George Gomes Coutinho **

A sociedade moderna desde o seu nascedouro tem uma particularidade constitutiva: a projeção de futuros possíveis seculares onde a vida humana seria melhor. Sobre o “melhor”, onde aponto evidentemente para uma distinção qualitativa positiva diante do que é apresentado no agora, temos diferentes respostas. O iluminismo, o socialismo, a social-democracia, o liberalismo, o anarquismo, etc., cada uma destas tradições filosóficas e/ou políticas tem suas próprias versões sobre o que seria coletivamente o desejável, o justo e o bom. Contudo, todas estas vertentes, não obstante suas diferenças, defendem um olhar esperançoso sobre a sociedade vindoura. É a resposta radicalmente humanista e mundana ao paraíso judaico-cristão.

Nestes termos não deveria passar indiferente a ausência de uma perspectiva positiva sobre o futuro em nossa época no ocidente. Não por acaso dois pensadores diametralmente diferentes notam que a imaginação, seja política ou cultural, flerta perigosamente com o abandono do futuro. Slavoj Zizek (1949) diria que o nosso tempo é demarcado por distopias. Zygmunt Bauman (1925-2017) ressalta o surgimento das retrotopias.  

Zizek em vários momentos da sua obra recente e especialmente no documentário “The Pervert´s Guide to Ideology” (O Guia Pervertido da Ideologia) de 2012 se propõe a analisar a relação entre ideologia e produção cinematográfica. Entre gracejos e ironias, marcas do pensador esloveno, o autor nota que parte da produção cinematográfica norte-americana contemporânea é demarcada por catástrofes, aniquilação do planeta ou da espécie humana, predominância de máquinas sobre os humanos, etc.. Ou seja, futuros distópicos onde é mais usual imaginar um futuro sombrio do que uma sociedade humana melhor.

Bauman em obra póstuma lançada pela Polity Press esse ano chamada “Retrotopia”, ainda sem tradução entre nós, ressalta um outro movimento que vejo como complementar: sem imaginar um futuro damos um salto para trás na imaginação política idealizando o passado. Por conta disso o retorno dos fantasmas autoritários/totalitários do século XX tem ressurgido em diversas nações enquanto um sintoma desta falência da elaboração criativa e humanista da esperança.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 22 de julho de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 16 de julho de 2017

Duas ou três coisas que eu sei sobre a conjuntura

Duas ou três coisas que eu sei sobre a conjuntura *

George Gomes Coutinho **

A semana foi especialmente movimentada para todo analista, profissional ou não, do cenário político brasileiro. Por isso irei no máximo tatear a conjuntura apontando duas ou três coisas.

Em termos de maior impacto para a população trabalhadora brasileira tivemos a aprovação no Senado Federal das modificações em nossa legislação trabalhista. Creio que este elemento seja dos mais elucidativos para entendermos o momento brasileiro. Há um projeto bastante claro a despeito das questões político-partidárias formais, pirotecnias e reações histriônicas da grande imprensa. Na verdade tem se reiterado uma opção, já inscrita em outros momentos históricos, onde os agrupamentos dotados de menor poder de barganha na negociação política são penalizados. Foi assim, a título de exemplo, ao não optarmos em enfrentar a questão agrária nas décadas de 1950 e 1960. Houve crescimento econômico no modelo da grande propriedade? Houve. Esse crescimento teve impacto positivo na redistribuição de renda nacional? Não. Tal como Delfim Netto preconizava no regime civil-militar: é preciso “fazer o bolo crescer”, justificativa entoada como mantra até hoje. Só esqueceram de dividir o tal bolo.

No nosso caso trabalhista o espelho é a reforma espanhola de 2012. Cinco anos após as modificações das leis trabalhistas por lá há o desencanto, diminuição da massa salarial e aumento da precarização das relações de trabalho. A Espanha cresceu o seu PIB? Cresceu. Isto gerou bem-estar dos trabalhadores? Não. Houve maior concentração de renda? Sim. Tudo isso em meio ao estabelecimento de relações de trabalho nos moldes chineses.

