domingo, 31 de julho de 2016

FHC, o impedimento e as maiorias parlamentares

FHC, o impedimento e as maiorias parlamentares * 

George Gomes Coutinho *

No início deste mês o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu polêmica entrevista ao programa Up Front da TV Al Jazeera. Confrontado diversas vezes pelo entrevistador Mehdi Hasan em perguntas sobre a conjuntura política brasileira, em dado momento FHC aponta como uma das justificativas para o impedimento de Dilma Roussef o fato da mesma não ter contado com a maioria na Câmara dos Deputados. Ou seja, a composição da base parlamentar, que pode se traduzir em dificuldades severas de governabilidade, seria um dos argumentos que legitimam a deposição de um presidente eleito pelo método democrático de seleção de governantes.

O argumento tomado  isoladamente é prenhe de debilidades severas. Não indo muito longe e observando a recente conjuntura norte-americana, o presidente Barack Obama lidou em seu segundo governo com a oposição tomando de assalto o Congresso e nem por isso foi cogitada a hipótese do impedimento. Em outra perspectiva, agora de longa duração, a História nos autoriza a dizer que a construção de maiorias parlamentares é antes de tudo circunstancial. Traduzindo em miúdos, os executivos nacionais podem contar ou não com maiorias parlamentares e a construção das mesmas depende de um conjunto constrangedor de variáveis conjunturais. Ou seja, embora maiorias parlamentares sejam certamente desejáveis, estas podem ou não ocorrer.

Em suma, neste argumento de FHC sobra convicção e falta responsabilidade. A interrupção do mandato de um governante confronta o mecanismo democrático de eleições regulares e só seria aplicável em casos extremos e inquestionáveis. O remédio amargo do impedimento, assim adjetivado pelo conjunto de seqüelas graves que podem vir a matar o paciente, não deveria ser indicado como panacéia em conjunturas particularmente difíceis.  O caminho seria outro: como o presidencialismo brasileiro poderia encontrar soluções dentro do próprio sistema político para impasses nos processos de tomada de decisão? Mas, pelo andar da carruagem, estamos perdendo uma excelente janela histórica de aprimoramento institucional que tanto poderia responder esta pergunta crucial quanto nos auxiliaria no complexo processo de consolidação de nossa democracia.

* Publicado no jornal "Folha da Manhã" em Campos dos Goytacazes em 30/07/2016, p.04


**Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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