quarta-feira, 15 de julho de 2020

Questões de Conjuntura – Entrevista com George Coutinho – Parte 2

Questões de Conjuntura [1] – Entrevista com George Coutinho – Parte 2
 



Aluysio Abreu Barbosa[2]

 


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Aluysio – Jornalista e secretário do governo Flávio Dino (PC do B) no Maranhão, Ricardo Capelli denunciou que o lulopetismo cobra da esquerda na oposição o que não fez como governo. Lembrou que o PT escolheu Michel Temer (MDB) duas vezes como vice de Dilma Rousseff, que teve o liberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda. E que liberal é Henrique Meirelles (MDB), presidente do Banco Central nos dois governos Lula. Capelli está certo: o PT prefere perder as eleições presidenciais de 2022 a perder a hegemonia da esquerda?


Sem dúvida alguma Capelli está jogando com a concretude da dualidade governo/não governo. E é um excelente recurso de retórica. O mesmo comportamento, de acusar e cobrar e não praticar quando se está no governo, é um comportamento estrutural e faz parte do jogo de disputa argumentativa em prol da obtenção do poder. Já no governo a necessidade de compor em uma sociedade complexa e heterogênea se impõe.


O problema, dada a realidade objetiva que constrange, não é compor. Questionável é propor soluções disruptivas quando se sabe que as mesmas produziriam a ruína de um governo. Aí nem pau e nem pedra. Nem mudanças abruptas e tampouco mudanças graduais. Tão importante quanto chegar ao poder é ali permanecer. Por isso os acordos se colocam como necessidade inelutável... cabe é discutirmos as letras pequenas e as entrelinhas destes acordos.


Voltando para sua pergunta, eu acho muito arriscado projetar 2022 neste julho de 2020. O grau de complexidade do cenário de quarentena e do pós-quarentena, o conjunto de incertezas de agora e do futuro próximo, não nos permite arriscarmos quais estratégias serão utilizadas.


Mas, o Partido dos Trabalhadores segue sendo a maior e mais consolidada legenda do campo de centro-esquerda no país. É um partido dotado de militância orgânica e de massas. Considero pouco razoável que o Partido arrisque perder parte deste capital, que ainda é importante neste 2020, em prol especificamente de uma eleição - um objetivo de menor monta se compararmos com todo o esforço empregado na construção do capital político do Partido. Seria se secundarizar enquanto alternativa, seguir a via do PMDB para não sair do poder. Não me parece, por agora, via identificável na história do PT.
 
Aluysio -  Não integrar a Frente Democrática com os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), é reflexo do personalismo do projeto lulopetista? Ciro está certo ao culpar Lula e o PT pela ascensão de Bolsonaro?
 
Me parece mais algo que envolve o capital político adquirido pelo PT em 40 anos, o que o torna ainda o único partido de massas com capilaridade na sociedade, do que propriamente uma decisão personalista. Sem a objetividade da magnitude da máquina qualquer vaidade seria risível ou inócua a despeito de quem quer que fosse a liderança, o que inclui Lula.


Não é racional, na perspectiva de uma máquina partidária do tamanho do PT, compor de maneira a se permitir guiar por uma liderança a qual não reconheça legitimidade. Não faz sentido em termos de auto-interesse e das perspectivas de sobrevivência da própria máquina.


O PT enquanto coletividade, que obteve importantes resultados no Nordeste brasileiro mesmo nas eleições de 2018, me parece que segue também coerente com a sua compreensão dos fatos do segundo governo Dilma para cá. Isto o torna arredio, para dizer o mínimo, em compor abertamente com lideranças da centro-direita que tanto questionaram os resultados eleitorais de 2014 quanto ajudaram a inviabilizar o segundo governo Dilma, isto a despeito dos equívocos diversos praticados pelo staff de Dilma desde a segunda metade de seu primeiro mandato.


