domingo, 4 de setembro de 2016

31 de agosto de 2016: o dia que não terminou

31 de agosto de 2016: o dia que não terminou*

George Gomes Coutinho **

Há datações que se tornam paradigmáticas na história humana. Elas não indicam que há um congelamento da dinâmica da sociedade, algo que qualquer observador poderia atestar sem dificuldade. Contudo, determinadas datas adquirem grande relevância por redundarem em grandes conseqüências nas relações, pactos e interpretações que um Estado-Nação, constituído por seus agentes, constrói sobre si. Neste raciocínio, o jornalista e escritor Zuenir Ventura, por exemplo, elegeu 1968 como marco para ilustrar um destes momentos fortemente simbólicos e paradigmáticos em uma de suas obras. O livro de Ventura, lançado em 1988, trazia o subtítulo “o ano que não terminou” que tomei de empréstimo para esta reflexão.  A sensação de algo inacabado, uma gestalt histórica aberta, paira igualmente sobre o 31 de agosto de 2016.

Ao término da votação no Senado Federal do processo que culminou no impedimento de Dilma Roussef, é pouco provável que observadores mais atentos tenham acreditado que qualquer coisa tenha efetivamente se encerrado. Mesmo para os entusiastas de curtíssimo prazo cabe traçar como alerta um paralelo didático com processo análogo sofrido por Fernando Collor em 1992. O movimento Fora Collor, que contou com ampla adesão de diversos setores da sociedade e angariou o apoio de grupos de quase todo espectro político, foi bem sucedido inclusive pela ampla faixa de consenso obtido. O processo Collor visto em retrospectiva se mostrou eivado de falhas legais e de manobras políticas nos bastidores que fariam corar até o mais cínico observador da política contemporânea.  Todavia, havia o forte consenso.

No caso Dilma, as controvérsias surgiram em tempo real, não necessitando sequer do olhar retrospectivo. Primeiramente, o forte consenso na própria sociedade não foi construído. Ou seja, o questionamento ruidoso prosseguiu durante o desenrolar dos acontecimentos e prosseguirá como um eco a ressoar nos próximos tempos até pela quantidade de contradições que cercaram o processo. O dissenso envolveu pelejas discursivas nas searas do sistema político, do sistema jurídico, na área econômica e até mesmo, pasmem, no rol dos debates morais. 31 de agosto de 2016 não findou na última quarta-feira. Apenas iniciou uma nova e imprevisível fase.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 03 de setembro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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