quinta-feira, 19 de julho de 2018

Solidariedade à Débora Diniz


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Por Paulo Sérgio Ribeiro

Uma professora e pesquisadora de uma das mais conceituadas universidades públicas do Brasil, Universidade de Brasília (UnB), vê-se obrigada a exilar-se em seu próprio país em face das ameaças de morte por seu posicionamento sobre a questão do aborto. Trata-se de Débora Diniz, antropóloga vinculada ao Instituto de Bioética (Anis) e à Faculdade de Direito da UnB, além de redes profissionais de saúde e associações de defesa do Direito das Mulheres em âmbito internacional. As agressões que vem sofrendo são operadas tanto na Internet, o que motivou um boletim de ocorrência na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) em junho, quanto diretamente, ao ser abordada por um grupo de extrema-direita, todos homens ao que consta, na saída de um evento em que ministrara palestra em 18 de julho.  

Já tivemos oportunidade de discutir aqui no blog outros casos de violação da autonomia universitária e de censura ao pensamento científico. Não obstante, esse episódio é emblemático das imbricações do conservadorismo moral, enquanto corrente de opinião permanente entre nós, e do acossamento político de todo aquele que exerça a dissidência no plano institucional, considerando que a descriminalização do aborto, defendida por Diniz, é um divisor de águas sob um governo ilegítimo cujos próceres flertam com os pânicos morais para galvanizar o regime de força que o sustenta.

Débora Diniz não abdicou do seu trabalho intelectual e tampouco de suas franquias como cidadã ao mudar-se de Brasília sem informar a cidade de destino, mas, tão somente, lançou mão de uma medida urgente em face da regressão dos costumes na vida nacional que, no limite, inviabiliza a própria divulgação científica e as mediações que esta pode oferecer à construção de novos consensos no que toca às lutas por autonomia e reconhecimento das mulheres. Sua defesa da descriminalização do aborto é uma cunha no debate nacional, na medida em que põe em cheque as próprias bases psicossociais de escolhas de foro íntimo que são feitas (por mulheres, exclusivamente) tais como se adquirissem pertinência para a autoimagem da sociedade nacional. 

Ora, a defesa da descriminalização do aborto não colide com o direito à diferença dos membros de uma cultura hegemônica como o cristianismo. Desenhemos: a quase totalidade das mulheres que interrompem uma gravidez integram essa cultura hegemônica e, por conseguinte, não veem essa escolha como redutível à sua confissão religiosa, pois o que está em jogo é a própria definição de suas biografias em face das múltiplas filiações valorativas que as constituem como indivíduos.

Assim sendo, importa refletir o aborto como uma questão de justiça, considerando que é injustificável uma mulher não ser reconhecida como membro integral em um Estado de direito por ter recorrido ao aborto sem, antes, indagarmos se esse não reconhecimento é devido a padrões institucionais de valoração das práticas sociais que não foram construídos em condições de igualdade e que, portanto, subordinam indivíduos e grupos por suas características específicas ou pelas características que lhe são atribuídas. Bastaria aqui mensurar a elevada vulnerabilidade social das mulheres pobres que praticam o aborto.

O reconhecimento de um atributo do gênero feminino (não ser um mero apêndice de seu corpo na reprodução biológica) vai ao encontro da reivindicação por igualdade de status das mulheres. A interrupção desse debate, por sua vez, conduz à reprodução do valor diferencial das mulheres quando o que está em jogo é a maior redução possível do risco de morte e de sequelas físicas na prática do aborto.

Tematizar o aborto no terreno do universalismo moral (e não do moralismo) pode indicar com maior clareza condições intersubjetivas que assegurem a preservação da estima social como não dependentes da posição relativa da mulher frente ao status de cidadania. Do contrário, persistirá uma situação de injustiça social, pois apenas uma minoria de mulheres terá a prerrogativa de igualdade equitativa quanto aos melhores meios de conduzir soberanamente a sua vida reprodutiva. Noutros termos, uma meta pública se impõe: a ampliação da cobertura de um direito social – a saúde – fundamentada no mesmo valor moral dos membros do gênero feminino quanto às decisões que afetam a sua sexualidade e o seu bem-estar.

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