Sobre Ciro Gomes, é importante colocar o seu discurso nesta temática como parte das estratégias de disputa pelo eleitorado de centro esquerda e da centro direita. Responsabilizar Lula pela ascensão de Bolsonaro é uma meia-verdade. Sem dúvida o conjunto de experiências do PT no poder no século XXI ajuda a explicar sim a formação do capital político que Bolsonaro angariou. Porém me parece carregar demais nas tintas responsabilizar o candidato que estava em primeiro lugar nas pesquisas e foi preso, retirado da disputa, poucos meses antes do pleito, pela vitória de um de seus adversários.
A eleição de Bolsonaro é resultado de um conjunto complexo de variáveis. Responsabilizar diretamente Lula por isso não é estabelecer relação causal sustentável. Funciona como recurso de retórica na disputa pela atenção do eleitorado. Mas, é desonesto intelectualmente se visa explicar a ascensão de Bolsonaro e do bolsonarismo.


Aluysio - Condenado em 2ª instância em dois processos da Lava Jato e réu em outras cinco ações penais, Lula está livre, mas impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa que aprovou quando presidente. Ele terá condições legais de um dia voltar a disputar mandato? Saiu da prisão maior ou menor do que entrou? E Moro, seu algoz, do governo Bolsonaro?
 
Não creio que Lula seja, nesta etapa de sua trajetória política, um candidato viável para a presidência. Certamente poderia ser eleito senador da república. Mas, para presidência....
Lula sintetizou ódios, ressentimentos e demais antipatias de amplas parcelas do eleitorado brasileiro.


É importante reforçar isso. Para termos uma candidatura viável em um pais com as dimensões do Brasil e com a respectiva heterogeneidade do eleitorado, um candidato precisa ir além de seus apoiadores. Precisa angariar, disputar votos em agrupamentos que transcendem seus eleitores identificados ideologicamente com seus valores e programa.


Lula fez isso pacientemente de sua primeira campanha presidencial no final dos anos 1980 até o início deste século. Foi um trabalho persistente que, atrelado a fatores conjunturais do término do segundo governo FHC, produziu a primeira vitória na disputa presidencial do Partido dos Trabalhadores. O termo “tempestade perfeita” se aplica aqui.


Neste momento, até mesmo por sua idade, não creio na viabilidade de um “projeto Lula” para os anos 2020 a partir das evidências que temos neste momento. Porém, claro, ocorrendo fatos novos de relevância podem ocorrer mudanças neste diagnóstico.


Só não sei se Lula sai propriamente maior ou menor...Ele tem sido tensionado por determinadas declarações impensadas e para além disso, em termos eleitorais, segue inviável... E talvez a questão de sua inocência ou não seja francamente irrelevante para parte do eleitorado que jamais teve apreço por jogar nas regras do jogo. Importava muito mais retirar Lula da disputa de 2018 e isto foi feito. Não cabe superestimarmos os efeitos práticos de uma questão moral no cenário político brasileiro. A moralidade é argumento ad hoc na cultura política.


Sobre Moro, é importante olharmos a sua trajetória. Ele representou os anseios, e soube utilizar isso habilmente na mídia, da busca por uma solução para a corrupção dos governos do Partido dos Trabalhadores. E assim atuou.


Porém, comparando com Lula, temos algo francamente desproporcional. Sérgio Moro falou a atuou para seus convertidos de sempre, a classe média branca e tradicional, e para seus simpatizantes de ocasião. Intelectualmente foi discutido e desmontado diuturnamente por seus adversários no campo jurídico... Flertou com práticas na margem do Estado do Direito que contavam com a legitimação de aficionados por filmes de gangsteres onde qualquer ação, mesmo que flertando com a ilegalidade, valeria por “combater um mal maior”...


Portanto, Moro sempre foi visto como ser vil, medíocre e um problema para o Estado Democrático de Direito para parte da população. E segue uma espécie de gigante moral para determinados setores, sendo estes quantitativamente cada vez em menor número.


Contudo, nesta conjuntura, poderia ser um candidato bem sucedido ao senado federal. Sua carreira política pode prosseguir e ele ainda tem capital político para isso. Porém, ironicamente tal como Lula nesta conjuntura, talvez não tenha capital político para se lançar em voos mais altos.
 
