domingo, 19 de março de 2017

Democracia no capitalismo

Democracia no capitalismo *

George Gomes Coutinho **

Há um conjunto de fatos que, malgrado suas particularidades, se repetem com destaque no noticiário político nas últimas décadas e que chamam a atenção da opinião pública. Estes fatos políticos ganham maior ou menor destaque dependendo da constelação de interesses envolvidos, vide neste momento a segunda lista encaminhada ao STF por Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Pode reverberar em alarde ou o tom é de minimização diante do que foi apresentado. Até mesmo a amnésia não pode ser descartada. Voltando no tempo houve uma primeira lista de Janot. Ainda, um pouco antes, ocorreu a deflagração da operação Lava-Jato. Retrocedendo os ponteiros do relógio ainda mais a atenção era voltada para o Mensalão, o escândalo do metrô de São Paulo, o caso da Pasta Rosa, etc.. Até militares receberam propina em 1964. A listagem recua historicamente ao infinito. Contudo, todos os fatos mantêm em comum a conexão entre interesses políticos e empresariais.

Há duas perspectivas possíveis sobre cada um desses casos complexos. Irei me utilizar de uma metáfora bastante simples: a relação entre uma árvore e sua floresta. Cidadãos, mídia e analistas quando destacam cada caso isoladamente, com ares de perplexidade autêntica ou não, miram em uma árvore. Mas, se esquecem da floresta, da totalidade, do bioma que torna possível aquela espécie de árvore estar ali e não em outro lugar. Irei partir desta totalidade.

A democracia no capitalismo convive com um insuperável paradoxo. Há a chamada igualdade formal, pautada nos direitos civis liberais onde “todos são iguais perante a lei” como brada o slogan. Todavia, a igualdade formal convive conflituosamente com a desigualdade substantiva. Por desigualdade substantiva deve-se compreender que o capitalismo enquanto sociedade convive, pratica e interpreta de forma naturalizada a distribuição desigual de recursos. 

Não causa espanto, portanto, que existam supercidadãos: aqueles, dotados de poder econômico, simbólico ou institucional. Estes supercidadãos contam com o aparato do Estado para lograr êxito em seus projetos de classe e/ou categoria. Portanto, é desejo vão imaginar a supressão de privilégios de acesso ao poder, ainda mais o econômico. Ou é ingenuidade. Ou é demagogia.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 18 de março de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

Um comentário:

  1. Caro amigo, já faz tempo, e muito tempo, que capitalismo e democracia são incompatíveis, como água e óleo...

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