Zygmunt Baumann, mais conhecido entre nós por sua "série líquida" (amor líquido, modernidade líquida, etc..), concedeu uma excelente entrevista no final de agosto deste ano para o Monitor Mercantil.
Penso, inclusive, que esta entrevista interessa particularmente ao leitor brasileiro. Nestes tempos exageradamente trevosos, onde o pânico disseminado pela Grande Mídia faz produzir a sensação de que chegamos ao fundo do poço, leituras lúcidas de realidade sempre são importantes. Até mesmo para atacar crenças coaguladas e percepções que podem gerar profecias auto-realizáveis pelos próprios agentes. Ou seja, interpretações e análises podem ter mais alcance fático do que imaginamos, trazendo consequências que nem de longe são desejáveis. Só por isso a entrevista cumpre, desde já, um papel importante.
Dentre outros pontos, dado que o foco central das questões transitava sobre a crise econômico-social no Velho Continente, Bauman nos brinda com algumas pérolas que confrontam diretamente o senso comum. Dada a abrangência, visto que a crise para qualquer analista que compreende a sutil relação partes/todo, o polonês dialoga com as diferentes camadas da realidade social selecionando novidades e continuidades entre os planos micro e macro-estrutural. Destaco algumas questões:
- o sociólogo, que atualmente é o vice-reitor da London School of Economics (LSE), embora cético, mantém um tom relativamente otimista quanto ao médio/longo prazos. Não se fixa de forma obsessiva na atual conjuntura. Em verdade compreende que o atual modelo societário, pautado pelo corrosivo binômio de financeirização e consumismo insustentável, apresenta sinais de profundo esgotamento. Inclusive, para asseverar este juízo, nota as revoluções moleculares que vão se multiplicando, mesmo que a passos muy lentos, ao redor do globo e nas sociedades ocidentais. Ou seja, há um facho de luz, mesmo que tímido, no final do túnel.;
- alerta quanto ao distanciamento da relação entre poder e política institucional. Isto não é exatamente uma novidade na literatura, seja sociológica, econômica ou filosófica: há um robusto distanciamento dos interesses vinculados ao capital "virtual" da especulação financeira e o restante da humanidade. Porém, algo que nos interessa especificamente acerca do funcionamento da política institucional nestes tempos, Bauman é claro ao afirmar sobre os limites das estruturas modernas formais. Partidos, parlamentos, ministérios, a despeito de sua vinculação entre esquerda ou direita do espectro ideológico, tem uma margem de atuação francamente limitada ante as pressões dos grandes agentes financeiros. Neste ponto o que resta é a impossibilidade factual da execução plena e ipsis litteris de promessas de campanha eleitoral nas nações ocidentais. Este é um ponto trágico para a imaginação política contemporânea... A sensação de um certo "estelionato eleitoral" talvez não seja a nossa jabuticaba afinal...
Em suma, recomendo vivamente a leitura que pode ser acessada aqui.
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