Aluysio - Ninguém à direita ou à esquerda, no Brasil ou no mundo que nos acompanha, crê que Bolsonaro se elegesse presidente em 2018, sem que Donald Trump o tivesse feito antes nos EUA, em 2016. Se o moderado Joe Biden vencer as eleições presidenciais de lá, em 3 de novembro, como indicam as pesquisas até aqui, o eixo político do mundo migrará ao centro?
 
As eleições norte-americanas, desde o pós-Segunda Guerra, interessam a um público que vai muito além do que seu próprio eleitorado nativo.


 A vitória de Trump sem dúvida produziu um importante “empoderamento” de projetos extremistas de direita no mundo. Polônia, Hungria, Brasil, Itália... Conferiu energia a partidos de extrema direita também na Grécia, Espanha, França...


Não coloco as Filipinas de Duterte aqui pelas especificidades deste governo.


Prosseguindo, não por acaso Steve Bannon, ideólogo de extrema direita que teve sim contribuição relevante na eleição de Trump, tentou engendrar uma “Internacional Populista”... E até mesmo fez um uso, pasmem, positivo do termo “populista” ao referir-se ao seu projeto e ao de seus simpatizantes/liderados/seguidores.


O que afirmo neste momento é que Trump derrotado interessa simbolicamente sim para grupos da centro direita que “jogam no jogo” da ordem democrática e aos agentes de diferentes matizes do campo progressista. Contudo, não há garantias de um encaminhamento para o centro em todas as realidades nacionais. Por enquanto pode implicar no retraimento da extrema direita e da direita radical, o que já não é pouca coisa.


É importante pensarmos nos impactos da pandemia. Economias em frangalhos e a demanda pela volta do Estado enquanto agente talvez produza, na verdade, importantes vitórias para a esquerda social democrata em muitas realidades nacionais. Também pode projetar a centro direita conciliadora em determinadas disputas.
 
Aluysio - Quando o socialista Bernie Sanders ainda liderava as primárias democratas a presidente dos EUA, o filósofo da USP Vladimir Safatle, que já tinha causado grande impacto com o artigo “Como a esquerda brasileira morreu”, disse em entrevista ao jornalista Mario Sergio Conti identificar elementos “revolucionários” tanto no projeto de governo de Sanders, quanto no governo Bolsonaro. No sentido de que, mesmo em espectros políticos opostos, ambos tentavam romper com o status quo, ao qual o PT aderiu no poder. Como você vê?


Creio que voltamos para o início de nossa entrevista.


O termo “revolucionário” entre aspas me parece interessante. O termo revolução sem aspas implicaria revolver e romper com estruturas consolidadas que determinam o funcionamento sistêmico de uma dada realidade social.


Mas, sim, Sanders seria “revolucionário” ao praticar, ora quem diria, algumas medidas que encontram paralelo com as impetradas pela Europa que derivaram no Welfare State nos chamados “anos de ouro do capitalismo” como diria o historiador Eric Hobsbawm.


A questão é que tais medidas são tão dissonantes com os EUA que elegeu décadas atrás Ronald Reagan e seu projeto neoliberal, um país que detém uma perspectiva de atuação em termos previdenciários e de saúde coletiva tão radicalmente individualizados, que Sanders poderia implicar em uma mudança importante e gerar uma sociedade mais inclusiva...


Os EUA, dentre os países ricos e industrializados, é o que detém os piores e mais aviltantes índices de desigualdade social. O caso George Floyd é a representação disso que estou falando. Sanders poderia abalar essa configuração sócio-econômica e demonstrar que os EUA podem ser diferentes. Mas, mesmo assim uma realidade social tão consolidada precisaria de um pacto nacional para ser implementado e sustentado por décadas para então surtir efeito.


Nenhuma sociedade complexa tem por solução um mandato presidencial. É preciso construir pactos transgeracionais para termos sustentabilidade para projetos de grande monta. Isto vale para os EUA, Brasil, etc..


Bolsonaro também seria “revolucionário”, entre aspas, ao desmontar o espirito da Constituição de 1988: justamente ali tínhamos o esboço de um Estado de Bem-Estar Social juridicamente pavimentado. Uma constituição socialmente avançada para a nação que é dotada de índices insuportáveis de concentração de renda. Constituição socialmente avançada para uma realidade periférica que detém índices sociais bárbaros.