Agora olhemos dois antagonistas recentes, outrora aliados de ocasião há bem pouco. Lula sofreu a primeira condenação por Sérgio Moro. Cabe recurso. Em meio a diversas dúvidas jurídicas e fragilidade de provas, onde imperou o “direito dedutivo” como avaliou Leonardo Avritzer, prof. de Ciência Política da UFMG, ainda restam mais cinco ações penais[1]. Cinco balas no tambor mirando em 2018. E Michel Temer? A Comissão de Constituição e Justiça votou pelo arquivamento da denúncia apresentada por Rodrigo Janot da PGR, a despeito de qualquer elemento factual.  Aos amigos tudo. Aos inimigos a lei.

* Texto originalmente publicado na edição impressa do jornal Folha da Manhã em 15 de julho de 2017 com o título “Duas ou três coisas sobre a conjuntura”.

*Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes





[1] Na primeira versão deste texto, publicada na edição impressa do jornal Folha da Manhã, o autor aponta que seriam quatro ações penais. Todavia, segundo a matéria “A saga de Lula contra 32 juízes em busca de salvação”, de autoria de Daniel Haidar e publicada no jornal El Pais em 14/07/2017, seriam na verdade cinco ações. Citando literalmente Haidar no texto supracitado: “Depois da primeira sentença, Lula ainda responde a duas ações penais tocadas pelo juiz Moro, no Paraná, e a três processos sob a responsabilidade dos juízes Ricardo Leite e Vallisney de Oliveira, do Distrito Federal.”. Feita a modificação o autor espera corrigir o erro, não sem esquecer de pedir desculpas aos leitores da edição impressa da Folha.

domingo, 9 de julho de 2017

Funkem-se!

Funkem-se! *

George Gomes Coutinho **

Das últimas notícias que me causaram perplexidade há esta: a proposta de criminalização do funk. O autor, o Sr. Marcelo Alonso, é o proprietário de um perfil no Facebook onde se encontrariam memes homofóbicos e islamofóbicos segundo reportagem datada do último 04 de julho assinada por Tom Avendaño do jornal El País. Sua “idéia legislativa” tornou-se agora a “Sugestão Legislativa nº 17 de 2017” no Senado Federal após o apoio formal de quase 22 mil pessoas. A justificativa do autor, disponível no site do Senado, é bastante direta. Segundo ele o “funk” seria “crime de saúde pública”. O autor reedita o termo que revive as práticas higienistas do início do século XX, algo que está muitíssimo na moda neste século XXI. João Doria Jr. e a Cracolândia que o digam. Parafraseando Stallone Cobra, o clássico besteirol de violência estilizada de 1986: “Você é a doença. Eu sou a cura!”.

Não vou torrar meu latim inutilmente em minúcias sobre a relação entre censura e música popular no século passado. Desde o início do século XX diversas práticas foram criminalizadas no código penal que tornaram o samba objeto de perseguição policial. No Estado Novo e na Ditadura Civil-Militar de 1964, vivenciamos a censura de textos, quadrinhas, canções, cordéis, peças de teatro e etc.. Retomar cada um destes casos pouco adiantaria. Dentre as muitas lições do último século, estas também me parecem perdidas.

Ainda assim me causa espécie. Fazendo uma síntese bastante rasa da literatura sociológica e psicanalítica do século passado sobre o autoritarismo e suas vertentes, primeiramente arrisco ressaltar o traço narcísico infantil presente neste tipo de proposta. Irei tentar resumir na perspectiva do pequeno narcisista: ora, o que eu ou meu grupo social consideramos ruim deve ser banido apriori, a despeito do significado que outros agentes sociais possam atribuir para o mesmo objeto ou manifestação sócio-cultural. Há nosso ideal de bom gosto e seguimos arrogantes e auto-centrados acreditando que o mundo deve ser nossa imagem e semelhança. São sujeitos intelectualmente incapazes de compreender a pluralidade de nossa sociedade. O único recado que eu poderia dar para estas demonstrações? Funkem-se!


