domingo, 21 de agosto de 2016

Reacionários aqui e alhures

Reacionários aqui e alhures *

George Gomes Coutinho **

O diagnóstico contemporâneo de que vivemos em uma sociedade que atravessa uma profunda transição já foi apresentado alhures, em diversas línguas e tradições das humanidades. Porém, em outra e longínqua conjuntura, talvez ninguém como o comunista sardo Antonio Gramsci (1891-1937) tenha obtido uma das formulações mais precisas e dramáticas sobre as épocas de interregno: momentos onde o novo ainda não nasceu e o velho se recusa a morrer.

As sociedades, no Brasil e no mundo, nestes primeiros 16 anos de século XXI lidam com um fluxo de circulação de informações que não encontra paralelo na trajetória humana. Neste âmbito, a circulação livre de capitais, sonho dourado de rentistas e especuladores em geral, convive com a circulação de pessoas, algo menos desejado pelos setores mais conservadores e recalcitrantes. Modos de viver surgem, alguns realmente novos e outros que já não são mais asfixiados nos calabouços dos espaços públicos,  o que implica novas formas de amar, sentir e experimentar a produção cultural e as relações afetivas. A sociedade deste início de século XXI é plural, complexa e necessita da busca por formas de convivência que consigam dar conta, de forma pacífica e democrática, desta rica diversidade humana.

Contudo, o que há de novidade em nossos tempos convive com o que se recusa a morrer.
 
Os agrupamentos que se “recusam a morrer” simbolicamente neste momento buscam na nostalgia, ou na invenção de um passado mítico pouco crível, forças para a reação. Por isso o termo “reacionário” nos auxilia a compreender as tentativas desesperadas e artificiais da aniquilação da diversidade nascente e da plêiade de direitos conquistados por diversos agrupamentos sociais. Sejam os eleitores brancos, cristãos e redneck de Trump, os simpatizantes da extrema-direita européia e as viúvas da ditadura civil-militar brasileira. Todos estes agrupamentos reacionários apresentam em sua pauta a interpretação passadista, vide o “fazer a América grande de novo”, como mote para flertar com soluções totalitárias e autoritárias de maneira geral. O grande problema é que a História, aquela senhora invisível a nos assombrar, sempre lembra que o reacionarismo convive de braços dados com seu co-irmão: o fascismo.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 20 de agosto de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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