A intolerância, o crime eleitoral e slogan nazista ao ar livre em Campos
Edmundo Siqueira**
Podemos,
em uma tradução livre, definir um “outdoor” como uma “publicidade ao ar livre”.
De fato, ele o é. Em suas modalidades urbanas, ele ocupa não apenas o “ar
livre”, mas também é um elemento visual significativo nas vias públicas. Mesmo
considerado como poluição visual, o painel publicitário de grandes dimensões é
socialmente aceito e cumpre suas funções publicitárias com efetividade. O
problema, é que a rua — ou uma praça —
deve cumprir um papel de convivência entre os diferentes; onde a
diversidade precisa conviver em relativa harmonia. Não foi o que aconteceu nas
últimas semanas em Campos dos Goytacazes. Algumas dessas mídias externas
causaram desarmonia — e descumpriram a lei.
Confesso
que um outdoor não é o tipo de propaganda que me atrai. Acho exagerado, poluidor
e anacrônico; enfim, desnecessário. Uma empresa que opta por divulgar sua marca
e produtos em uma moldura gigantesca, via de regra sem manutenção adequada, coladas
com impressões em papel, de formado grande e usualmente de baixa qualidade,
corre um sério risco de investir em “má publicidade”. Em um mundo cada vez mais
virtual, e ecologicamente responsável, expor-se nessas condições pode trazer “efeitos
colaterais” adversos.
Um
outdoor por ter outros fins que não publicidade comercial. Pode ser um ato
político, como o exemplo que relato aqui.
Um
outdoor criminoso e com slogan nazista
Grupos
políticos de Campos utilizam-se desses painéis com certa constância. Seja para
agradecer os votos recebidos ou para divulgar algum feito. A coisa parecer ter
se agravado com o advento do bosonarismo. Não só em Campos, muitas cidades pelo
país utilizaram o outdoor para declarar apoio ao presidente Bolsonaro — nesse
caso com poluição e anacronismo condizentes. No caso local, financiados ou não
por grupos tentaculares ao bolsonarismo, as mídias possuem padrões: a faixa
presidencial, as cores verde e amarela, hashtags seguidas de slogans de
inspiração fascista, e o culto personalístico ao ‘dulce’ brasileiro.
Afirmar
que Campos é uma cidade conservadora é um “lugar comum” que pode ser
manifestado em uma verdade. Não cabe aqui trazer definições do conservadorismo
como filosofia social, mas estaríamos em terreno seguro para substituir por
reacionarismo. Isso se reflete na preeminência de propagandas bolsonaristas nas
ruas campistas. Algumas ações pontuais, na tentativa de equidade, foram
empreendidas (podemos esmiuçar em outra oportunidade), mas sufocadas por
poderio econômico.
Situação
agravada com a visita presidencial à Campos, há cerca de três semanas.
Ciceroneado por Clarissa Garotinho (PROS/RJ), Bolsonaro passou pela cidade
quando veio à região. Foi o bastante para as ruas serem tomadas por outdoors de
apoio. Seguindo os mesmos padrões, uma das mídias chamou a atenção. Além de
trazer evidente crime eleitoral (confirmado pelo Tribunal Eleitoral local,
posteriormente), pedindo votos desavergonhadamente, inclusive trazendo o número
de campanha, ainda trazia o slogan “Uma nação, um povo, um líder!” — plágio
nefasto de Adolf
Hitler, na Alemanha nazista: “Ein Nation, ein Volk, ein Führer”.
Expor
um crime em “praça pública” com orgulho, e slogan nazista em letras garrafais —
utilizando-se de sua condição financeira, potencializada por desigualdade e possivelmente
mantida por benesses estatais — demonstra
a certeza da impunidade. E a profunda intolerância com a ordem pública, com a
democracia, com a pluralidade, com a decência e com liberdade política. E não
podemos tolerar os intolerantes, como nos ensina Karl Popper e outros tantos
pensadores.
Portanto,
algo precisava ser feito. O caminho que encontrei para fazer “minha parte”, por
cidadania ativa, foi usar as redes sociais; algo como o “feitiço contra o
feiticeiro”. Via Facebook — rede em
desuso, mas especialmente eficaz em temas políticos —, expus o outdoor, mostrei
onde estariam cometendo crime eleitoral e pedi ajuda para peticionar aos tribunais
eleitorais, ou ao Ministério Público Eleitoral, uma denúncia. Organicamente,
através da publicação, fui alertado do slogan nazista e informado que já havia
denúncia feita por partido político. Com mais de 200 curtidas, 41
compartilhamentos e 227 comentários (a maioria a favor), o alerta serviu para
que muitas outras denúncias fossem feitas por pessoas físicas engajadas pela
causa. Dois dias depois, iniciei uma petição pública virtual (espécie de abaixo
assinado) através do site change.org, que já possui mais de 1.170 assinaturas.
Mais
dois dias passados e o TRE local emite uma sentença que determinava a retirada
das mídias. Apesar da previsão legal de multa e outras penalidades, o juízo
decide por interromper o ilícito, apenas. Não cita o slogan nazista, que possui
difícil comprovação, de fato, estando mais adequado a um “dog whistle”, ou apito
de cachorro, prática comum de grupos nazistas. A empresa Outside Propaganda,
sediada em Campos, foi tida como responsável pela colocação, e a ela atribuída,
também, a autoria do conteúdo.
Nos
espaços públicos de uma cidade a população pode manifestar sua territorialidade
e ocupar física e socialmente. É preciso reforçar aqui que não há problema
algum em grupos empresariais demonstrarem suas preferências políticas, ainda
que seja a favor de um governante neofascista como Bolsonaro. Em essência, não
configura uma ilegalidade. Se há desigualdade por condições financeiras, é um
problema estrutural que o país precisa enfrentar.
O
problema aqui não é ser “de direita”. Mas a liberdade de opinião e o livre
exercício político esbarra na lei. Ou na “teoria o dano”, de John Stuart Mill,
filósofo britânico e uma das principais referências em liberdade de expressão —
termina quando causa dano a outras pessoas.
É
preciso que as ruas, representando a população, deem respostas, e possibilitem
reflexões. Mas sempre dentro do jogo democrático, e principalmente regulado
pelo ordenamento legal. As instituições devem funcionar, provocadas ou não. E
por escolha livre e consciente, o voto deve ser sempre um instrumento de
liberdade.
É
apenas o início de um ano eleitoral que se mostra, no mínimo, desafiante. Quem
deve vencer? A lei e a democracia.
* Disponivel em: https://www.rafmuseum.org.uk/research/online-exhibitions/history-of-the-battle-of-britain/the-rise-of-the-nazi-party/, acesso em 21 de fevereiro de 2022.
** Servidor Federal, jornalista, graduando em Direito, agente cultural, articulista do jornal Folha da Manhã.
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