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 08 de julho de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Nota breve de conjuntura 2 - Diniz, Gramsci e o Interregno

Nota breve de conjuntura 2 - Diniz, Gramsci e o Interregno *

George Gomes Coutinho**

O governo Rafael Diniz atingiu a marca de seis meses na prefeitura de Campos. Nos encontramos em situação diversa daquela quando fomos convidados a analisar o governo em seus primeiros100 dias. Acredito que hoje temos uma rotina mais consolidada que não precisará ser aquela que irá moldar toda a gestão. Porém, olhando pelo retrovisor, é possível detectar traços marcantes que ao menos dizem algo sobre a conjuntura que já foi vivida.

Antes de prosseguir, registro aqui uma sensação um tanto incômoda de minha parte. Antonio Gramsci (1891-1937), o comunista sardo preso no período fascista e um dos alvos prediletos de parte da direita brasileira contemporânea, apresentou uma síntese de pensamento sobre os períodos de crise em um dos seus “Cadernos do Cárcere”: o velho se recusa a morrer e o novo simplesmente não nasceu. Gramsci chamava estes períodos da História de “tempos de interregno”, momentos particularmente difíceis de crise de hegemonia onde perspectivas ideológicas mórbidas, falseadoras ou simplesmente danosas são apresentadas aos borbotões. Em tempos de interregno as auto-interpretações políticas, sociais e culturais de uma dada sociedade tornam-se perigosamente gelatinosas. Portanto, é natural a sensação de relativa desorientação dos tempos que correm. E é neste espírito do tempo, ou o bom e velho zeitgeist como diriam os alemães, que insiro estes seis meses do governo Diniz. Não podemos afirmar, até agora, que tudo está a transcorrer de vento em popa.

Cabe dizer que Campos dos Goytacazes não está descolada do seu entorno. Aqui há reverberações das práticas e da conjuntura política nacional em âmbito local. Contudo, Campos, enquanto realidade particular, não reproduz meramente as tendências que lhe chegam. A esfera política e o espaço público daqui terão suas versões singulares e em “miniatura” do que transcorre em escala nacional. Irei destacar quatro tendências encontradas nacionalmente e “traduzidas” localmente nestes 06 meses de governo Diniz: a) a polarização; b) facebookização da política; c) judicialização; d) a solução elitista para conflitos redistributivos.

I  - Polarização

Venho argumentando em diversas ocasiões que a polarização política, seguida do discurso irracional que é inerente ao ódio, produz patologias no espaço público. O maniqueísmo vulgar em dualidades como “coxinha X mortadela”, “petistas X tucanos”, e etc. tem redundado na inviabilidade do diálogo. O problema é que a asfixia do diálogo envenena a democracia em uma sociedade que é em si mesma complexa e plural. Na verdade, abdicarmos do diálogo implica darmos asas para projetos totalitários ainda mais danosos que o vilipendiado modelo democrático de convivência coletiva. Afinal, quando falamos em democracia, estamos pressupondo algo mais do que um mero método de seleção de governantes.

Nestes termos, a polarização “Garotinho X Diniz”, o que redunda na formação de grupos onde a diferenciação se dá pela adesão quase irrestrita a um personagem ou outro, não produz igualmente bons resultados.

Noto de forma assistemática que alguns atores dotados de capacidade de formulação política, seja entre o empresariado, profissionais liberais e outros grupos políticos e sociais, sentem-se alijados por considerarem que há fraca interlocução do governo para além de seus muros. Seria um governo ensimesmado. Voltando aos efeitos deletérios da polarização, dado que esta interlocução necessita da crítica para ser bem sucedida dado que os atores notam erros de condução do executivo local, o risco da serem simplesmente carimbados de “pró-Garotinho” por inércia é inevitável. Por outro lado, apontar acertos por caminhos tortos na gestão Rosinha não indica igualmente a adesão acéfala e subserviente à família que governou a cidade até 2016. 

