quinta-feira, 19 de abril de 2018

Tempos sombrios


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Por Paulo Sérgio Ribeiro

Há momentos em que se faz necessário não subestimar o quão deprimente pode ser o cenário de uma época. 

Comecemos por um dado anedótico: a senadora Ana Amélia (PP-RS) se contrapôs à recente entrevista da também senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) à TV Al Jazeera[1] - na qual denunciava a ilegalidade da prisão do ex-Presidente Lula e o alinhamento do golpe de Estado em curso no Brasil com o interesse nacional estadunidense - e, pasme, confessou-se preocupada com a possibilidade de sua colega parlamentar ter feito uma “exortação” ao Estado Islâmico para “vir ao Brasil proteger o PT”.

Pouparei o leitor de objeções factuais à capacidade de uma parlamentar brasileira influenciar uma organização terrorista no Oriente Médio. Supô-lo seria um exercício de credulidade que beira ao ridículo. Todavia, não entendo que a senadora Ana Amélia seja uma estúpida, ainda que xenófoba. Capitalizar politicamente a ignorância tornou-se um recurso de poder de primeira grandeza, na medida em que nunca gerou tantos dividendos eleitorais estimular a regressão dos costumes daqueles que, ironicamente, rechaçam a política profissional. Um verdadeiro círculo vicioso.

Romper com tais vicissitudes nos leva a indagar por que a luta política parece ter perdido o seu potencial pedagógico se nunca tivemos à mão tantos meios favoráveis ao monitoramento reflexivo da vida social. Ora, alguém indagaria, por que ser demasiado pessimista se a Internet nos faculta tais “meios” diante dos falsos consensos fabricados na imprensa tradicional? Hoje, somos capazes de acessar um sem número de informações minimamente confiáveis e compará-las para obter, por exemplo, um olhar mais arejado sobre o mundo árabe do que a Ana Amélia.

Em tese, essa ponderação estaria correta; porém, a vida em rede difundida globalmente em nada assegura o reconhecimento da alteridade de um indivíduo, grupo ou nação como elemento constitutivo de uma experiência em comum. Este não reconhecimento assume a forma de uma comunicação hiperativa no tempo intemporal da Internet que, paradoxalmente, amplia a distância entre o eu a sua própria subjetividade. Construí-la requer tempo e este não se confunde com o frenesi dos cliques em busca da validação de um discurso autorreferente. 

Tanto na Internet quanto no bar da esquina, o galope acelerado da barbárie é protagonizado pelo "cidadão de bem" cuja segurança emocional é tributária da mediana mediocridade da “nobreza togada”. Este estamento  desembargadores, juízes, mas também procuradores e delegados federais  serve de suporte a idealização de uma ordem política em que conflitos distributivos sejam suprimidos ao invés de administrados articulando-se interesse público com o pensamento estratégico sobre o desenvolvimento, isto é, sobre a ampliação possível de nossa capacidade de iniciativa na história mundial. 

Longe estamos da autodeterminação enquanto povo-nação. No lugar dela, temos as cruzadas moralistas contra a corrupção assumidas pelo Poder Judiciário que configuram não apenas o expediente usual das corporações em disputa pela apropriação do excedente no Estado – a corrupção sistêmica que ninguém vê –, mas uma censura a toda e qualquer perspectiva que evidencie uma conexão de sentido entre a adesão aos valores tradicionais da classe média e a tentação das soluções autoritárias. Intelligentsia para quê, não é mesmo?

O apelo a uma autoridade forte que nos redima do caos republicano jaz um afeto primário – o ódio – socialmente referenciado  ódio contra os pobres  que, para ser saciado, demanda a inversão simbólica da relação de dominação: em um país no qual seis pessoas detêm a riqueza equivalente a das 100 milhões mais pobres[2], quem, sob o pavor-pânico de ser confundido com um daqueles milhões subalternizados, é adestrado para subir com êxito os degraus da hierarquia social converte-se facilmente em opressor, e o ressentimento quanto à altura (e agruras) daqueles degraus transmuta-se em agressividade autoritária contra qualquer um que  através da ciência, das artes ou do ativismo identitário  revele os limites de classe da sua vida pusilânime. 

Diante deste cenário, há de se perguntar se a ideia de nação ainda terá um lugar de pertinência entre nós ou se o Brasil se reduzirá a campo de pastagem para um povo-massa destituído de uma agenda que lhe renove a ideia de igualdade. 



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