domingo, 14 de agosto de 2016

O grande condomínio olímpico

O grande condomínio olímpico *

George Gomes Coutinho  **

No último ano Christian Dunker, professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da USP, trouxe ao mundo a obra “Mal-estar, sofrimento e sintoma”, publicado pela Boitempo Editoral. O livro, extremamente ambicioso e potente em termos de correlações entre a teoria social e a psicanálise, apresenta como um dos seus grandes argumentos para interpretar o Brasil contemporâneo uma nova patologia social: a sociedade condominial.

Para Dunker, a sociedade condominial se caracteriza na prática como aquela dotada da criação de espaços artificiais privatizados e por vezes assépticos onde o controle repressivo, a homogeneização estética e social e a sociabilidade neurótica se encontram de mãos dadas. Encerrados em verdadeiras cidadelas adultos são infantilizados com a promessa, certamente impossível de se realizar, da supressão da complexidade diante do inevitável encontro com outro, o alter. O outro, em última instância, é todo aquele que não se enquadra nos parâmetros tradicionais e/ou desejáveis e nos lembra que neste universo não iremos conviver somente de forma entediante e previsível entre “meus iguais”. Este outro, ainda, traria o comportamento indesejável ou a crueza do real em sociedades que são, quer se goste ou não, plurais, complexas e, especialmente em nosso caso, francamente desiguais.  Nestes termos, shopping centers e condomínios são expressões de um mesmo fenômeno social.

Não é por acaso que o complexo olímpico carioca tem sido igualmente comparado a um shopping ou a um condomínio e seu funcionamento é análogo. Francamente repressivo, inclusive na batalha quase sem tréguas à liberdade de expressão e excludente quanto a todos “os não iguais” e sem o convite. Trata-se de uma grande área VIP. O objetivo é isolar o indesejável, o real, o imprevisível, como se assim fosse realizável. O grupo gestor local, o Comitê Rio 2016, se apresenta como o “síndico” ávido por considerar de forma autocrática o que pode ou não pode ser feito. Neste sentido, as manifestações visuais e pacíficas contra o governo interino foram inconstitucionalmente desbaratadas enquanto expressão do “real” não convidado. Afinal, o que é a Constituição de 1988 frente às leis soberanas e neuróticas de um condomínio?

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 13 de agosto de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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