Serei relativamente ingênuo. A única solução que vejo neste momento é a maturidade política como via para superação da polarização e da miséria discursiva e propositiva decorrentes. Abdicar da polarização nos dias atuais indica a necessidade de abrir mão de determinados dividendos eleitorais em futuras eleições. Porém, os malefícios da polarização tem se mostrado infinitamente maiores para a sociedade do que os benefícios obtidos por qualquer grupo político específico.

II – Facebookização da política

Eu estou utilizando o nome do “facebook” para me servir  do neologismo “facebookização” por uma razão muito simples: trata-se da rede social de maior alcance no Brasil neste momento. Porém, eu poderia utilizar outras redes sociais para o neologismo. Basta lembrarmos do uso obsessivo de Donald Trump com o “twitter” por exemplo.

Antes, cabe um alerta histórico bastante simples: a comunicação entre lideranças políticas e sociedade sempre ocorreu de forma ou de outra. Na modernidade temos os manifestos partidários e no século XX vivenciamos a utilização dos meios de comunicação de massa (rádio, jornal e televisão). Há incontáveis exemplos factuais que não pretendo apresentar aqui para não ser enfadonho.

 O que surge de novo, e os estudiosos das redes sociais apontam isso, é a mudança das interações sociais, a agilidade da informação e, por outro lado, certo déficit de reflexividade. Não por acaso o momento da alta utilização das redes sociais convive com a era da “Pós-Verdade” e as “fake news” produzidas em escala industrial. Resumo da seguinte maneira o quadro: muita informação e pouco conhecimento.

O sistema político certamente iria reagir a este novo tipo de interação que se intensificou nos agentes políticos formais após as eleições municipais no Brasil ano passado. João Doria Jr. em São Paulo é um dos exemplos para o bem ou para o mal. Afinal, como avaliou FHC, Doria tem se mostrado muito mais hábil em utilizar seu smartphone do que em propriamente enfrentar os desafios da maior metrópole da América do Sul.

Em nosso caso local, parte do êxito da campanha de Rafael Diniz se explica pela capilaridade alcançada justamente pelas redes sociais. Esta forma de se comunicar com o eleitorado prosseguiu. O problema é quando a ferramenta não é bem utilizada.

Se as redes sociais produzem a sensação de diminuição da distância entre governantes e governados, algo salientado pelos próprios usuários das redes sociais, a utilização da linguagem das redes pode esvaziar o conteúdo político propositivo e se tornar um reflexo explosivo das patologias do espaço público contemporâneo. Não por acaso o vídeo inflamado de Diniz em resposta à transcrição de um suposto áudio que teria falas comprometedoras do staff de seu governo não escapou das armadilhas do Fla X Flu político. Tampouco indicou qualquer encaminhamento construtivo ao reforçar o maniqueísmo. O prefeito, imagino, sentiu-se aviltado.  Não o condeno. Somos todos humanos afinal.  Contudo, episódios deste quilate deveriam soar como alerta amarelo. A comunicação política não deve ser refém das redes sociais, de seus símbolos, caprichos e etc.. A fatura pode ser exorbitante e o retorno exíguo.

III – Judicialização

A relação entre os sistemas jurídico e político no Brasil adquiriu feições que só compreenderemos em sua totalidade após essa conjuntura de interregno se assentar. Só não sabemos quando acontecerá.

Neste momento podemos assinalar que há problemas severos em termos um judiciário hipertrofiado e radicalmente politizado, onde as normativas do Estado Democrático de Direito são atropeladas em diversas ocasiões. Não são raras as ocasiões onde a sensação de arbítrio puro e simples se apresenta.

Por outro lado, o judiciário, também em não poucos momentos, tem feito correções que não podem ser desconsideradas nas relações entre poder econômico, democracia representativa e eleições. Se estas correções irão produzir efeitos em termos de práticas sociais paira o desconforto do mistério.  A única lição histórica que arrisco neste momento é a de que boa lei não produz por encanto boa sociedade.

