sexta-feira, 11 de março de 2022

Impressões sobre Faroeste Cabrunco

 

 


Impressões sobre Faroeste Cabrunco, filme do diretor Victor Van Ralse

George Gomes Coutinho

Sou amigo de Ralse há uns bons quase 30 anos... Nos conhecemos em um tempo em que nenhum dos dois tinha idade para ter barba. O contexto eram os nossos “loucos anos 1990” quando estudávamos na antiga ETFC, curso de eletrotécnica. Victor é um humanista desde sempre e por isso somos amigos até hoje (algo que não posso dizer de outras pessoas que conheci no mesmo período).

Embora eu saiba de seu investimento profissional de muitos anos na sétima arte, admito que fui surpreendido com a ousadia de Faroeste Cabrunco. Trata-se de obra cinematográfica feita em Campos dos Goytacazes, norte do estado do Rio, realizada com o importante apoio financeiro do Fundo Municipal de Cultura de Campos (FunCultura). O filme tem boa parte de sua equipe formada por campistas, tem roteiro pensado para a cidade, o diretor é campista...O que poderia advir desse experimento?

Assisti o filme na última quarta. Fui um dos intrusos na sessão das 19 horas do Cine Darcy na UENF. Se tratava da pré-estréia do média metragem e tive a honra de assistir em primeira mão junto da equipe. Eu estava devendo compartilhar essas impressões até pela honraria que me foi concedida.

Faroeste é um curioso mosaico de cultura pop e regionalismo. Há citações diversas e vale “desconstruir” para “reconstruir” a obra de Ralse. Há Legião Urbana? Há! Da épica Faroeste Caboclo, que certamente ajudou a batizar o filme, veio justamente um dos personagens, o “general de dez estrelas”.

Há realismo fantástico latino-americano? Há! Personagens como a Mana Chica ou o misterioso Peregrino estão ali para isso. Um surrealismo sutil se apresenta adornando o trabalho.

Há bang-bang spaghetti? De sobra. O filme é todo inspirado nesse gênero cinematográfico divertido, por vezes meio pastelão, onde mocinhos e bandidos lutam em meio a uma conquista do oeste norte-americano puramente imaginada (conquista esta que não foi nada divertida em termos factuais). Por vezes as deliciosas trilhas de Ennio Morricone estão ali como referências implícitas compondo a ambiência.

Temos crítica social? Sim, o filme não é chapa branca. Conta com financiamento público, algo fundamental e iniciativa absolutamente necessária que deve ser aplaudida, incentivada e aperfeiçoada. A questão é que, a despeito disso e por vivermos ainda em uma sociedade democrática, Victor optou por tomadas que doem na carne. O filme é honesto ao apresentar nossas mazelas sociais como protagonistas da trama. Além disso o diretor demonstra seu indisfarçável desprezo ante o coronelismo local, coronelismo este que se atualiza em oligarquias urbanas.

E o campistês? É a linguagem que articula tudo isso. Termos irresistivelmente regionais como “lamparão”, “cabrunco”, “tisgo” e congêneres são como agulha e linha que costuram a trama do roteiro conferindo ao trabalho uma imagem única.

Com tudo isso ainda temos a emoção no coração do campista. Emociona muito. Nunca tinha visto minha cidade na tela grande. Por vezes fecho os olhos e algumas imagens me assombram como espectros cinematográficos.  Praça São Salvador. A ponte. Mosteiro de São Bento. Os recortes da planície semiárida. Vi, me reconheci, me auto-interpretei.

Finalizando, meu irmão de vida, Sérgio Márximo Moreira Gomes Jr., trouxe o Aikido para esse guisado pop campista. Quem já esteve no dojô e acompanha as artes marciais como aprendizado (filosofia ou cultura, tanto faz), vai reconhecer ali boas cenas coreografadas e fieis ao footwork desta moderna arte japonesa.

É campista? Veja o filme. Duas vezes pelo menos! Conhece a cidade? Veja o filme, duas, três vezes. Não é de Campos e não conhece a cidade? Pouco importa. Veja um trabalho muito corajoso da imaginação artística brasileira que faz milagres a despeito do baixíssimo orçamento.

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