O Governo Temer tangenciou com pudores esse processo de desmonte da Constituição de 1988. Porém, por “n” razões, não tinha poder de fogo suficiente para levar a cabo este projeto. Vide o fato da aprovação do chamado “Teto de Gastos”, que se mostra a provável causa de um shutdown no próximo ano, e a derrota de sua proposta de reforma previdenciária. Temer ficou na metade do caminho.


Bolsonaro, como afirmei na primeira pergunta, é eleito com um projeto de refundação da sociedade brasileira no âmbito dos costumes, algo que só poderia se concretizar faticamente com um regime autoritário que perseguisse todas as formas de viver que fugissem do que se considera idealmente a família tradicional cristã. Seria uma “revolução” no âmbito de retração dos direitos civis.


Mas, também implicaria a dilapidação do Estado que já é proporcionalmente, em termos comparativos internacionais, muito menor do que o senso comum afirma ser. O projeto de Bolsonaro no poder implicaria a radicalização da responsabilização individual dos cidadãos na sociedade brasileira, seja em termos de segurança individual armando a população, o home schooling enquanto solução educacional, trabalhadores sem qualquer tipo de amparo de legislação social sendo responsáveis individuais quanto a sua sorte no envelhecimento, etc..


Para isto o aspecto “revolucionário” do governo Bolsonaro residiria na destruição sistemática e cotidiana da Constituição de 1988 e seu legado. Algo que conta com apoio direto de parte do empresariado brasileiro e de grupos do setor financeiro que consideram o projeto CF 1988 um óbice.
 
Aluysio - Como analisa a ameaça a cada dia mais séria de impeachment do governador Wilson Witzel (PSC), ex-juiz federal e fenômeno eleitoral de 2018, na esteira do bolsonarismo? E quais suas perspectivas para as eleições a prefeito de Campos em 15 de novembro?


Mais uma vez precisaremos dividir a resposta.

Primeiramente, no caso de Witzel, vemos é o prosseguimento da tragédia político-institucional fluminense. O impeachment, e não entrarei aqui no mérito da questão, é sempre um processo traumático e gera instabilidade inegável agravada por este momento particular, a pandemia, onde os esforços do aparato estatal deveriam se concentrar no enfrentamento da crise sanitária.


É importante colocar em relevo o expressivo placar pró-impeachment de Witzel na ALERJ: 69 votos favoráveis e uma abstenção. Algo como um mineiratzen político.


Até mesmo este placar representativo indica a necessidade de um tipo de esforço de composição com a ALERJ que considero inimaginável.... Caso ocorra e Witzel seja bem sucedido, a ALERJ precisará explicar para a população fluminense as razões para tal reversão.


Por enquanto já compreendo que a ALERJ já fez sua opção pelo impeachment do governador. O custo de reconsiderar a decisão politicamente pode ser insuportável.


Já Campos se mantém com um cenário de disputa eleitoral em nítida movimentação e com as singularidades de um pleito que precisa conviver com importantes restrições de circulação social. Os agentes políticos seguem se apresentando para a disputa no executivo e no legislativo.


Porém, dadas as imposições da conjuntura, a disputa ainda não ganhou em temperatura. 

E, o que é bastante sério, ainda não me parece que derivou em formulação de projetos, propostas para a cidade. Espero que este ponto, o que verdadeiramente importa, seja sanado pelos interessados nas próximas semanas. Campos necessita de algo mais do que improvisos, medidas pontuais, personalismos.. Campos precisa de ação sistemática e inteligente para lidar com as suas demandas.
 
* The Burning Giraffe, Salvador Dali. Imagem originalmente disponível em: https://www.dailyartmagazine.com/salvador-dali-the-burning-giraffe/, acesso em 15/07/2020.


[1] A primeira parte desta entrevista encontra-se disponível aqui: http://autopoiesevirtu.blogspot.com/2020/07/questoes-de-conjuntura-entrevista-com.html
[2] Jornalista e poeta. Diretor de Redação do jornal A Folha da Manhã.


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