Voltemos para a realidade campista. O que a judicialização tem produzido entre nós nestes seis meses do governo Diniz de efeito mais evidente é a inviabilidade de consolidação das feições políticas, programáticas e ideológicas do legislativo. A chamada “dança de cadeiras” inviabilizou a consolidação da díade “situação/oposição” e o perfil do próprio legislativo nos últimos seis meses. Os mais pragmáticos apontam para prejuízos no orçamento do legislativo em virtude destas recomposições. Em termos políticos, dada a tradicional maior proximidade da relação da população com seus vereadores, o eleitor simplesmente não obtém clareza necessária para realizar suas cobranças.

Ressalto apenas que não estou advogando em defesa dos que se utilizaram das “más práticas”. O que estou ressaltando são os efeitos negativos que um legislativo enevoado tem produzido no curto prazo. No médio prazo a instabilidade pode trazer repercussões óbvias na produção legislativa em si mesma e aqui não discutirei sobre sua qualidade em versões anteriores do legislativo local menos afeitas aos efeitos da judicialização.

IV  - A solução elitista para conflitos redistributivos

O Brasil após a pujança da “Era das Commodities” vivencia um momento melancólico de alto endividamento de pessoas físicas e jurídicas. Os recursos existentes, pacificamente drenados pelo setor financeiro, tornam-se escassos em um cenário francamente recessivo onde tanto o setor produtivo quanto o de serviços encontram-se combalidos. Nesta seara surge fulminante o problema do financiamento das políticas públicas. Não ocorrendo a entrada do capital das commodities e sem incomodar os lucros e dividendos do setor financeiro, a opção foi se atirar de maneira selvagem sobre os setores subalternos da população e em parte também sobre a classe média que vive do seu trabalho. Não há mágica. Trata-se de uma opção política.

O mantra repetido exaustivamente de que o problema do Estado é meramente “gerencial” gerou o discurso ideológico dos administradores e técnicos que salvariam a pátria. No mesmo tom, a simplória analogia das contas do Estado com a da dona de casa dotada de um orçamento apertado segue nesta narrativa em uma simbiose. Na verdade o discurso oculta a preferência por manter uma das sociedades mais desiguais do continente americano em termos de redistribuição de riquezas. Esta foi a opção do Governo Federal e de parte dos Estados ao enveredarem pelas práticas de “austericídio”: cortes de gastos que derivam na destruição lenta de serviços imprescindíveis para a população. Os freqüentadores dos serviços públicos de saúde em vários estados ou, aqui perto de nós, os colegas da UENF e de outras instituições podem fornecer relatos dramáticos do que esta opção política tem produzido.

Fica o paradoxo de Giuseppe di Lampedusa (1896-1957): tudo deve mudar para que tudo permaneça como está.

No discurso de que não há um plano B se esconde uma sociedade injusta em termos tributários, que não regulariza a propriedade da habitação dos moradores das periferias, que oferta volumes de recursos e isenções fiscais para o empresariado sem que existam contra-partidas efetivas para a sociedade, onde o setor financeiro se banqueteia com as taxas de juros das mais altas do planeta, etc..

Entre nós campistas ocorreu o impacto da queda, que creio ser conjuntural, do preço do barril petróleo no sistema internacional. É nacionalmente conhecida a dependência do orçamento municipal do recurso dos royalties. Porém, mesmo sendo fato notoriamente conhecido, todas as outras gestões municipais que se utilizaram destes vultuosos recursos pouco ou nada fizeram para superar a dependência dos mesmos. Em termos produtivos, Campos dos Goytacazes é uma cidade anêmica.

Voltando para o governo Diniz,  as decisões que envolveram o Restaurante Popular e o aumento do preço das passagens urbanas parecem caminhar na mesma direção das opções adotadas por parte dos Estados e do Governo Federal na atual conjuntura. Há nuances de austericídio, tecnificação do discurso político e ideologia gerencial. Da mesma maneira, por outro lado, a revisão da tarifação do IPTU até o presente momento não foi colocada em prática, algo que poderia financiar políticas públicas e sociais que viabilizariam tornar a sociedade menos desigual em termos de acesso a serviços.

Finalizando nesta conjuntura

Não obstante todos os desafios acima listados, que indicam a máxima gramsciana de que o “velho ainda não morreu”, mesmo que tenha adquirido embalagens novas e atualizações, há também “o novo que ainda não nasceu”.

Cabe citar a iniciativa da consulta popular em formulário eletrônico que circulou entre os munícipes onde estes deveriam apontar as necessidades de seus bairros. Eis uma tentativa que considero absolutamente louvável da diminuição da distância entre governantes e governados sem dúvida. O problema é o alcance: cabe a própria prefeitura disponibilizar aos cidadãos quantos afinal foram atingidos pelo formulário, quantos responderam e, no médio prazo, apontar as medidas que foram efetivadas. Não é panacéia evidentemente. Mas, é um avanço.

Da mesma maneira é notória a tentativa de oxigenar os setores culturais do município abrindo frentes de interlocução com a classe artística local e apoiando, seja com o Teatro de Bolso ou em eventos que se utilizam de parcerias entre setor público e privado, eventos com entrada franca nos espaços públicos de Campos.

Ainda, é inegável também a tentativa de diálogo com os setores propriamente acadêmicos e intelectuais profissionais promovida pelo Governo Diniz. Podem surgir boas formulações, desde que sistemáticas e robustas, amparadas por uma perspectiva de gestão da coisa pública que fuja da miséria do mero gerenciamento.


Em suma: as boas novidades se apresentam ainda tímidas. O que não quer dizer que não existam, embora ainda sejam inegavelmente diminutas diante dos desafios de Campos. Aguardemos de forma propositiva os próximos seis meses.

*  A primeira versão deste texto foi publicada originalmente no Blog Opiniões do Grupo Folha da Manhã por Aluysio Abreu Barbosa em 03 de julho de 2017. Disponível em: http://opinioes.folha1.com.br/2017/07/03/george-gomes-coutinho-diniz-gramsci-e-o-interregno/

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes.

sábado, 1 de julho de 2017

Temer, Janot e a razão

Temer, Janot e a razão*

George Gomes Coutinho**

Nesta semana mais uma vez tivemos um noticiário político tumultuado. Dentre os embates e acusações, que se tornaram rotina nos últimos anos, um me chamou a atenção: a troca de acusações entre Michel Temer, o presidente não eleito, e Rodrigo Janot, atual Procurador-Geral da República. Como conseqüência mais óbvia e rápida deste estranhamento entre presidência e Procuradoria-Geral da República, justamente no momento em que ocorreram as eleições para o cargo de Procurador-Geral, Temer quebra a tradição iniciada pelos governos petistas em 2003 e nomeia o segundo lugar mais votado dentre os Procuradores da República. O silêncio ensurdecedor de boa parte da grande mídia corporativa constrange o observador atento da conjuntura. Fico a me perguntar se não causaria estardalhaço, protestos e congêneres se algum dos mandatários petistas tivesse feito esta opção.

Cabe lembrar que na Era FHC em lugar de um Procurador-Geral da República tivemos, na prática, o que ficou conhecido como “Engavetador Geral da República”, onde os processos eram solenemente ignorados sempre que fosse conveniente. Não falamos de pouca coisa afinal.

Retomando as atuações de Temer e Janot, acredito que em momentos de ânimos inflamados certos conteúdos são apresentados de forma muito elucidativa.

Temer foi bastante duro em suas críticas. Apontou falhas jurídicas na peça de acusação que tem se tornado praxe em parte das ações do Ministério Público Federal. Esta crítica não é feita solitariamente por Temer. Em mais de uma ocasião foram apontados abusos que apenas tornam nosso Estado Democrático de Direito cada vez mais esquálido. Para além disso questionou a legitimidade do que considerou serem “ilações”. Nesta questão Temer também não está sozinho. É uma opção demasiado arriscada pautar acusações sem a devida materialidade de provas. Ainda mais chocante são condenações apriori pautadas por “indícios” e narrativas. Assim voltaremos para as rotinas inquisitoriais da Idade das Trevas.

Contudo, Temer não desconstruiu em nada o núcleo do argumento de Janot: as ligações intestinas entre empresariado e presidência. No final talvez Janot e Temer estejam corretos.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 1º de julho de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes